Lusitânia Transformada
A Lusitânia Transformada apresenta como cenário principal a Natureza, elemento tradicional da novela pastoril e da literatura bucólica em geral. Esse cenário principal corresponde ao locus amoenus próprio da convenção bucólica que permite fugir de um mundo corrupto, de mentira, de egoísmo e de ambição para um mundo puro, de verdade, de altruísmo e de dádiva pessoal. Assiste-se a um desejo de um permanente regresso ao mundo da infância e da inocência que é materializada na presença de três crianças: D. Miguel de Menezes, S. João Batista e o Menino Jesus.
Paralelamente a este cenário principal, encontramos um outro mais secundário e que, reportando ao império português da época, se transforma no palco da novela.
As personagens são pastores, aparecendo também uma sereia, duas ninfas - Clemene e Efire - e três figuras alegóricas - Cleménia, Constância e Modéstia. Os nomes das personagens traduzem, quase sempre, o seu carácter e a sua essência e o papel que desempenham na novela. Assim:
Flumínio, associado ao rio (flumen), simboliza a égloga piscatória;
Liriano, associado ao lírio do campo, simboliza a égloga campestre;
Jacinto, associado à flor do mesmo nome, simboliza a pureza;
Urbano, associado à cidade (urbe), simboliza o cortesão feito pastor;
Rurânio, associado ao campo (rus), simboliza o homem rústico;
Sílvia, associada ao bosque (silva), simboliza a pastora que renuncia ao casamento, para passar a vida no Templo de Diana (Deusa da caça);
Célia, associada ao Céu, simboliza a pastora que troca as agruras do mundo pelas delícias do Paraíso.
A sociedade pastoril representada nesta obra era dirigida pelo maioral Severo, o Conselheiro Rurânio e o sacerdote Sincero a quem todos tratam com a reverência e deferência exigidas pelo cargo. Raramente se fala em laços de parentesco, abrindo-se exceções apenas para a referência a quatro pais, uma mãe e quatro filhas, sendo que apenas uma destas está inserida na sociedade pastoril: Sílvia, filha do pastor Silvano.
Fala-se em quatro casamentos que se vão dissolvendo com o decorrer da ação, nomeadamente devido à morte de cônjuges (num caso a mulher, noutro o marido). O cônjuge viúvo passa a viver uma vida ascética, considerada pelo narrador mais perfeita que a conjugal. E os mortos são colocados no paraíso das delícias sem fim.
Quase todos os pastores enamorados da obra se desiludem com o amor e os males que este provoca, refugiando-se no seio da Natureza, onde o mito da Idade do Ouro se transforma em realidade, e ocupando o seu tempo com a pastoreia, a cantar histórias de amor, a chorar as ilusões e desilusões amorosas em verso, ao som da música.
Como quase toda a literatura bucólica, esta obra aborda temas variados onde a realidade e a ficção caminham paralelamente e comportam um cariz profundamente nacionalista.
Esta é uma obra profundamente simbólica, através da qual Fernão Álvares do Oriente critica severamente o espírito acentuadamente mercantilista dos portugueses, que se esquecem das graves consequências daí advindas para o país, fazendo lembrar o episódio do "Velho do Restelo" de Os Lusíadas.
Embora a descrição do locus amoenus obedecesse ao modelo literário de Virgílio e Teócrito, Fernão Álvares do Oriente referiu e descreveu na sua obra uma fauna e uma flora típicas das regiões por onde se estendeu o Império, afastando-se assim do cenário topológico da literatura bucólica de tradição greco-romana.
