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Dos Hebreus aos Judeus

A história dos Hebreus pode dividir-se em duas grandes partes: a bíblica e a pós-bíblica. A primeira parte pode dividir-se pelos seguintes períodos: período patriarcal, mosaico (de Moisés), dos Juízes, dos Reis e o cativeiro. Na segunda parte há que distinguir a história dos Judeus antes e depois da destruição de Jerusalém por Tito.
De acordo com a Bíblia, a História de Israel começa quando Javé (Deus) ordenou a Abraão que abandonasse a sua família e o seu país para se estabelecer em Canaã. O seu filho, Isaac, e o seu neto, Jacob, viveram ali até que a fome obrigou Jacob a deslocar-se para o Egito com os seus doze filhos, um dos quais, José, tinha ali já alcançado uma elevada posição.
Algum tempo depois, os descendentes de Jacob foram convertidos em escravos do Egito. Foi então que Javé incumbiu Moisés da libertação do seu povo, o que seria alcançado algum tempo depois com a separação do mar Vermelho para que os Israelitas o pudessem atravessar. Moisés e o seu povo continuaram até ao monte Sinai, onde firmaram um pacto com Javé, pelo qual aquele era reconhecido como deus absoluto de Israel, o povo eleito.
Representação de hebreus a fabricar tijolos (pintura egípcia)
Lápide de um túmulo judeu
O menorah é, para os hebreus, o símbolo da luz divina
São muito poucos - se é que há algum - os detalhes deste relato que podem ser comprovados através de outras fontes que não a Bíblia. A migração de Abraão reflete, provavelmente, os movimentos das tribos amorritas e aramaicas na primeira metade do segundo milénio a. C. A referência a Deus como "o deus de Abraão, Isaac e Jacob" parece refletir a ideia sumério-acádia do "deus pessoal" do indivíduo, pelo que o uso de nomes divinos como El Elyon, El Shaddai, El Berith reflete uma etapa prévia da religião israelita ou, mais exatamente, pré-israelita. Alguns costumes israelitas, como a edificação de pilares de pedra, seriam considerados pagãos posteriormente.
A introdução da família de Jacob no Egito não pode ser comprovada mediante as fontes egípcias, mas sabemos que grupos de beduínos ingressaram no Egito em várias ocasiões e receberam autorização para aí se estabelecerem. A existência de escravos, aos quais se dava o nome de aperu (possivelmente hebreu) está testemunhada também em fontes egípcias. O livro do Êxodo, 1, 11 diz que os israelitas construíram as cidades de Pithom e Ramsés, situando-nos na época de Ramsés II (1290-1223 a. C.). Já a história do nascimento de Moisés é lendária. Sem dúvida, o seu nome é de origem egípcia. O aparecimento de Javé ocorre na terra da tribo de Midian; as fontes egípcias mencionam o nome yhw em conexão com determinadas tribos beduínas. A localização exata do êxodo e dos acontecimentos do Sinai está rodeada de alguma controvérsia, mas, provavelmente, existe uma certa verdade histórica nos relatos da Bíblia. Ainda que pareça provável que tivesse ocorrido na segunda metade do século XIII a. C., algumas vozes advogam pelo século XVI a. C.
A origem da religião de Javé é obscura, mas alguns feitos apontam para a tribo de Midian ou a tribo kenita, relacionada com aquela. Sem dúvida, deve ter recebido a sua forma característica através de Moisés no contexto de um dos primeiros grupos israelitas. Típica desta forma é a exigência de Javé ser o único Deus do seu povo. Não estamos aqui perante um monoteísmo puro, já que não se nega a existência de outros deuses; deveríamos antes chamar-lhe monolatria. Outra característica que parece ser original é a ênfase colocada num comportamento ético, como se expressa, por exemplo, nos Dez Mandamentos, ainda que não esteja plenamente demonstrado que Moisés seja o seu autor. Nos primeiros documentos (Êxodo, 15; Juízes, 5) o carácter guerreiro de Javé é fundamental; também se sublinha a sua associação com o raio e as tempestades, tal como outros deuses das tempestades na Ásia ocidental antiga. Outras fontes mencionam Javé como a origem da vida e da morte, a riqueza e a pobreza, o bom e o mau (I Samuel, 2,6); esta visão monística, que caracteriza muitos dos grandes deuses dos povos primitivos, conserva-se através da História.
Parece que Israel se originou como nação na terra de Canaã e que a organização das doze tribos não existia antes da conquista.
