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Inferno dos Balcãs: da Bósnia ao Kosovo

A Bósnia-Herzegovina é uma região que durante todo o século XX foi fustigada pela violência e instabilidade etno-política.

Um dos grandes episódios que deu origem a esta história atribulada registou-se em Sarajevo, em 1914, com o assassinato do arquiduque Francisco Fernando; este facto precipitou uma série de reações que desencadearam a Primeira Guerra Mundial. Depois desta, a Bósnia sofreu a invasão durante a Segunda Guerra Mundial, com tudo o que de mau esta trouxe aos Balcãs.
Representação do assassínio do arquiduque Fernando da Áustria, acontecimento que esteve na origem da Primeira Grande Guerra (Achille Beltrame, Museu do Ressurgimento, Itália)

Seguiu-se a jugoslavização da região, despertando sentimentos nacionalistas que a qualquer momento podiam criar uma tensão armada. Na década de 90, com a desagregação da antiga República da Jugoslávia, resultado do aparecimento de movimentos independentistas, este país, e esta região em concreto, mergulharam numa fratricida guerra civil.

Os primeiros homens a habitar esta região integravam um povo de origem indo-europeia, os ilírios que se fixaram na parte Noroeste da Península Balcânica. Posteriormente, com a passagem dos romanos, todo este espaço, com a exceção dos territórios junto ao rio Sava (pertencentes à província romana da Panônia), foi integrado na província da Ilíria.

Na segunda metade do século VI, a Bósnia-Herzegovina passou a estar sob o domínio dos eslavos. No século X, a Bósnia foi anexada ao estado Sérvio do príncipe Caslav. Após a sua morte, que aconteceu por volta de 960, a região da Bósnia transitou para o estado Croata, para no final da primeira década do século XI, ficar sob controlo do império bizantino. Logo nos primeiros anos do século XII sobreveio a invasão húngara, e em 1386 foi a vez de chegarem os turcos muçulmanos que em 1463 fizeram deste território uma província do seu império. Esta situação manteve-se até à revolta de 1875, onde intervieram duas das potências que mais cobiçaram este território, procurando dominá-lo: a Rússia e a Sérvia.

No artigo 25° da Conferência de Berlim (1885), ficou determinado que a Bósnia-Herzegovina ficaria sob a soberania do Sultão turco. Depois passou para a administração da Áustria-Hungria, que em 1908 a anexou, provocando um incidente que quase descambou numa guerra evitada pela intervenção diplomática alemã no ano seguinte. Apesar desta resolução pacífica, a Bósnia continuava a ser um foco de problemas. Relembremos o ato terrorista de 1914, decisivo para o rebentamento da Primeira Guerra Mundial, em que Gravrilo Princip, estudante sérvio, assassina o arquiduque Francisco Fernando, herdeiro da coroa austro-húngara.

Em 1919, a Bósnia passa a integrar o novo estado da Jugoslávia e, entre 1941 e 1945, durante a ocupação nazi, o reino da Croácia. Nesta última data, passou a ser uma das seis repúblicas da República Socialista Federal da Jugoslávia liderada pelo marechal Tito, antigo líder da Resistência antinazi.

A democracia só veio a ser uma realidade na década de 90, e com ela as eleições livres de dezembro desse ano, ganhas pelos partidos nacionalistas representantivos das comunidades viventes no país: muçulmana, sérvia e croata. A vitória nestas eleições viria a sorrir ao cabeça de lista do partido muçulmano, Alija Izetbegovic, que se tornaria presidente da República. Nesta época, sentia-se o forte desejo da população de se tornar independente, e era bem evidente uma acentuada tensão social. O primeiro passo foi dado em setembro do ano seguinte, quando a comunidade sérvia da Bósnia resolveu unir-se em províncias autónomas no âmbito do território bósnio. Contudo, as reivindicações muçulmanas não esmoreceram e conseguiram aprovar uma consulta sobre o futuro da Bósnia.

O referendo sobre a independência, em março de 1992, foi um sucesso, embora tivesse sido boicotado pelos sérvios, cujos representantes proclamaram, no parlamento, a 7 de abril de 1992, uma República Sérvia da Bósnia-Herzegovina, liderada por Radovan Karadzic.

Esta ação desencadeou um feroz conflito entre o exército estatal bósnio, dirigido pelos muçulmanos, e os sérvios auxiliados pela Nova Federação Jugoslava, criada em abril de 1992 e constituída pela Sérvia e o Montenegro. No início, esta fação levou a melhor ao cercar importantes cidades de maioria muçulmana e ao conseguir tomar cerca de dois terços do território. No entanto, o conflito ultrapassou a esfera militar. Ao mesmo tempo que os sérvios avançavam, iniciaram um autêntico e chocante processo de limpeza étnica, recordando os horrores nazis.

