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O Paleolítico em Portugal
O Paleolítico em Portugal desenvolve-se ao longo das diversas fases, as mesmas que se verificam para o resto da Europa na sua clássica divisão de Paleolítico inferior, Paleolítico médio e Paleolítico superior.
Uma das produções emblemáticas do Paleolítico inferior é a dos bifaces. As indústrias que foram detetadas na Europa e que pertencem ao Paleolítico inferior são designadas por Abbevilense (a mais antiga), presente na jazida epónima de Abbeville, por de Acheulense (a fase mais recente), encontrada primeiramente em Saint-Acheul, ambas em França. O Acheulense ocorreria nos períodos da interglaciação Mindel-Riss e prolonga-se até à interglaciação Riss-Würm. Ao longo de todo o período acheulense verificou-se a existência de variados tipos de utensilagem com possibilidades de interpretações muito diferentes: ou se tratava de locais culturalmente distintos ou as diferenças existentes deviam-se à matéria-prima disponível: a Europa temperada setentrional apresentava bifaces de formas evoluídas e utensílios sobre lasca porque aí abundava o sílex; a Europa meridional mostrou-nos bifaces de formas irregulares, que se prende com a existência de seixos rolados de quartzite e de quartzo. Por isso, à ideia de que um determinado fácies do Acheulense representa a resposta às condições ambientais, no que diz respeito às disponibilidades dos recursos líticos, contrapõe-se outra que pretende mostrar a grande importância dos fatores culturais que imprimem a grande variedade ao Acheulense. Em Portugal, embora não haja uma grande escassez de vestígios, pois conhecem-se alguns sítios acheulenses, estes apresentam-se muito mais problemáticos em relação a outras regiões da Europa. Para a Península Ibérica ainda não se conseguiu estabelecer um quadro definitivo da evolução do Acheulense - os sítios ainda não estão bem datados e os achados ainda não se revelaram suficientemente representativos.
Em Portugal, os bifaces são conhecidos em sítios de grande importância. A primeira atribuição ao Acheulense data de 1880 para as indústrias líticas descobertas na Mealhada, quando se abriram vários poços no vale do Rio Cértima. A atenção dos investigadores viria posteriormente a recair sobre as praias elevadas ao longo do litoral e sobre os terraços fluviais ao longo dos rios, principalmente do Tejo, cuja observação tinha como base as informações possibilitadas pelos fenómenos eustáticos. Foram encontrados bifaces em diversos locais que apresentavam um talhe grosseiro e que, numa primeira fase, foram considerados do período abbevilense, mas posteriormente integrados no Acheulense arcaico. Assim, o Abbevilense encontra-se mal representado no nosso território, facto que se atribui à descontinuidade de ocupação humana, fenómeno que ocorre um pouco por toda a Europa.
Os primeiros a estudar sistematicamente as indústrias do Paleolítico inferior no nosso território foram Henri Bruil e Georges Zbysewski, que identificaram seis áreas distintas no litoral onde surgiram artefactos líticos recolhidos quase sempre à superfície (litoral norte e centro; área de Peniche até Cascais; arredores de Lisboa; terraços fluviais do interior sul; do litoral da Península de Setúbal e Baixo Alentejo; litoral algarvio), cada uma delas com determinadas particularidades, desde os seixos talhados em grandes ou pequenas dimensões, até às formas mais evoluídas de bifaces a partir de nódulos de sílex, demonstrando, segundo estes investigadores, a presença do Acheulense inferior ao Acheulense superior. Muitas dúvidas se levantam relativamente às datações, devido ao tipo de metodologia usada: a atribuição cronológica de diferentes níveis das praias elevadas com base na altimetria e a observação do rolamento, desgaste e da pátina dos seixos.
O avanço dos estudos proporcionou novas atitudes na tentativa de clarificação dos fenómenos e uma das ideias mais interessantes neste campo foi a que Vítor Oliveira Jorge adiantou quando indica a ausência de bifaces em algumas indústrias do Paleolítico inferior como consequência da existência de um complexo industrial de seixos afeiçoados, revelando uma continuidade do pré-Acheulense.
