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China dos Qin e dos Han (250-220 a. C.)

Com a derrota dos Zhou orientais em 250 a. C., o chefe do reino de Tsin, entre 230-221 a. C., destrói todos os outros estados feudais, reunificando toda a China e fundando o primeiro Império Chinês, dos Qin, Ch'in ou Tsin, em 221 a. C., com o nome de Shih Huang-ti ("Primeiro Augusto Senhor").
Após a reunificação da China, o conceito da muralha fronteiriça atingiu a sua máxima expressão, quando o primeiro imperador incorporou partes de primitivas muralhas numa barreira ou muralha contínua com milhares de quilómetros de extensão, dando origem à famosa Grande Muralha, que é o símbolo de uma China unificada, símbolo do poder chinês ao longo de uma época imperial que se seguiu. Reconstruída, reparada e ampliada, a Grande Muralha é o ex-líbris da China.
A dinastia Ch'in ou Qin (221-207 a. C.) foi a dinastia que estabeleceu o primeiro grande império chinês.
Ainda que esta dinastia fosse de curta duração, a energia e a determinação do seu fundador, Shih Huang-ti, foram tão grandes que este curto período constituiu um marco decisivo na história da civilização chinesa.
O governo burocrático que se desenvolveu sob a monarquia centralizada Ch'in converteu-se no modelo para a futura organização política da China que se prolongou até aos tempos modernos.
Shih Huang-ti preferia os preceitos à exemplaridade. Publicou éditos dirigidos a controlar os seus súbditos, a dominar a sua força e a explorar os recursos naturais para enriquecer e fortalecer o Estado.
Na sua luta para impor a uniformidade, converteu-se num dos grandes destruidores da História.
Não dispondo de integração económica, o Império Ch'in possuía duas frentes muito suscetíveis de serem invadidas: Este e Norte.
Por outro lado, a aristocracia dos velhos estados feudais que tinha perdido o seu poder constituía uma ameaça no interior do império, principalmente na zona do curso baixo do rio Amarelo, e nas estepes do Norte o perigo vinha dos nómadas que eram, provavelmente, os hunos que invadiram o império romano no século V da era de Cristo.
Face a estes perigos, a força militar seria a resposta mais adequada.
Os feudos foram abolidos e os nobres obrigados a viver no Oeste, afastados dos seus apoiantes. Os camponeses obtiveram mais direitos sobre a sua terra, embora continuassem sujeitos ao pagamento de impostos.
O império dividiu-se em novas províncias administrativas e as guarnições foram enviadas para sítios estratégicos.
Sob a dinastia Ch'in também foi feita a unificação do sistema de pesos e medidas, da moeda, da escrita e da dimensão dos eixos dos carros. Foi construída uma rede nacional de caminhos e a situação dos canais para o abastecimento do exército foi melhorada.
Porém, quando Shih Huang-ti descobriu que estas inovações provocavam críticas da pequena nobreza dos letrados confucionistas, ordenou o encerramento das escolas filosóficas e o incêndio de todos os livros (213 a. C.), em particular os clássicos do confucionismo, exceto os escritos pelos legistas e algumas obras de medicina, adivinhação e agricultura.
Este imperador governou sob os princípios dos legistas, já que iam de encontro aos antigos costumes e porque transmitiam uma certa dose de despotismo esclarecido sustentado pela lei escrita.
O primeiro imperador tentou transformar a China num Estado uno, tal como fez com o reino de Tsin. Procedeu a grandes transferências de população e para evitar as incursões dos nómadas na China, em 214 a. C., empreendeu à custa de milhões de trabalhadores forçados a trabalhar em condições adversas a edificação da Grande Muralha.
É o caso das canções populares que evidenciam o desgosto que o povo tinha pela severidade da dinastia Ch'in.
O imperador não concedeu nenhum feudo a nenhum dos seus filhos ou parentes, dizendo que a existência destes laços de parentesco era a causa das divisões e guerras que assolavam a China desde há 500 anos.