O presidente muçulmano, Izetbegovic, denunciou estes crimes e pediu o auxílio internacional, juntamente com o fim do embargo de armas antes decretado pela ONU à Jugoslávia, e apelou também ao apoio dos países muçulmanos. A comunidade ocidental contribuiu com ajuda humanitária e ações diplomáticas.

Em maio de 1993 surgiu uma proposta de reunião de uma Conferência em Genebra, acerca da ex-Jugoslávia, a qual foi rejeitada pelos sérvios. Esta atitude levou a ONU a formar seis zonas de segurança centradas em seis cidades muçulmanas. Entretanto, os croatas da Bósnia, que em 1992 haviam apoiado a soberania muçulmana desta região, quebraram a sua aliança com os partidários de Izetbegovic.

Vivia-se um impasse no final de 1993, apenas ultrapassado em fevereiro de 1994, quando o bombardeamento de um mercado em Sarajevo levou a NATO e a ONU a imporem um ultimato aos sérvios, obrigando-os a retirar para 20 km da cidade. Vivia-se o período dos "snipers", atiradores furtivos emboscados nas montanhas circundantes de Sarajevo e que indiscriminadamente atiravam sobre alvos civis não sérvios, provocando uma mortandade atroz e constante. Mas, se por um lado se impunha o cessar fogo em Sarajevo, os sérvios deslocavam-se para a região Leste da Bósnia. A notícia de que prosseguiam e se preparavam novas ações contra a população civil provocou uma reação forte da NATO, que lançou então os primeiros ataques aéreos sobre o exército sérvio.

Em maio do ano seguinte, a Europa e os Estados Unidos, apadrinharam a criação de uma federação croato-muçulmana. Entretanto, os sérvios desrespeitavam os acordos de paz negociados pelo "grupo de contacto", composto pela Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e a Rússia. De seguida, foi criada uma Força de Reação Rápida (FRR), para proteger os soldados da FORpronu - força de imposição de paz criada para essa região.
A NATO e a FRR lançaram em agosto desse ano uma operação conjunta de bombardeamento das posições sérvias. Estes, uma vez enfraquecidos, partiram para as negociações sobre a divisão da Bósnia em duas partes iguais: uma para croatas e muçulmanos, e outra para os sérvios.

A paz surgiu com a assinatura do cessar fogo em outubro, impulsionado pelo mediador do conflito, o norte-americano Richard Holbrooke, e pela abertura, em novembro, da Conferência de Dayton, que reunia os países em guerra. Este processo culminou, no final de novembro de 1995, com um acordo referente à divisão da Bósnia, entre uma Federação Croato-Muçulmana e os Sérvios da Bósnia.

Em junho de 1996, Radovan Karadzic, face às inúmeras pressões internacionais, deixou o cargo de presidente dos Sérvios da Bósnia, que passou a ser ocupado por Biljana Plavsic.

O Tribunal Internacional de Haia, em julho, emitiu mandatos de captura contra os mais proeminentes líderes sérvios bósnios: Karadzic e Ratko Mladic (general sérvio que, tal como o anterior, foi acusado de crimes de guerra). Em dezembro de 1996, os partidos nacionalistas das três comunidades saíram vencedores nas eleições.

Mas a perturbação na ex-Jugoslávia não se resumia aos problemas na Bósnia. Estes chegaram também, pelo menos de forma mediatizada, à região do Kosovo, no Sudoeste da Sérvia, antes um território ocupado por sérvios, búlgaros, e otomanos, e que entre 1945 e 1989 constituiu uma província autónoma da Jugoslávia dentro da República Federal da Sérvia.

No ano de 1989 agudizaram-se os tumultos nesta região, no momento em que a Sérvia acabou com o seu estatuto de autonomia. Assim, o Kosovo ficou submetido ao poder sérvio, que procurou equilibrar a constituição da população (maioritariamente albanesa, devido à sua elevada taxa de natalidade) através do envio para o Kosovo de refugiados sérvios da Bósnia. Mais uma vez estava criado um grave conflito étnico e instaurado um clima de forte tensões, que atraiu a atenção e a solidariedade da comunidade internacional. Entretanto, desde o ano 2000 que se tem procedido a um conjunto de julgamentos no Tribunal Internacional de Haia (Países Baixos) aos chamados "criminosos de guerra" da ex-Jugoslávia. O mais mediático foi o de Slobodan Milosevic, acusado de genocídio e crimes contra a humanidade, que acabaria por morrer na prisão, a 11 de março de 2006, aquando do seu julgamento.
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Como referenciar
Porto Editora – Inferno dos Balcãs: da Bósnia ao Kosovo na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-03-22 15:13:17]. Disponível em
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