Nos anos mais recentes tem-se avançado no estudo e no achado de mais locais onde ocorrem indústrias do Paleolítico inferior: o vale do Tejo, na área de Vila Velha de Ródão, com seixos rolados talhados em terraços e que indiciam o Acheulense antigo; ainda o vale do Tejo na área de Alpiarça (o Vale do Forno) e Alcochete com a ocorrência de bifaces evoluídos, hachereaux, raspadores e denticulados na estação de Milharós que se poderão enquadrar numa tipologia do Acheulense superior; a bacia do rio Lis em Leiria, nos achados recentemente estudados por João Pedro Ribeiro, com grande número de bifaces produzidos com técnicas simples correspondentes ao Acheulense antigo; na região do Lis na Estação da Quinta do Cónego, com grande diversidade de artefactos (bifaces e hachereaux) mais evoluídos, usando algumas vezes a técnica de levallois, na sua forma mais simples, pertencentes já ao Acheulense médio; a bacia hidrográfica do Guadiana, nas áreas de Beja, Serpa, Elvas até Portalegre (é a região de Elvas, no vale do Rio Caia, que proporciona maior número de objetos do Acheulense antigo); e a região litoral minhota e vale do rio Minho, estudados por J. Meireles, com indústrias que datam possivelmente do Acheulense médio.
Segundo João Pedro Ribeiro, não existe um conjunto de indústrias do Acheulense médio na sequência do Acheulense antigo. Os únicos atribuídos ao período foram os achados da bacia do Lis nos depósitos coluvionares.
O Paleolítico médio em Portugal e também no resto da Europa tem características muito particulares, por conter soluções de continuidade relativamente ao Paleolítico inferior de identificação muito difusa e ser já uma antevisão dos fenómenos que ocorrerão no Paleolítico superior, muito mais consolidados sob o ponto de vista histórico. A datação do início do Paleolítico médio não é consensual, pois se a primeira data rondava os 100 000 anos a. C. as investigações apontaram um recuo (de cerca de 300 000 até 30 000). A existência do Homo sapiens neanderthallensis encontra-se associado a este período, mas nem sempre à sua totalidade, pois muitas indústrias surgidas no Paleolítico médio na Europa Ocidental foram produzidas por ante-Neandertalenses e outras no Mediterrâneo são já de Homo sapiens sapiens. Procura-se estudar o período tendo em conta não só as questões levantadas pelos tipo de utensilagem utilizada, mas também promovendo o alargamento da visão no âmbito cultural e de povoamento de novas zonas ou diferente organização dos territórios por forma a obterem uma maior eficácia nas atividades de caça e recoleção.
Relativamente à utensilagem, o Paleolítico médio caracteriza-se pela existência de uma indústria típica designada por mustierense, fortemente implantada no Sudoeste da França e difundida pelo continente europeu, que se define pelo grande número de utensílios sobre lasca estandardizados, nomeadamente raspadores, denticulados, entalhes e pontas, pela frequência de núcleos com técnicas de preparação e por uma diminuição drástica do número de bifaces e de machados. Salienta-se que o facto de os bifaces não desaparecerem, embora apresentem formas mais evoluídas, perspetiva aquela ideia de solução de continuidade. O aperfeiçoamento é visível pela utilização da técnica levallois.
Em Portugal ainda não existe uma sistematização do Paleolítico médio. As razões para tal facto prendem-se com a escassez de sítios bem datados e com espólios representativos. Os vestígios associados a este período encontraram-se ao ar livre (na sua maioria, os materiais foram encontrados à superfície em praias elevadas e terraços fluviais) ou em reduzido número de grutas escavadas com maior incidência na Estremadura (grutas e praias do litoral, nos arredores de Lisboa e de Rio Maior, nos terraços da bacia do Tejo e no litoral algarvio), no entanto muitos dos achados são muitíssimo pobres e repetem as tipologias do período anterior.
No litoral estremenho e no Sul do Algarve foram descobertos depósitos musterienses com artefactos executados principalmente em quartzite. As investigações mais recentes revelaram novos sítios correspondentes ao Paleolítico médio na Gruta Nova da Columbeira (Bombarral), cujo espólio revela a existência de objetos em quartzo, quartzite e sílex (raspadores, denticulados e lascas levallois) e de um dente humano (o mais antigo vestígio em Portugal); na Gruta de Salemas (Loures) com objetos mustierenses associados a restos animais de fauna de clima temperado; na Gruta de Almonda (Torres Novas); na Gruta da Furninha (Peniche); na Gruta de Figueira-Brava (Sesimbra); no sítio ao ar livre do Casal do Monte, nos arredores de Lisboa, com objetos feitos em sílex; no sítio do Alto da Pacheca (Alcochete); na estação de Vilas Ruivas (Vila Velha de Ródão), onde foram encontradas lascas levallois, pontas de raspadores; e a estação da Estrada do Prado (margem direita do Nabão, junto a Tomar), com grande número de objetos sobre lascas (denticulados), raspadores, perfuradores e buris.