Uma intriga palaciana conduziu à morte do imperador, em 210 a. C., dando oportunidade aos chineses oprimidos de se manifestarem.
O facto dos exércitos imperiais não estarem concentrados no Oeste, perto da capital Ch'in, mas dispersos por todo o império, foi um fator a favor dos rebeldes. Alguns dos oficiais chefiados pelos seus comandantes também se revoltaram.
Uma luta entre vários grupos revoltosos e o segundo imperador Ch'in eclodiu.
Quando morreu o primeiro imperador, a obra de reorganização do império feita demasiado depressa e sem medir as consequências revelou a fragilidade do Império voltando a China quase a cair na anarquia, até que Liu Pang tomou o poder, em 207 a. C., fundando a dinastia Han, que iria reinar até 220 da era de Cristo, com uma pequena interrupção.
A época dos Han tem equivalência ao apogeu do Império Romano do Ocidente.
As origens sociais de Liu Pang, primeiro imperador Han sob o nome Han Kaotzu, eram muito humildes. Era analfabeto ainda que não se mostrasse intolerante para com os letrados. Uma vez no trono não imitou as formas aristocráticas nem esqueceu a sua admiração pelo povo. Ao mesmo tempo, era um homem suficientemente inteligente para aproveitar todos os conselhos dos letrados e homens cultos da corte.
Os primeiros imperadores Han governaram com cuidado e uma certa habilidade.
Após um início difícil, sob a ameaça da feudalidade que se reconstituiu no interior e dos bárbaros no exterior que constantemente assolavam a Grande Muralha, os Han conseguiram dar um cunho institucional estável ao governo despótico chinês, ganhando a simpatia dos letrados confucionistas.
Kaotzu (207-195 a. C.) acabou, mais tarde, por conceder feudos aos parentes mais próximos, ao mesmo tempo que permitiu que se restabelecessem uma série de casas feudais, embora os seus feudos, agora mais pequenos, se situassem em províncias governadas por oficiais imperiais.
A capital do Império Han estabeleceu-se em Ch'ang-an, sob o governo de Han Kaotzu.
Em 154 a. C. uma revolta dos terratenentes da região oriental foi utilizada pelo imperador Ching-ti (156-141 a. C.) para modificar as leis da herança. A partir desta altura, todos os filhos eram co-herdeiros do seu pai, dividindo-se a terra entre eles. Esta reforma contribuiu para acelerar o processo da divisão das grandes propriedades em fazendas mais pequenas.
Quanto aos letrados, estes tentaram dar à dinastia Han uma certa legitimidade religiosa, o que fez com que o confucionismo se tornasse, a partir deste momento, numa espécie da doutrina oficial do Estado chinês.
O imperador Wu-Ti (141-87 a. C.) completou a expropriação da velha aristocracia através de duros funcionários que desempenhavam as suas funções contra as famílias poderosas.
A manutenção da estrutura administrativa do Império Ch'in possibilitou o renascer de uma classe erudita. Como os imperadores Han precisavam de uma administração civil, não tardou a que encontrassem nos letrados confucionistas grandes administradores.
O imperador Wu-Ti deliberou no sentido de que os candidatos à administração passassem por um exame baseado em pelo menos um dos Cinco Clássicos de Confúcio que se tornaram a base de ensino do Estado.
O primeiro imperador que organizou estes exames foi Wu-Ti, em 130 a. C.. As perguntas e respostas foram os primeiros passos até ao estabelecimento de um sistema regular de exames a partir do ano 600 da era de Cristo.
Durante o período Han, estes exames só se efetuavam quando o imperador considerava estritamente necessário. No ano de 130 a. C., Wu-Ti recorreu à prática de recrutar funcionários que compartilhavam o seu ponto de vista sobre a administração.
No ano 124 a. C. fundou-se a Universidade Imperial (Poh Shih Kuan) com departamentos separados para cada um dos grandes livros da tradição.