Do período imediatamente posterior à conquista ocupa-se o Livro dos Juízes, onde se descrevem as guerras de Israel com as diferentes tribos vizinhas. Ao ler os relatos, compreendemos que as batalhas afetavam somente uma ou algumas tribos e que provavelmente são contemporâneas umas das outras. Porém, o autor ordena os relatos sugerindo uma ordem cronológica: cada vez que os israelitas atraiçoavam Javé, eram castigados com o ataque dos inimigos, mas quando se arrependiam, Javé enviava "juízes" para "salvá-los".
A penetração em Canaã significou também uma confrontação com a religião cananeia, como é refletido na história das lutas de Gedeon contra o culto de Baal. Ainda que o outro nome de Gedeon, Jerubbaal, contenha o nome desse deus, afirma-se que destruiu o altar de Baal e construiu um altar para Javé em seu lugar. É importante referir que quando os nómadas israelitas se estabeleceram em Canã e começaram a praticar a agricultura, devem ter-se sentido atraídos por Baal, deus da fertilidade.
As tradições de Sansão refletem-se numa série de duras lutas com os Filisteus, um povo ligado, presumivelmente, aos "povos do mar" que tinham invadido a costa sul da Palestina (cujo nome deriva desses povos).
Sob a pressão das contínuas lutas com os Filisteus e com outros inimigos, os israelitas decidiram eleger um rei. O eleito foi Saúl, da tribo de Benjamim (cerca 1020-1000 a. C.), que foi ungido rei por Samuel. Samuel derrotou primeiro os amonitas e seguidamente lutou com os filisteus, com uma sorte variável. Nestas guerras distinguiu-se um jovem de Judá chamado David, que foi levado à corte do rei. Pouco tempo depois, surgiram conflitos entre Saúl e David, agravados pela doença mental que afetou Saúl. Segundo a tradição, David já tinha sido ungido antes como rei por Samuel. As tradições contraditórias são difíceis de harmonizar e não podemos chegar a conhecer o curso exato dos acontecimentos. De qualquer maneira, Saúl foi derrotado numa guerra com os filisteus e tirou a vida a Gelboé.
Este período coincide com o final da Idade do Bronze e a introdução do ferro. Em Samuel I, 19-22, diz-se que os israelitas tinham que conseguir utensílios de ferro dos filisteus, o que pode refletir a situação real.
Data deste período a primeira informação sobre os profetas extáticos, nabhi, que viviam em comunidades sob a direção de um deles e que, obviamente, atuavam como adivinhos. Um destes profetas era Samuel.
David reinou (cerca 1000-960 a. C.) sobre Judá a partir da sua residência em Hebron, enquanto que o Norte de Israel reconheceu o filho de Saúl, Ishbaal, como sucessor daquele. Não obstante, após o assassinato de Ishbaal, David foi reconhecido também como rei do Norte de Israel, graças a uma hábil manobra. David conseguiu uma vitória decisiva sobre os filisteus e estendeu o seu reino dominando os arameus de Damasco, Ammon, Moab e Edom. Israel tinha-se convertido numa grande potência. David conquistou também Jerusalém, em poder dos jebusitas, e converteu-a em capital do seu reino.
O reinado de David constitui um alvo decisivo na História de Israel em diversos aspetos. Em primeiro lugar, tinha-se instaurado finalmente a monarquia e uma ideologia real, segundo o modelo de outros reinos do Próximo Oriente. O rei era "ungido", considerado como filho de Javé e governava em seu nome.
Em segundo lugar, o rei elegeu uma capital em terreno neutro, que não pertencia a nenhuma das doze tribos. David levou a arca, salvaguarda nacional de Israel, para Jerusalém, convertendo esta cidade no centro religioso da nação. A arca era uma caixa de madeira que simbolizava a presença de Javé e acompanhava os exércitos israelitas nas suas expedições para assegurar a ajuda divina. De acordo com outras tradições posteriores, as tábuas que continham os Dez Mandamentos guardavam-se na arca. A arca era também considerada o trono vazio de Javé.
Em terceiro lugar, parece que se desenvolveu um certo sincretismo entre Javé e o deus de Jerusalém, El Elyon. As fontes bíblicas dão a impressão de que, enquanto Baal foi descartado, El Elyon integrou-se em Javé de forma que El Elyon se converteu num dos epítetos de Javé. Desconhecemos os detalhes deste sincretismo, mas deve ter sido de uma importância decisiva para o desenvolvimento posterior da religião de Israel. Outro traço, que encontramos nos salmos "de entronização" e noutros textos, é a luta de Javé - e a sua vitória - com um monstro chamado Leviathan, Rahab ou o Dragão (tannin), personificando o mar como uma força hostil.