As matérias-primas utilizadas são geralmente muito diversificadas, com destaque para o quartzito e o quartzo, falhando uma procura sistemática do sílex. Os utensílios mais frequentes pertencem ao grupo dos denticulados e dos raspadores. No sítios ao ar livre, principalmente na área do vale e estuário do Tejo e em Tomar, ocorre de forma preponderante a técnica levallois. É em Vilas Ruivas que se encontraram as estruturas portuguesas mais antigas de habitat, com alinhamentos de blocos e a presença de detritos provenientes do consumo de cavalos, auroques e veados e abundantes vestígios de utensilagem.
O Paleolítico superior em Portugal revela um maior número de vestígios arqueológicos em comparação com os períodos antecedentes, fenómeno válido para o resto da Europa. Na verdade, para muitos investidadores constitui uma rutura com tudo o que existia anteriormente. É o período da ocorrência do Homo sapiens sapiens. A utensilagem alargou o tipo de material usado, pois é frequente encontrar objetos em osso e em chifre ao lado do tradicional uso da pedra. Paralelamente, verificou-se um aperfeiçoamento crescente na sua fabricação, nomeadamente no tipo de talhe, resultando na proliferação de lâminas muito alongadas e de objetos mais especializados como os raspadores, buris e furadores. Na Península Ibérica os vestígios do Paleolítico superior concentram-se na zona cantábrica e ao longo do litoral mediterrânico, tendo-se verificado igualmente a sua presença em locais de menor importância no interior da Meseta e costa portuguesa a norte de Lisboa. Os vestígios antropológicos da presença de Homo sapiens sapiens em Portugal surgiram, embora muito incompletos, na Pedreira de Salemas (uma mandíbula), na Gruta da Casa da Moura (um crânio) e na Lapa da Rainha (algumas peças dentárias). Conhece-se também um enterramento intencional na Lapa do Suão já do Magoalenense - dois molares presentes numa fossa rodeada de objetos de adorno.
Desde os primeiros achados ocorridos ainda no século XIX, passando pelas investigsções das décadas de 30 a 60 do século XX até aos estudos mais recentes, têm-se descoberto elementos de grande importância para o conhecimento do posicionamento de Portugal no contexto cultural do Paleolítico superior. Ultimamente, através das investigações em torno da Gruta do Caldeirão, em Tomar, têm surgido dados que complementam os conhecimentos anteriores, para além da continuação do estudo da área da Estremadura, atividades levadas a cabo por João Zilhão. A concentração dos achados na Estremadura poderá explicar-se pela estreita ligação ao material utilizado na fabricação da utensilagem - o sílex - muito abundante na área estudada.
No nosso território os primeiros vestígos surgiram nas Grutas da Casa da Moura e da Furninha, tendo as escavações sido posteriormente alargadas, principalmente nas áreas de Lisboa (Gruta de Salemas, em Loures, Vila Pouca; em Lisboa; e Pinhal da Charneca, em Lisboa) de Évora Monte (Monte da Rainha) e de Torres Vedras (Rossio do Cabo). As investigações mostraram elementos caracterizadores de periodizações que se têm verificado no resto da Europa para o Paleolítico superior. Assim, no Rossio do Cabo foram descobertos vestígios que pertencem ao fácies cultural do Magoalenense, embora numa primeira fase se tenha pensado pertencer ao Aurinhacense evoluído, com grandes quantidades de buris e raspadeiras. O Aurinhacense resumir-se-á apenas aos vestígios encontrados no Vale do Porcos, em Rio Maior, onde aparece em grande quantidade, com predominância de buris sobre as raspadeiras. O espólio presente na Gruta do Caldeirão poderá pertencer ao Paleolítico superior inicial, mas também há a hipótese de ainda pertencerem ao Gravetense. O Perigordense primeiramente identificado na Gruta das Salemas sofreu uma revisão à luz dos estudos mais recentes, pois os objetos pertencentes ao espólio apontam antes para o Solutrense, tendo aquela cultura sido confinada à região de Rio Maior. O Solutrense encontra-se em maior quantidade, sobretudo nas grutas da Casa da Moura, da Furninha e de Salemas, no Monte da Rainha, na Gruta do Caldeirão, com uma boa sequência estratigráfica evolutiva do Solutrense, e no interior do país, indicando influências levantinas e cantábricas. As particularidades deste período são o facto de os homens se instalarem próximo dos locais onde o sílex era abundante e o de desenvolverem contactos a longa distância, comprovados pela existência de conchas em locais muito afastados do mar. Os utensílios correspondentes a este período são as pontas, que assumem várias formas: de face plana, de folha de loureiro, pedúnculo central e aletas. O Magoalenense está presente na Gruta da Casa da Moura, mas já não é tão clara a pertença a esta cultura dos objetos achados na Gruta da Lapa do Suão, no Bombarral, através da existência de zagaias elaboradas a partir do chifre de cervo, a atribuição ao Magoalenense de este último conjunto é posta em causa por Zilhão. Este aponta a Gruta de Vela da Mata situada em Torres Vedras como exemplo do Magoalenense. Outros locais podem igualmente ser apontados para este período: Rossio do Cabo (Torres Vedras) e Cabeço do Porto Marinho e Carneira em Rio Maior.
