Cristianização da Península Ibérica
A primeira referência cristã à Península Ibérica - Hispania - ocorre na Carta aos Romanos de S. Paulo (Rom, 15, 24 e 28), escrita em Corinto no ano de 58, em que o apóstolo expressa a sua intenção de visitar a península, o que contudo nunca terá feito. Uma Carta de S. Clemente Romano e um excerto do chamado Cânone de Muratori referem essa visita, mas tudo leva a crer que esta tenha sido apenas um projeto de S. Paulo. A tradição de uma viagem do apóstolo à Hispânia era mais forte em Roma, pois na Península não ficou qualquer vestígio ou igreja que atestassem a sua visita. Os primeiros historiadores do Cristianismo não referem essa hipotética viagem de S. Paulo à Hispânia, mas fazem-no relativamente a périplos de S. Tiago Maior e dos chamados Sete Varões Apostólicos na Península, com referências a missões, lugares e a factos. De S. Tiago Maior, como se sabe, veio apenas o féretro, segundo a lenda, pois o santo foi passado pela espada às ordens de Herodes Agripa em Jerusalém, em 42 (Act, 12, 1-2). O Beato de Liébana no seu Apocalipse (poema litúrgico composto em 785) narra a viagem do santo em evangelização na Península, mas não nos parece verosímil tal facto. A tradição do seu túmulo em Compostela remonta, por seu turno, ao século IX. Outras referências precoces a cristãos na Península são por exemplo as de S. Irineu de Lião, em 180, quando falava das igrejas da Ibéria, ou de Tertuliano, em 200-206, na sua obra Adversos Iudaeos. No século III, todavia, existiriam já comunidades cristãs na Península.
A primeira referência historicamente documentada, a cristãos nas Espanhas reporta-se às violentas perseguições de Décio, em 250, quando condenou os bispos de Leão-Astorga e de Mérida. Na sequência destas perseguições, surgiram os primeiros mártires peninsulares. Alguns anos depois de Diocleciano (303 ss.), outros mais engrossariam o rol dos que morreram pela Fé cristã na Península. Entre muitos, citar-se-iam S. Frutuoso, S. Eulália, S. Veríssimo (e suas irmãs Máxima e Júlia), S. Vítor ou o famoso S. Vicente de Saragoça, cuja lenda se relaciona com a cidade de Lisboa, de que é patrono. Mas o primeiro grande marco histórico do Cristianismo peninsular foi a realização do concílio hispânico de Elvira (Ilíberis, próximo de Granada), entre 300 e 303, onde estiveram 10 bispos e 24 presbíteros, representando cerca de 40 dioceses, para além de diáconos e fiéis. Três dos bispos eram da Lusitânia. Libério, de Mérida, Vicente, de Ossonoba (Faro), e Quinciano, de Évora. Questões disciplinares, litúrgicas, de fé e de organização eclesiástica dominaram este conclave de bispos, o que demonstra a existência de uma estrutura eclesial forte e organizada em toda a Península ainda antes do édito constantiniano de 313, de tolerância face ao Cristianismo.
Também nestes primeiros séculos de cristianização peninsular não faltaram as heresias na Península, como o priscillianismo, de tendência gnóstica e maniqueísta, que suscitou fortes oposições por parte dos bispos, nomeadamente nos concílios de Toledo, em 400, e de Braga, em 561. Contra estas heresias e relaxamentos disciplinares dos cristãos peninsulares e imbuídas de um sentido teológico e doutrinal forte e sinal de cultura e elevada literacia das comunidades cristãs e seus líderes, surgiram obras literárias assinadas por bispos letrados como Potâmio de Lisboa, Ósio de Córdova, Orósio de Braga, Gregório de Elvira, entre muitos outros. S. Agostinho, lá longe em Cartago (atual Tunísia), esteve também informado das pulsões que o priscillianismo causou em territórios peninsulares tão distantes como por exemplo a Galiza.