A História foi muito importante na China dos Han, distinguindo-se como historiador Ssu-ma Ch'ien (c. 145-90 a. C.).
Wu-Ti foi um governante enérgico e preocupado com o rumo da economia e da segurança da fronteira do Norte.
Conseguiu evitar as intrigas da corte recorrendo ao terrível assassínio dos parentes da esposa. O enobrecimento da família da imperatriz provocava uma luta constante pelo poder com os parentes da mãe do imperador.
É o caso da família de Wang Mang que ocupava, desde há duas décadas, uma posição influente na corte por meio do casamento, antes deste usurpar o trono no ano 9 da era de Cristo.
Wu-Ti viu-se obrigado a tomar decisões económicas perante as crescentes dificuldades criadas pela produção e distribuição de produtos básicos. A inflação foi estimulada pela cunhagem de moeda privada.
Entre 120-119 a. C. foi declarado o monopólio do Estado sobre as indústrias do ferro e do sal. Wu-Ti, no início, encarregou da gestão destas indústrias cortesãos ilustres, mas a sua incompetência induziu-o a contratar mercadores experientes nestas indústrias-chave.
Apesar da oposição dos confucionistas, esta medida converteu-se num aspeto fundamental da política imperial, ainda que o monopólio da produção de bebidas alcoólicas instaurado em 98 a. C. fosse abandonado.
Este imperador criou também celeiros públicos e ordenou aos funcionários provinciais que comprassem o milho quando os preços estavam baixos para o vender nos momentos de escassez. Era o chamado sistema nivelador que serviu para estabilizar os preços.
Medidas enérgicas foram tomadas em relação aos nómadas, enviando um emissário para oeste com o intuito de acender os ânimos dos inimigos dos nómadas naquela região. Interessava-lhe acima de tudo os cavalos robustos dos ocidentais, que podiam ser montados por homens armados na luta contra os nómadas que utilizavam os póneis mongóis.
Por volta de 102 a. C., as expedições nesta zona permitiram um grande número de cavalos para criação, o que deu à China a soberania sobre alguns povos das regiões ocidentais.
Porém, ainda que esta cavalaria permitisse aos chineses uma maior mobilidade, a fronteira setentrional era uma fonte de preocupações. Por outras palavras, a política externa chinesa era ditada pela necessidade de conter a pressão nómada e não pela ambição de incorporar territórios estrangeiros.
A política dos Han, no fundo, foi buscar o despotismo esclarecido mais comedido introduzido por Shih Huang-ti dos Ch'in. O Estado era quem controlava as atividades económicas.
No plano externo, de meados do século II a. C. ao fim do século I da era de Cristo, a dinastia Han empenhou-se no alargamento do território. No que toca aos bárbaros da estepe, a China estabeleceu a paz na Ásia Central. As sucessivas campanhas de Wu-Ti e de Siuan-Ti (73-49 a. C.), seu sucessor, no fim do século I da era de Cristo levaram os chineses até ao Turquistão, dando início à Rota da Seda, que permitiu o início de contactos comerciais entre a China, a Índia e o mundo romano, da mesma forma que os missionários vindos do Norte da Índia introduziram o budismo na China, no fim do século I da era de Cristo.
Porém, os Han começaram a dar sinais de fraqueza. As dificuldades económicas, as constantes guerras que agravavam as dificuldades internas e que levavam os imperadores a recorrer a expedientes e as incursões dos nómadas explicam o breve período de domínio da dinastia Hsin, em que o usurpador Wang Mang tomou o poder (9-23). Nesta altura, predominava o pensamento confucionista.
Este homem tentou limitar a riqueza das famílias mais poderosas, cujas propriedades tinham crescido.