É no Paleolítico superior que ocorre o florescimento da arte patenteada em gravuras, pinturas e arte móvel (estatuetas, placas, e objetos de uso quotidiano). Os dados sobre esta atividade surgem por toda a Europa e também em Portugal, embora os vestígios sejam numericamente reduzidos. O único local que revela a existência de pintura parietal é a Gruta do Escoural, em Montemor-o-Novo. Trata-se de um percurso labiríntico que termina numa sala ao longo do qual se observam numerosas pinturas e gravuras que muitas vezes aparecem sobrepostas. A temática é essencialmente animalista, com incidência na figuração de bois e cavalos, mas também surgem sinais esquemáticos de difícil interpretação, que, segundo a divisão de Leroi-Gourhan, poderão estar de acordo com simbólicas masculinas e femininas. Cronologicamente, as pinturas elaboradas numa primeira fase (grandes cabeças e sinais geométricos) pertenceriam ao Estilo II de Leroi-Gourhan correspondente ao Aurinhacense e Gravetense, as pinturas e gravuras da segunda fase (animais de pequenas dimensões e maior número de sinais esquemáticos) pertenceriam ao Estilo III que corresponde ao Solutrense e ao Magoalenense antigo.
Em Mazouco surgiu um conjunto de quatro gravuras de animais, uma delas muito bem preservada, que sugere um cavalo em movimento, pertencente ao Estilo III-IV de Leroi-Gourhan.
O mais importante achado de arte paleolítica em Portugal e um dos mais importantes da Europa é o enorme conjunto de gravuras ao ar livre do Vale do Coa. Estudadas a partir de 1994, têm-se revelado um verdadeiro manancial para o avanço no conhecimento da arte do período. Parte do conjunto já foi submerso quando se construiu a Barragem do Pocinho (1982). As gravuras foram executadas nas paredes xistosas do vale, em diversos locais, somando mais de 18 km de extensão: é o exemplo da Canada do Inferno (300 m), Vale de Figueira (Fariseu), Ribeira de Piscos (Muxagata) e Vale dos Cabrões para além de outros locais. Os temas são eminentemente zoomórficos, com a representação de bovídeos, equídeos e caprídeos (estas últimas são mais raras). Ao contrário do que acontece na Gruta do Escoural, aqui não apareceram sinais nem símbolos. As técnicas utilizadas foram basicamente duas: a picotagem e a abrasão. É possível que tivessem sido pintadas, embora não haja vestígios dessa prática. Muitos painéis apresentam sobreposições entre as figuras mais antigas. Cronologicamente poderão situar-se no Estilo III de Leroi-Gourhan (Solutrense - entre 20 000 e 16 000 a. C.), as mais antigas, e no Estilo IV (Madalenense - entre 16 000 e 12 000 a. C.), as mais recentes.