A David sucedeu-lhe o seu filho Salomão (cerca de 960-922 a. C.). Este reinado não foi muito brilhante do ponto de vista político, no sentido que se perderam Edom e Damasco, mas noutros aspetos, Salomão conseguiu manter boas relações com os seus vizinhos. Casou-se com uma princesa egípcia e concluiu um tratado com Hiram de Tiro. Também, estabeleceu relações comerciais com outras terras que, ao que parece, trouxeram uma certa riqueza para o país. Em Jerusalém desenvolveu-se uma vida cortesã similar à dos outros reinos da Ásia ocidental.
À morte de Salomão, ocorrida em 922 a. C., a tensão entre as tribos do Norte e do Sul, conjugada, talvez, com o descontentamento que produziam os elevados impostos, originou um conflito aberto, que teve como consequência a criação de dois reinos separados: Judá no Sul, cujo rei era o filho de Salomão, Rehoboam, e Israel no Norte, cujo monarca foi Jeroboam, um dos antigos funcionários de Salomão. Assim, Judá permaneceu como um reino hereditário durante a dinastia de David, enquanto que no reino do Norte o rei era eleito, ainda que tivessem existido algumas dinastias de curta duração.
Entretanto, Judá continuou a ser governada pela dinastia de David. O reinado de Azarias, também chamado Oseias (783-742 a. C.), contemporâneo de Jeroboam II, foi um período brilhante para Judá. Mas após a morte de Jeroboão II, o Norte de Israel viveu um período de instabilidade política interna, a que se juntou a crescente pressão da Assíria; Menahem (745-738 a. C.) teve que pagar um forte tributo a Tiglat-Pileser III (744-727 a. C.); Pekas (737-732 a. C.) tratou de conseguir o apoio dos arameus para se rebelar contra a Assíria, mas quando Ajaz de Judá (735-713 a. C.) se negou a entrar na aliança, declaram-lhe guerra: a chamada guerra sírio-efraimita.
A oposição dos profetas Elias ao culto de Baal continuou durante o reinado de Jeroboam II, quando Amós, vindo de Judá, pregou contra a injustiça social, o culto sincrético e a falta de justiça.
À morte de Ezequiel, a Assíria encontrava-se no auge do seu poder, que se estendia inclusivamente sobre o Egito. Obviamente, Judá teve que pagar tributo para assegurar a paz. Durante o reinado de Manassés (698-642 a. C.) parece que a dependência de Judá em relação à Síria influenciou também a religião. Posteriormente, Josias (640-609 a. C.) levou a cabo uma reforma religiosa, suprimindo todos os lugares de culto e práticas sincretistas e centralizando o culto em Jerusalém. Provavelmente, o livro o Deuteronómio tem alguma relação com a sua reforma, pois neste livro faz-se referência à centralização.
Foi neste período que a Assíria caiu sob o domínio do império neobabilónio (612 a. C.). Judá converteu-se num estado vassalo do Egito, mas a Babilónia não tardou em fazer sentir a sua influência na Palestina, e em 597 a. C. Judá tornou-se num estado tributário da Babilónia. O cativeiro babilónico foi da maior importância para o desenvolvimento da religião israelita. A derrota de Jerusalém supôs um duro golpe para Israel como nação. Trouxe um sentimento de que Javé tinha abandonado o seu povo ou de que era demasiado débil para protegê-lo. Por outro lado, os líderes que se encontravam no exílio estavam decididos a salvar o que pudessem das tradições israelitas.
Ezequiel, um sacerdote que foi deportado para a Babilónia em 597 a. C., destacou-se como profeta, e previu o regresso dos exilados e a recuperação da nação e desenhou um plano do novo templo ao qual devia regressar a "glória" de Javé.
Deutero-Isaías é um profeta desconhecido. Tendo aparecido em finais da época do exílio, profetizou a derrocada da Babilónia nas mãos de Kores ou Ciro e o regresso dos exilados ao seu país. A profecia de Deutero-Isaías cumpriu-se: Ciro conquistou a Babilónia em 539 a. C. e no ano seguinte permitiu aos israelitas o regresso à sua terra. No princípio, só um grupo de exilados pareceu disposto a fazê-lo. O templo foi reconstruído. Em grande medida, graças à inspiração dos profetas Ageo e Zacarias. Foi consagrado de novo em 415 a. C. Começava a era dos "Judeus".
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Como referenciar
Porto Editora – Dos Hebreus aos Judeus na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-03-25 11:28:00]. Disponível em
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