A Lusitânia Transformada é uma novela em prosa e verso, constando de três livros. Cada livro está dividido em "prosas" (os dois primeiros - 12 prosas e o terceiro - 15 prosas). Contém um total de 86 poesias, sendo 81 em metro italiano e 5 em metro peninsular. Em metro italiano, encontramos: 13 canções petrarquistas; 2 canções aliradas; 4 capítulos; 1 elegia; 2 epístolas; 15 poemas em oitava rima; 3 sextinas; 25 sonetos e 17 éclogas. Em metro peninsular: 4 endechas em redondilha maior e 1 em redondilha menor; 2 labirintos (1 em redondilha maior, disposto em 25 quintilhas e outro em oitava rima com oito estrofes); 2 sextinas simples e 1 sextina dupla (não seguindo o modelo de Petrarca e Sannazaro); 36 sonetos, sendo 25 independentes e 11 intercalados em éclogas.
Contando 106 versos, o tema é enunciado nos dois primeiros tercetos, desenvolvido nos 32 seguintes e resumido no último. Enunciado o tema, o autor expõe alternadamente, terceto sim, terceto não, os males da vida da corte e os bens da vida do campo e recorre às antíteses de palavras e conceitos (barroco) para que o contraste fique claro.
Ideologicamente, a obra, enquanto novela de carácter moralista, enforma a "reação de um poeta a uma série de problemas culturais, políticos, sociais e religiosos que parece ter caracterizado uma das épocas mais tristes e mais trágicas da História da Portugal: a corrupção dos responsáveis pela manutenção do grande império ultramarino português, a catástrofe de Alcácer Quibir, o drama da dominação espanhola e a angústia dos que, como Fernão Álvares, se viram forçados a viver as consequências de tão dolorosos acontecimentos", sentimento bem patente na afirmação: "Tudo está em crise. Em crise está a Nação, em crise está o patriotismo, em crise está a austeridade de princípios, em crise está a poesia, em crise está a religião oficialmente instituída, em crise está a santidade dos costumes, em crise está a sociedade familiar, em crise está o amor entre o homem e a mulher, em crise está a própria vida." E, para cada uma destas crises, o autor encontra uma solução idealizada: Lusmano protesta contra a dominação estrangeira; D. Miguel de Meneses simboliza o heroísmo que combate a falta de patriotismo; ao espírito de ambição e materialismo opõe o autor a vida frugal e simples dos pastores; à corrupção dos membros da alta hierarquia da Igreja opõe o autor a santidade do sacerdote Ribeiro.
Paralelamente a este cenário principal, encontramos um outro mais secundário e que, reportando ao império português da época, se transforma no palco da novela.
As personagens são pastores, aparecendo também uma sereia, duas ninfas - Clemene e Efire - e três figuras alegóricas - Cleménia, Constância e Modéstia. Os nomes das personagens traduzem, quase sempre, o seu carácter e a sua essência e o papel que desempenham na novela. Assim:
Flumínio, associado ao rio (flumen), simboliza a égloga piscatória;
Liriano, associado ao lírio do campo, simboliza a égloga campestre;
Jacinto, associado à flor do mesmo nome, simboliza a pureza;
Urbano, associado à cidade (urbe), simboliza o cortesão feito pastor;
Rurânio, associado ao campo (rus), simboliza o homem rústico;
Sílvia, associada ao bosque (silva), simboliza a pastora que renuncia ao casamento, para passar a vida no Templo de Diana (Deusa da caça);
Célia, associada ao Céu, simboliza a pastora que troca as agruras do mundo pelas delícias do Paraíso.
A sociedade pastoril representada nesta obra era dirigida pelo maioral Severo, o Conselheiro Rurânio e o sacerdote Sincero a quem todos tratam com a reverência e deferência exigidas pelo cargo. Raramente se fala em laços de parentesco, abrindo-se exceções apenas para a referência a quatro pais, uma mãe e quatro filhas, sendo que apenas uma destas está inserida na sociedade pastoril: Sílvia, filha do pastor Silvano.
Fala-se em quatro casamentos que se vão dissolvendo com o decorrer da ação, nomeadamente devido à morte de cônjuges (num caso a mulher, noutro o marido). O cônjuge viúvo passa a viver uma vida ascética, considerada pelo narrador mais perfeita que a conjugal. E os mortos são colocados no paraíso das delícias sem fim.