Relativamente à arte móvel, temos poucos exemplos. Destacam-se duas estatuetas femininas designadas por "vénus" e uma plaqueta. Uma apareceu na Gruta da Toca do Pai Lopes (Setúbal), elaborada em sílex, sem membros nem cabeça, e a outra foi encontrada nas imediações do Escoural, também descontextualizada arqueologicamente, feita em osso, com o destacamento dos dois membros inferiores e identificação do triângulo púbico e da vulva, pertencendo à tipologia de "vénus impudica" de Laugerire Basse (França). A última peça é uma plaqueta em xisto gravada em ambas as faces através de pequenas incisões, descoberta na Gruta do Caldeirão (Tomar). As gravações não são muito nítidas, mas parecem representar a linha do dorso e traseira de um animal e uma figuração de peixe numa das faces e na outra face um antropomorfo muito estilizado. Tem uma datação proposta por João Zilhão próxima do Magoalenense (16 000 a. C.).
Uma das produções emblemáticas do Paleolítico inferior é a dos bifaces. As indústrias que foram detetadas na Europa e que pertencem ao Paleolítico inferior são designadas por Abbevilense (a mais antiga), presente na jazida epónima de Abbeville, por de Acheulense (a fase mais recente), encontrada primeiramente em Saint-Acheul, ambas em França. O Acheulense ocorreria nos períodos da interglaciação Mindel-Riss e prolonga-se até à interglaciação Riss-Würm. Ao longo de todo o período acheulense verificou-se a existência de variados tipos de utensilagem com possibilidades de interpretações muito diferentes: ou se tratava de locais culturalmente distintos ou as diferenças existentes deviam-se à matéria-prima disponível: a Europa temperada setentrional apresentava bifaces de formas evoluídas e utensílios sobre lasca porque aí abundava o sílex; a Europa meridional mostrou-nos bifaces de formas irregulares, que se prende com a existência de seixos rolados de quartzite e de quartzo. Por isso, à ideia de que um determinado fácies do Acheulense representa a resposta às condições ambientais, no que diz respeito às disponibilidades dos recursos líticos, contrapõe-se outra que pretende mostrar a grande importância dos fatores culturais que imprimem a grande variedade ao Acheulense. Em Portugal, embora não haja uma grande escassez de vestígios, pois conhecem-se alguns sítios acheulenses, estes apresentam-se muito mais problemáticos em relação a outras regiões da Europa. Para a Península Ibérica ainda não se conseguiu estabelecer um quadro definitivo da evolução do Acheulense - os sítios ainda não estão bem datados e os achados ainda não se revelaram suficientemente representativos.
Em Portugal, os bifaces são conhecidos em sítios de grande importância. A primeira atribuição ao Acheulense data de 1880 para as indústrias líticas descobertas na Mealhada, quando se abriram vários poços no vale do Rio Cértima. A atenção dos investigadores viria posteriormente a recair sobre as praias elevadas ao longo do litoral e sobre os terraços fluviais ao longo dos rios, principalmente do Tejo, cuja observação tinha como base as informações possibilitadas pelos fenómenos eustáticos. Foram encontrados bifaces em diversos locais que apresentavam um talhe grosseiro e que, numa primeira fase, foram considerados do período abbevilense, mas posteriormente integrados no Acheulense arcaico. Assim, o Abbevilense encontra-se mal representado no nosso território, facto que se atribui à descontinuidade de ocupação humana, fenómeno que ocorre um pouco por toda a Europa.
O avanço dos estudos proporcionou novas atitudes na tentativa de clarificação dos fenómenos e uma das ideias mais interessantes neste campo foi a que Vítor Oliveira Jorge adiantou quando indica a ausência de bifaces em algumas indústrias do Paleolítico inferior como consequência da existência de um complexo industrial de seixos afeiçoados, revelando uma continuidade do pré-Acheulense.
Nos anos mais recentes tem-se avançado no estudo e no achado de mais locais onde ocorrem indústrias do Paleolítico inferior: o vale do Tejo, na área de Vila Velha de Ródão, com seixos rolados talhados em terraços e que indiciam o Acheulense antigo; ainda o vale do Tejo na área de Alpiarça (o Vale do Forno) e Alcochete com a ocorrência de bifaces evoluídos, hachereaux, raspadores e denticulados na estação de Milharós que se poderão enquadrar numa tipologia do Acheulense superior; a bacia do rio Lis em Leiria, nos achados recentemente estudados por João Pedro Ribeiro, com grande número de bifaces produzidos com técnicas simples correspondentes ao Acheulense antigo; na região do Lis na Estação da Quinta do Cónego, com grande diversidade de artefactos (bifaces e hachereaux) mais evoluídos, usando algumas vezes a técnica de levallois, na sua forma mais simples, pertencentes já ao Acheulense médio; a bacia hidrográfica do Guadiana, nas áreas de Beja, Serpa, Elvas até Portalegre (é a região de Elvas, no vale do Rio Caia, que proporciona maior número de objetos do Acheulense antigo); e a região litoral minhota e vale do rio Minho, estudados por J. Meireles, com indústrias que datam possivelmente do Acheulense médio.
