A Lume
Obra póstuma de Luiza Neto Jorge, deixada pronta para publicação, mas ainda rasurada, corresponde este volume, de 1989, que inclui alguns fac-símiles, a uma tentativa de fixação do texto, da responsabilidade de Manuel João Gomes. Os poemas reunidos em A Lume aproximam-se da tradição lírica pelo gosto do rigor, da isometria, da rima, da estrofe; pelo respeito pela ordenação sintática; pelo trabalho interno do verso, com recurso à aliteração, paronímia, anáfora, quiasmo, e até a processos de incorporação da tradição literária, como a cantiga paralelística ("Adormeci / na verde margem / à sombra ponte / com o meu amigo // Ao despertar / nem sombra nem rio eram / os mesmos / nem eu nem meu amigo / os mesmos / nem verde a inundada / margem". Mas A Lume confirma a capacidade de usar estes recursos estilísticos tradicionais com um objetivo "totalmente transgressor das abordagens convencionais da realidade" (cf. CRUZ, Gastão, A Poesia Portuguesa Hoje, p. 162); de lhes associar um gosto pela experimentação sob a forma do jogo significativo da palavra (cf. "Epitáfio"); de introduzir "efeitos de estranhamento, no plano lexical, [...] a nível da sintaxe, [...] ou na imagética" (cf. MARTINHO, Fernando J. B., op. cit., 1996, p. 310), ou de assumir o intertexto como acréscimo de sentidos ao texto, verso, autor ou género com que dialoga (cf. "Natureza Morta com Bernardo Soares"). Escrita de contenção subjetiva na medida em que a invocação do "ser / que assiste à escrita" obriga à retenção da lágrima de quem dita a palavra ("Encantatória"); escrita enquanto instrumento de lustração que "emenda a morte" e que "arreda / do branco suporte / a porcaria." (ibi.), A Lume inclui o soneto "Minibiografia", espécie de testamento poético onde a autora resume algumas das principais características da sua arte poética: "Não me quero com o tempo nem com a moda / Olho como um deus para tudo de alto / Mas zás! Do motor corpo o mau ressalto / Me faz a todo o passo errar a coda. // Porque envelheço, adoeço, esqueço / quanto a vida é gesto e amor é foda; / Diferente me concebo e só do avesso / O formato mulher se me acomoda. // E se a nave vier do fundo do espaço / Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo: / Logo me leve, subirei sem medo / à Cena do mais árduo e do mais escasso. // Um poema deixo, ao retardador: / Meia palavra a bom entendedor."
Partilhar
Como referenciar
Porto Editora – A Lume na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-10-02 08:24:12]. Disponível em
Artigos
-
Luiza Neto JorgePoetisa portuguesa nascida a 10 de maio de 1939, em Lisboa, e falecida a 23 de fevereiro de 1989, na...
-
Boosco DeleitosoObra de espiritualidade impressa em 1515, dedicada à Rainha Dona Leonor, e que reproduz, em parte, o...
-
Livro de BordoPara David Mourão-Ferreira (cf. Vinte Poetas Contemporâneos, 2.a ed., Lisboa, 1980, p. 42), Livro de...
-
Botelho de OliveiraPoeta e advogado brasileiro, Manuel Botelho de Oliveira, nascido em 1636, em Salvador da Baía, e fal...
-
Rubem BragaEscritor e jornalista brasileiro nascido a 12 de janeiro de 1913, em Cachoeiro do Itapemirim, Espíri...
-
Teófilo Braga e o Cancioneiro e Romanceiro Geral PortuguêsOpúsculo de crítica literária publicado no 2.º número da Revista Crítica de Literatura Moderna. Oliv...
-
Nada BrahmaConfirmação de uma poesia de vocação gnosiológica e mística, que parte de uma definição do poeta com...
-
D. BrancaPoema lírico-narrativo, datado do primeiro exílio de Garrett, em 1826, que aborda um episódio lendár...
-
Grades BrancasColetânea de poemas em prosa editada pela coleção Cancioneiro Geral. O volume reúne pequenas retrosp...
-
Ignácio de Loyola BrandãoEscritor brasileiro nascido a 31 de julho de 1936, em Araraquara, São Paulo. Em meados dos anos 50, ...
Partilhar
Como referenciar 
Porto Editora – A Lume na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-10-02 08:24:12]. Disponível em