Administrativamente, em meados do século IV a Igreja hispânica encontrava-se já bem estruturada, dividindo-se em cinco províncias eclesiásticas: Lusitânia (sede em Mérida), Bética (Sevilha), Galaécia (Braga, a diocese portuguesa mais antiga, data do século III), Cartaginense (Cartagena) e Tarraconense (Tarragona). O bispo de cada uma destas capitais civis era o metropolita, que eclesiasticamente estaria acima dos bispos da sua província, pois em cada civitas, (localidade importante, mais ou menos uma cidade), residia um bispo. O território português compreendia a parte ocidental da Lusitânia, entre o Douro e o Guadiana; a Galaécia, a região entre o Douro, o Minho e o sul da atual Galiza; por fim, a parte a leste do Guadiana pertencia à Bética. Mas as metrópoles mais importantes no ocidente peninsular eram então Braga e Mérida. As paróquias, por sua vez, devem ter-se começado a formar no período romano, como referiu o Pe. Miguel de Oliveira, aludindo ao cânone 77 do concílio de Elvira onde se fala da existência de comunidades cristãs longe das sedes episcopais e à frente das quais se encontrava um presbítero ou um diácono (como se fossem párocos, como hoje em dia). De referir ainda que, apesar de existirem comunidades estruturadas de cristãos e bispos e dioceses, subsistiu durante muito tempo o paganismo em certos setores da população ou mitigado muitas vezes nas crenças populares cristãs, com idolatrias e cultos gentílicos, principalmente nos meios rurais, já que as cidades estavam mais cristianizadas.
Entretanto, em 409 chegam os bárbaros, primeiro os Alanos, em 409, depois Vândalos e Suevos, estes últimos estabelecendo-se como reino no Noroeste (até 585), e depois os Visigodos, que a partir de 418 começaram a dominar toda a Península. Além destes povos, mantiveram-se os hispano-romanos, cristãos, por oposição aos Bárbaros pagãos ou arianos. S. Martinho de Dume (+ 579) foi o evangelizador dos Suevos, no século VI, ação coroada com a ascensão ao trono do rei cristão Teodomiro, em 558. Os Visigodos arianos começaram como perseguidores dos cristãos fiéis a Roma, e só no reinado de Recaredo (596-601), subjugada já toda a Península, se converteram em massa ao Cristianismo, o que ficou solenemente confirmado no concílio de Toledo, (capital visigótica e rival de Braga, em termos eclesiásticos), em 589.
A Igreja ganhou então uma grande vitalidade na Península, só interrompida em 711, com a invasão muçulmana. Até então, recordem-se nomes de grandes bispos e teólogos como S. Leandro e seu irmão S. Isidoro, ambos de Sevilha, S. Bráulio de Saragoça, S. Ildefonso de Toledo, entre outros, que se tornaram figuras universais. Um outro veículo importante para a cristianização da Península foi a ação dos mosteiros de tradição frutuosiana (de S. Frutuoso) de S. Martinho de Dume, por exemplo, de S. Isidoro ou visigótica. Em seguida, vieram os Árabes e Berberes islamizados, que subjugaram quase toda a Península, ficando apenas o rincão das Astúrias como fiel depositário da tradição cristã peninsular que depois despontará e se reorganizará, a partir do século VIII, com a Reconquista Cristã e a formação dos reinos cristãos peninsulares, com seus bispados, antigos e novos e a sua rede de paróquias e mosteiros.
A primeira referência historicamente documentada, a cristãos nas Espanhas reporta-se às violentas perseguições de Décio, em 250, quando condenou os bispos de Leão-Astorga e de Mérida. Na sequência destas perseguições, surgiram os primeiros mártires peninsulares. Alguns anos depois de Diocleciano (303 ss.), outros mais engrossariam o rol dos que morreram pela Fé cristã na Península. Entre muitos, citar-se-iam S. Frutuoso, S. Eulália, S. Veríssimo (e suas irmãs Máxima e Júlia), S. Vítor ou o famoso S. Vicente de Saragoça, cuja lenda se relaciona com a cidade de Lisboa, de que é patrono. Mas o primeiro grande marco histórico do Cristianismo peninsular foi a realização do concílio hispânico de Elvira (Ilíberis, próximo de Granada), entre 300 e 303, onde estiveram 10 bispos e 24 presbíteros, representando cerca de 40 dioceses, para além de diáconos e fiéis. Três dos bispos eram da Lusitânia. Libério, de Mérida, Vicente, de Ossonoba (Faro), e Quinciano, de Évora. Questões disciplinares, litúrgicas, de fé e de organização eclesiástica dominaram este conclave de bispos, o que demonstra a existência de uma estrutura eclesial forte e organizada em toda a Península ainda antes do édito constantiniano de 313, de tolerância face ao Cristianismo.