Segundo João Pedro Ribeiro, não existe um conjunto de indústrias do Acheulense médio na sequência do Acheulense antigo. Os únicos atribuídos ao período foram os achados da bacia do Lis nos depósitos coluvionares.
O Paleolítico médio em Portugal e também no resto da Europa tem características muito particulares, por conter soluções de continuidade relativamente ao Paleolítico inferior de identificação muito difusa e ser já uma antevisão dos fenómenos que ocorrerão no Paleolítico superior, muito mais consolidados sob o ponto de vista histórico. A datação do início do Paleolítico médio não é consensual, pois se a primeira data rondava os 100 000 anos a. C. as investigações apontaram um recuo (de cerca de 300 000 até 30 000). A existência do Homo sapiens neanderthallensis encontra-se associado a este período, mas nem sempre à sua totalidade, pois muitas indústrias surgidas no Paleolítico médio na Europa Ocidental foram produzidas por ante-Neandertalenses e outras no Mediterrâneo são já de Homo sapiens sapiens. Procura-se estudar o período tendo em conta não só as questões levantadas pelos tipo de utensilagem utilizada, mas também promovendo o alargamento da visão no âmbito cultural e de povoamento de novas zonas ou diferente organização dos territórios por forma a obterem uma maior eficácia nas atividades de caça e recoleção.
Relativamente à utensilagem, o Paleolítico médio caracteriza-se pela existência de uma indústria típica designada por mustierense, fortemente implantada no Sudoeste da França e difundida pelo continente europeu, que se define pelo grande número de utensílios sobre lasca estandardizados, nomeadamente raspadores, denticulados, entalhes e pontas, pela frequência de núcleos com técnicas de preparação e por uma diminuição drástica do número de bifaces e de machados. Salienta-se que o facto de os bifaces não desaparecerem, embora apresentem formas mais evoluídas, perspetiva aquela ideia de solução de continuidade. O aperfeiçoamento é visível pela utilização da técnica levallois.
Em Portugal ainda não existe uma sistematização do Paleolítico médio. As razões para tal facto prendem-se com a escassez de sítios bem datados e com espólios representativos. Os vestígios associados a este período encontraram-se ao ar livre (na sua maioria, os materiais foram encontrados à superfície em praias elevadas e terraços fluviais) ou em reduzido número de grutas escavadas com maior incidência na Estremadura (grutas e praias do litoral, nos arredores de Lisboa e de Rio Maior, nos terraços da bacia do Tejo e no litoral algarvio), no entanto muitos dos achados são muitíssimo pobres e repetem as tipologias do período anterior.
No litoral estremenho e no Sul do Algarve foram descobertos depósitos musterienses com artefactos executados principalmente em quartzite. As investigações mais recentes revelaram novos sítios correspondentes ao Paleolítico médio na Gruta Nova da Columbeira (Bombarral), cujo espólio revela a existência de objetos em quartzo, quartzite e sílex (raspadores, denticulados e lascas levallois) e de um dente humano (o mais antigo vestígio em Portugal); na Gruta de Salemas (Loures) com objetos mustierenses associados a restos animais de fauna de clima temperado; na Gruta de Almonda (Torres Novas); na Gruta da Furninha (Peniche); na Gruta de Figueira-Brava (Sesimbra); no sítio ao ar livre do Casal do Monte, nos arredores de Lisboa, com objetos feitos em sílex; no sítio do Alto da Pacheca (Alcochete); na estação de Vilas Ruivas (Vila Velha de Ródão), onde foram encontradas lascas levallois, pontas de raspadores; e a estação da Estrada do Prado (margem direita do Nabão, junto a Tomar), com grande número de objetos sobre lascas (denticulados), raspadores, perfuradores e buris.
As matérias-primas utilizadas são geralmente muito diversificadas, com destaque para o quartzito e o quartzo, falhando uma procura sistemática do sílex. Os utensílios mais frequentes pertencem ao grupo dos denticulados e dos raspadores. No sítios ao ar livre, principalmente na área do vale e estuário do Tejo e em Tomar, ocorre de forma preponderante a técnica levallois. É em Vilas Ruivas que se encontraram as estruturas portuguesas mais antigas de habitat, com alinhamentos de blocos e a presença de detritos provenientes do consumo de cavalos, auroques e veados e abundantes vestígios de utensilagem.