Quase todos os pastores enamorados da obra se desiludem com o amor e os males que este provoca, refugiando-se no seio da Natureza, onde o mito da Idade do Ouro se transforma em realidade, e ocupando o seu tempo com a pastoreia, a cantar histórias de amor, a chorar as ilusões e desilusões amorosas em verso, ao som da música.
Como quase toda a literatura bucólica, esta obra aborda temas variados onde a realidade e a ficção caminham paralelamente e comportam um cariz profundamente nacionalista.
Esta é uma obra profundamente simbólica, através da qual Fernão Álvares do Oriente critica severamente o espírito acentuadamente mercantilista dos portugueses, que se esquecem das graves consequências daí advindas para o país, fazendo lembrar o episódio do "Velho do Restelo" de Os Lusíadas.
Embora a descrição do locus amoenus obedecesse ao modelo literário de Virgílio e Teócrito, Fernão Álvares do Oriente referiu e descreveu na sua obra uma fauna e uma flora típicas das regiões por onde se estendeu o Império, afastando-se assim do cenário topológico da literatura bucólica de tradição greco-romana.
A Lusitânia Transformada é uma novela em prosa e verso, constando de três livros. Cada livro está dividido em "prosas" (os dois primeiros - 12 prosas e o terceiro - 15 prosas). Contém um total de 86 poesias, sendo 81 em metro italiano e 5 em metro peninsular. Em metro italiano, encontramos: 13 canções petrarquistas; 2 canções aliradas; 4 capítulos; 1 elegia; 2 epístolas; 15 poemas em oitava rima; 3 sextinas; 25 sonetos e 17 éclogas. Em metro peninsular: 4 endechas em redondilha maior e 1 em redondilha menor; 2 labirintos (1 em redondilha maior, disposto em 25 quintilhas e outro em oitava rima com oito estrofes); 2 sextinas simples e 1 sextina dupla (não seguindo o modelo de Petrarca e Sannazaro); 36 sonetos, sendo 25 independentes e 11 intercalados em éclogas.
Contando 106 versos, o tema é enunciado nos dois primeiros tercetos, desenvolvido nos 32 seguintes e resumido no último. Enunciado o tema, o autor expõe alternadamente, terceto sim, terceto não, os males da vida da corte e os bens da vida do campo e recorre às antíteses de palavras e conceitos (barroco) para que o contraste fique claro.
Ideologicamente, a obra, enquanto novela de carácter moralista, enforma a "reação de um poeta a uma série de problemas culturais, políticos, sociais e religiosos que parece ter caracterizado uma das épocas mais tristes e mais trágicas da História da Portugal: a corrupção dos responsáveis pela manutenção do grande império ultramarino português, a catástrofe de Alcácer Quibir, o drama da dominação espanhola e a angústia dos que, como Fernão Álvares, se viram forçados a viver as consequências de tão dolorosos acontecimentos", sentimento bem patente na afirmação: "Tudo está em crise. Em crise está a Nação, em crise está o patriotismo, em crise está a austeridade de princípios, em crise está a poesia, em crise está a religião oficialmente instituída, em crise está a santidade dos costumes, em crise está a sociedade familiar, em crise está o amor entre o homem e a mulher, em crise está a própria vida." E, para cada uma destas crises, o autor encontra uma solução idealizada: Lusmano protesta contra a dominação estrangeira; D. Miguel de Meneses simboliza o heroísmo que combate a falta de patriotismo; ao espírito de ambição e materialismo opõe o autor a vida frugal e simples dos pastores; à corrupção dos membros da alta hierarquia da Igreja opõe o autor a santidade do sacerdote Ribeiro.
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Como referenciar
Porto Editora – Lusitânia Transformada na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-06-04 05:10:26]. Disponível em
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