Já o último imperador do primeiro império Han, Han Ai-Ti (7-1 a. C.) tinha tentado, embora sem êxito, o renascimento do feudalismo, alguns anos antes de Wang Mang proibir a compra de terras e de escravos e ordenar às pequenas famílias proprietárias de grandes extensões de terras que entregassem uma parte delas para as distribuir entre os camponeses sem terra. O próprio governo de Wang Mang ofereceu préstimos aos camponeses para que comprassem utensílios e sementes. O financiamento foi feito a partir dos monopólios estatais do sal e do ferro.
A resistência às medidas de Wang Mang foi favorecida pela atitude de indiferença dos funcionários que eram parentes dos grandes senhores da terra.
A situação tornou-se insustentável quando um homem induziu os mais pobres a revoltarem-se.
Uma grande expedição contra os nómadas, a devastação do rio Amarelo e uma série de severas secas acabaram com Wang Mang.
Depois da restauração do império, o segundo Império Han (23-220), o primeiro imperador Kuang-Wu (23-58) teve de contar com o apoio dos terratenentes, o que demonstra a sua dependência em relação a estes. Consequentemente, o feudalismo renasceu.
Os Han do segundo império não conseguiram acabar com a corrupção da corte e com as ambições dos letrados confucionistas.
Os camponeses converteram-se em arrendatários nas grandes propriedades e os artesãos e letrados associaram-se com homens poderosos locais, com o intuito de oferecer proteção contra os bandidos e soldados rebeldes.
O governo dependia cada vez mais das tropas e dos clientes das famílias poderosas.
A debilidade militar é explicada pela política menos agressiva adotada na fronteira do Norte durante o século II. Os últimos imperadores Han conseguiram muitas vitórias com a ajuda de outros povos bárbaros aliados.
Porém, a decadência do modelo imperial durante o segundo império Han deveu-se a fatores alheios ao desenvolvimento das grandes propriedades. Quando Kuang-Wu transferiu a capital de Ch'ang-an, no vale do rio Wei, para Loyang, no curso baixo do rio Amarelo, reconheceu que as regiões mais importantes do ponto de vista económico eram o Este e o Sul. A zona do curso baixo do rio Amarelo e o vale do rio Wei tinham-se sobreposto a Shensi, região de Ch'ang-an, como a região mais desenvolvida do império.
Outro fator foi o conflito entre as fações rivais do palácio imperial.
No ano 92 deu-se um violento confronto entre a família da imperatriz e os eunucos do palácio, os quais apoiavam os mercadores e os novos-ricos.
Kuang-Wu tinha promovido os eunucos para controlar a influência dos funcionários na sua convivência com os elementos mais influentes.
No século II, estes homens intimidaram os cortesãos e funcionários até que as suas maquinações conseguiram que o exército interviesse na política.
Deste modo, em 189 o assassinato de um general na corte provocou a resposta imediata das suas tropas que penetraram no palácio imperial e assassinaram os eunucos.
O beneficiado com este golpe foi o general Ts'ao Ts'ao que assumiu a autoridade real ainda que não nominal, instituindo uma ditadura em 196. Após ter demonstrado a sua capacidade militar contra os Turbantes Amarelos, Ts'ao Ts'ao obrigou o imperador a conceder-lhe autorização para eliminar os outros líderes militares.
Enquanto foi útil, do ponto de vista político, a dinastia Han manteve-se no ativo.
Porém, lutas sangrentas como a revolta camponesa dos Turbantes Amarelos, em 184, e o regresso em força dos nómadas nas fronteiras, aliados aos fatores que temos vindo a expor, foram determinantes na queda desta dinastia que acabou por sucumbir na anarquia militar, em 220, quando o filho do general Ts'ao Ts'ao (morto neste ano), Ts'ao Pi, forçou o imperador Han Hsien-Ti a abdicar em seu favor como primeiro imperador Wei, iniciando-se a divisão do país em três reinos, período este que ficou conhecido pelo período dos Três Reinos (221-265).
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Como referenciar
Porto Editora – China dos Qin e dos Han (250-220 a. C.) na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-03-25 11:52:58]. Disponível em
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