O Paleolítico superior em Portugal revela um maior número de vestígios arqueológicos em comparação com os períodos antecedentes, fenómeno válido para o resto da Europa. Na verdade, para muitos investidadores constitui uma rutura com tudo o que existia anteriormente. É o período da ocorrência do Homo sapiens sapiens. A utensilagem alargou o tipo de material usado, pois é frequente encontrar objetos em osso e em chifre ao lado do tradicional uso da pedra. Paralelamente, verificou-se um aperfeiçoamento crescente na sua fabricação, nomeadamente no tipo de talhe, resultando na proliferação de lâminas muito alongadas e de objetos mais especializados como os raspadores, buris e furadores. Na Península Ibérica os vestígios do Paleolítico superior concentram-se na zona cantábrica e ao longo do litoral mediterrânico, tendo-se verificado igualmente a sua presença em locais de menor importância no interior da Meseta e costa portuguesa a norte de Lisboa. Os vestígios antropológicos da presença de Homo sapiens sapiens em Portugal surgiram, embora muito incompletos, na Pedreira de Salemas (uma mandíbula), na Gruta da Casa da Moura (um crânio) e na Lapa da Rainha (algumas peças dentárias). Conhece-se também um enterramento intencional na Lapa do Suão já do Magoalenense - dois molares presentes numa fossa rodeada de objetos de adorno.
Desde os primeiros achados ocorridos ainda no século XIX, passando pelas investigsções das décadas de 30 a 60 do século XX até aos estudos mais recentes, têm-se descoberto elementos de grande importância para o conhecimento do posicionamento de Portugal no contexto cultural do Paleolítico superior. Ultimamente, através das investigações em torno da Gruta do Caldeirão, em Tomar, têm surgido dados que complementam os conhecimentos anteriores, para além da continuação do estudo da área da Estremadura, atividades levadas a cabo por João Zilhão. A concentração dos achados na Estremadura poderá explicar-se pela estreita ligação ao material utilizado na fabricação da utensilagem - o sílex - muito abundante na área estudada.
No nosso território os primeiros vestígos surgiram nas Grutas da Casa da Moura e da Furninha, tendo as escavações sido posteriormente alargadas, principalmente nas áreas de Lisboa (Gruta de Salemas, em Loures, Vila Pouca; em Lisboa; e Pinhal da Charneca, em Lisboa) de Évora Monte (Monte da Rainha) e de Torres Vedras (Rossio do Cabo). As investigações mostraram elementos caracterizadores de periodizações que se têm verificado no resto da Europa para o Paleolítico superior. Assim, no Rossio do Cabo foram descobertos vestígios que pertencem ao fácies cultural do Magoalenense, embora numa primeira fase se tenha pensado pertencer ao Aurinhacense evoluído, com grandes quantidades de buris e raspadeiras. O Aurinhacense resumir-se-á apenas aos vestígios encontrados no Vale do Porcos, em Rio Maior, onde aparece em grande quantidade, com predominância de buris sobre as raspadeiras. O espólio presente na Gruta do Caldeirão poderá pertencer ao Paleolítico superior inicial, mas também há a hipótese de ainda pertencerem ao Gravetense. O Perigordense primeiramente identificado na Gruta das Salemas sofreu uma revisão à luz dos estudos mais recentes, pois os objetos pertencentes ao espólio apontam antes para o Solutrense, tendo aquela cultura sido confinada à região de Rio Maior. O Solutrense encontra-se em maior quantidade, sobretudo nas grutas da Casa da Moura, da Furninha e de Salemas, no Monte da Rainha, na Gruta do Caldeirão, com uma boa sequência estratigráfica evolutiva do Solutrense, e no interior do país, indicando influências levantinas e cantábricas. As particularidades deste período são o facto de os homens se instalarem próximo dos locais onde o sílex era abundante e o de desenvolverem contactos a longa distância, comprovados pela existência de conchas em locais muito afastados do mar. Os utensílios correspondentes a este período são as pontas, que assumem várias formas: de face plana, de folha de loureiro, pedúnculo central e aletas. O Magoalenense está presente na Gruta da Casa da Moura, mas já não é tão clara a pertença a esta cultura dos objetos achados na Gruta da Lapa do Suão, no Bombarral, através da existência de zagaias elaboradas a partir do chifre de cervo, a atribuição ao Magoalenense de este último conjunto é posta em causa por Zilhão. Este aponta a Gruta de Vela da Mata situada em Torres Vedras como exemplo do Magoalenense. Outros locais podem igualmente ser apontados para este período: Rossio do Cabo (Torres Vedras) e Cabeço do Porto Marinho e Carneira em Rio Maior.
