< voltar
1 min
A Centopeia
Romance de 1961 que se insere na prática do nouveau roman, divulgada teoricamente pelo autor, Alfredo Margarido, em 1962, em O Novo Romance. Rompendo com a estrutura do romance tradicional, A Centopeia subverte o tratamento de algumas categorias narrativas. Entre outros traços, saliente-se a ausência de uma personagem que filtre a focalização, preferindo-se a autonomização do "olhar" que pesquisa o espaço e multiplica os planos ou a individualização de partes do corpo responsáveis pela "ação" (o braço, a mão, a cabeça); a submissão do mundo exterior à consciência de um homem que repete as palavras que ouve, que nomeia os objetos que vê, sem lhes encontrar um sentido, revestindo-se de especial importância a modelização do discurso ("talvez", "afinal", "ou antes", "parecia") que introduz a dúvida na relação entre o eu e o mundo: "Todos os acontecimentos eram atribuídos a uma mesma noção indeterminada, de franjas esborratadas e onde seria trabalhoso distinguir qualquer mancha original. Tudo parecia ser um apêndice de uma vida passada, a que era complicado, ou até impossível, encontrar uma estrutura pessoal, uma arquitetura que pudesse responder a uma necessidade bem determinada." (p. 98). Ao mesmo tempo, a recusa de formular explicações psicológicas, morais ou ideológicas e a desvalorização da intriga e das dimensões espácio-temporais adensam uma atmosfera enigmática pela qual o leitor tenta reconstituir um eixo narrativo: compreendemos fragmentariamente que a ficção se situa num espaço colonial; que o "protagonista", condenado pelo padre devido à sua relação ilegítima com uma mulher, é um homem cujas intenções vigorosas ao desembarcar parecem ter sido delidas pela atmosfera, pela submissão à corruptibilidade e a leis inexoráveis que aniquilam progressivamente a sua capacidade de agir e de tomar iniciativas. Ser abúlico, incapaz de mover-se, exceto para perseguir uma centopeia, que só lê livros técnicos, "pois perdeu todo o interesse por livros que tenham a pretensão de retratar pessoas, contar conflitos ou qualquer coisa do género" (p. 18), o protagonista condensa em si as linhas definidoras do homem moderno, perdido "nos meandros infinitos das palavras", tentando dolorosamente distinguir-se a si próprio de qualquer outra cópia humana ou simplesmente de uma "centopeia" ("Não sou apenas uma centopeia...", p. 132), "correndo em direção a um objetivo aparentemente possível e que um pé inesperado cortou".
Partilhar
Como referenciar
Porto Editora – A Centopeia na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-02-01 00:32:50]. Disponível em
Artigos
-
O Novo RomanceDividida em cinco capítulos ("O Novo Romance e o Novo Homem", por Alfredo Margarido; "Situação do No...
-
Alfredo MargaridoFiccionista, poeta e ensaísta, tradutor de Anouilh, Faulkner, James Joyce, Steinbeck, Dylan Thomas, ...
-
nouveau romanDesigna-se nouveau roman, ou novo romance, um conjunto de iniciativas diversas e com diferentes conc...
-
Portugal nos MaresObra subintitulada Ensaios de Crítica, História e Geografia, que colige ensaios inéditos ou disperso...
-
MargaridaPrimeiro romance do ciclo Cenas da Vida Contemporânea, bem acolhido pelo público, tendo conhecido um...
-
Margem NortePublicada inicialmente em 1961, a edição de 1984 corresponde à edição definitiva deste romance. A ap...
-
Maria MoisésUma das oito novelas, publicadas entre 1875 e 1877, que integra o livro Novelas do Minho de Camilo C...
-
Maria MonforteConhecida na sociedade lisboeta como a "negreira" por ser filha de um açoriano que fez fortuna no co...
-
Mário PalmeiroEscritor, professor, educador e político brasileiro, Mário de Ascenção Palmério, nascido a 1 de març...
-
Mário PrataEscritor brasileiro nascido a 11 de fevereiro de 1946, em Uberaba, Minas Gerais, de nome completo Má...
Partilhar
Como referenciar 
Porto Editora – A Centopeia na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-02-01 00:32:50]. Disponível em