Também nestes primeiros séculos de cristianização peninsular não faltaram as heresias na Península, como o priscillianismo, de tendência gnóstica e maniqueísta, que suscitou fortes oposições por parte dos bispos, nomeadamente nos concílios de Toledo, em 400, e de Braga, em 561. Contra estas heresias e relaxamentos disciplinares dos cristãos peninsulares e imbuídas de um sentido teológico e doutrinal forte e sinal de cultura e elevada literacia das comunidades cristãs e seus líderes, surgiram obras literárias assinadas por bispos letrados como Potâmio de Lisboa, Ósio de Córdova, Orósio de Braga, Gregório de Elvira, entre muitos outros. S. Agostinho, lá longe em Cartago (atual Tunísia), esteve também informado das pulsões que o priscillianismo causou em territórios peninsulares tão distantes como por exemplo a Galiza.
Administrativamente, em meados do século IV a Igreja hispânica encontrava-se já bem estruturada, dividindo-se em cinco províncias eclesiásticas: Lusitânia (sede em Mérida), Bética (Sevilha), Galaécia (Braga, a diocese portuguesa mais antiga, data do século III), Cartaginense (Cartagena) e Tarraconense (Tarragona). O bispo de cada uma destas capitais civis era o metropolita, que eclesiasticamente estaria acima dos bispos da sua província, pois em cada civitas, (localidade importante, mais ou menos uma cidade), residia um bispo. O território português compreendia a parte ocidental da Lusitânia, entre o Douro e o Guadiana; a Galaécia, a região entre o Douro, o Minho e o sul da atual Galiza; por fim, a parte a leste do Guadiana pertencia à Bética. Mas as metrópoles mais importantes no ocidente peninsular eram então Braga e Mérida. As paróquias, por sua vez, devem ter-se começado a formar no período romano, como referiu o Pe. Miguel de Oliveira, aludindo ao cânone 77 do concílio de Elvira onde se fala da existência de comunidades cristãs longe das sedes episcopais e à frente das quais se encontrava um presbítero ou um diácono (como se fossem párocos, como hoje em dia). De referir ainda que, apesar de existirem comunidades estruturadas de cristãos e bispos e dioceses, subsistiu durante muito tempo o paganismo em certos setores da população ou mitigado muitas vezes nas crenças populares cristãs, com idolatrias e cultos gentílicos, principalmente nos meios rurais, já que as cidades estavam mais cristianizadas.
Entretanto, em 409 chegam os bárbaros, primeiro os Alanos, em 409, depois Vândalos e Suevos, estes últimos estabelecendo-se como reino no Noroeste (até 585), e depois os Visigodos, que a partir de 418 começaram a dominar toda a Península. Além destes povos, mantiveram-se os hispano-romanos, cristãos, por oposição aos Bárbaros pagãos ou arianos. S. Martinho de Dume (+ 579) foi o evangelizador dos Suevos, no século VI, ação coroada com a ascensão ao trono do rei cristão Teodomiro, em 558. Os Visigodos arianos começaram como perseguidores dos cristãos fiéis a Roma, e só no reinado de Recaredo (596-601), subjugada já toda a Península, se converteram em massa ao Cristianismo, o que ficou solenemente confirmado no concílio de Toledo, (capital visigótica e rival de Braga, em termos eclesiásticos), em 589.
A Igreja ganhou então uma grande vitalidade na Península, só interrompida em 711, com a invasão muçulmana. Até então, recordem-se nomes de grandes bispos e teólogos como S. Leandro e seu irmão S. Isidoro, ambos de Sevilha, S. Bráulio de Saragoça, S. Ildefonso de Toledo, entre outros, que se tornaram figuras universais. Um outro veículo importante para a cristianização da Península foi a ação dos mosteiros de tradição frutuosiana (de S. Frutuoso) de S. Martinho de Dume, por exemplo, de S. Isidoro ou visigótica. Em seguida, vieram os Árabes e Berberes islamizados, que subjugaram quase toda a Península, ficando apenas o rincão das Astúrias como fiel depositário da tradição cristã peninsular que depois despontará e se reorganizará, a partir do século VIII, com a Reconquista Cristã e a formação dos reinos cristãos peninsulares, com seus bispados, antigos e novos e a sua rede de paróquias e mosteiros.
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Como referenciar
Porto Editora – Cristianização da Península Ibérica na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-03-28 19:38:25]. Disponível em
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