É no Paleolítico superior que ocorre o florescimento da arte patenteada em gravuras, pinturas e arte móvel (estatuetas, placas, e objetos de uso quotidiano). Os dados sobre esta atividade surgem por toda a Europa e também em Portugal, embora os vestígios sejam numericamente reduzidos. O único local que revela a existência de pintura parietal é a Gruta do Escoural, em Montemor-o-Novo. Trata-se de um percurso labiríntico que termina numa sala ao longo do qual se observam numerosas pinturas e gravuras que muitas vezes aparecem sobrepostas. A temática é essencialmente animalista, com incidência na figuração de bois e cavalos, mas também surgem sinais esquemáticos de difícil interpretação, que, segundo a divisão de Leroi-Gourhan, poderão estar de acordo com simbólicas masculinas e femininas. Cronologicamente, as pinturas elaboradas numa primeira fase (grandes cabeças e sinais geométricos) pertenceriam ao Estilo II de Leroi-Gourhan correspondente ao Aurinhacense e Gravetense, as pinturas e gravuras da segunda fase (animais de pequenas dimensões e maior número de sinais esquemáticos) pertenceriam ao Estilo III que corresponde ao Solutrense e ao Magoalenense antigo.
Em Mazouco surgiu um conjunto de quatro gravuras de animais, uma delas muito bem preservada, que sugere um cavalo em movimento, pertencente ao Estilo III-IV de Leroi-Gourhan.
O mais importante achado de arte paleolítica em Portugal e um dos mais importantes da Europa é o enorme conjunto de gravuras ao ar livre do Vale do Coa. Estudadas a partir de 1994, têm-se revelado um verdadeiro manancial para o avanço no conhecimento da arte do período. Parte do conjunto já foi submerso quando se construiu a Barragem do Pocinho (1982). As gravuras foram executadas nas paredes xistosas do vale, em diversos locais, somando mais de 18 km de extensão: é o exemplo da Canada do Inferno (300 m), Vale de Figueira (Fariseu), Ribeira de Piscos (Muxagata) e Vale dos Cabrões para além de outros locais. Os temas são eminentemente zoomórficos, com a representação de bovídeos, equídeos e caprídeos (estas últimas são mais raras). Ao contrário do que acontece na Gruta do Escoural, aqui não apareceram sinais nem símbolos. As técnicas utilizadas foram basicamente duas: a picotagem e a abrasão. É possível que tivessem sido pintadas, embora não haja vestígios dessa prática. Muitos painéis apresentam sobreposições entre as figuras mais antigas. Cronologicamente poderão situar-se no Estilo III de Leroi-Gourhan (Solutrense - entre 20 000 e 16 000 a. C.), as mais antigas, e no Estilo IV (Madalenense - entre 16 000 e 12 000 a. C.), as mais recentes.
Relativamente à arte móvel, temos poucos exemplos. Destacam-se duas estatuetas femininas designadas por "vénus" e uma plaqueta. Uma apareceu na Gruta da Toca do Pai Lopes (Setúbal), elaborada em sílex, sem membros nem cabeça, e a outra foi encontrada nas imediações do Escoural, também descontextualizada arqueologicamente, feita em osso, com o destacamento dos dois membros inferiores e identificação do triângulo púbico e da vulva, pertencendo à tipologia de "vénus impudica" de Laugerire Basse (França). A última peça é uma plaqueta em xisto gravada em ambas as faces através de pequenas incisões, descoberta na Gruta do Caldeirão (Tomar). As gravações não são muito nítidas, mas parecem representar a linha do dorso e traseira de um animal e uma figuração de peixe numa das faces e na outra face um antropomorfo muito estilizado. Tem uma datação proposta por João Zilhão próxima do Magoalenense (16 000 a. C.).
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Como referenciar
Porto Editora – O Paleolítico em Portugal na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-09-25 07:41:29]. Disponível em
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