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prostituição
Numa aceção lata, prostituição poderia englobar todos os tipos de práticas sexuais instrumentais em que os seres humanos, em troca dalguma vantagem material, disponibilizam o seu corpo para deleite sexual de outrem. Não obstante a persistência dalguma fluidez em certos tipos de intercâmbio sexual, prostituição, rigorosamente e em sentido restrito, implica não apenas o interesse mas também um elemento mercantil ou transação de mercadoria: pela parte da oferta, venda ou aluguer habitual do próprio corpo em troca de remuneração material, designadamente monetária, e, pelo lado da procura, compra ou (ab)uso do corpo de outrem, a troco de dinheiro, exclusivamente para satisfação ou prazer sexual. Para que se possa falar de prostituição torna-se necessária a presença do carácter mercantil do produto em termos de valor de troca e não apenas de simples valor de uso.
O modo de vida da prostituta é assumido e/ou percebido como degradante aos olhares públicos e a sua pessoa, não raro, desclassificada e/ou estigmatizada e, em certos círculos perpassados dum forte normativismo religioso, identificada como "antro de vício e pecado".
Uma das características da sexualidade masculina, e que se manifesta no fenómeno da prostituição, consiste na fragmentação entre o impulso sexual e a emoção, à qual subjaz, como salienta Lorraine Nencel, um conceito essencialista, uma construção fixista de sexualidade. Esta fragmentação leva o homem a construir diferentes imagens da mulher e respetivos significados da feminilidade, conforme se trate mais da mulher-'puta', vista como objeto de prazer, ou mais da mulher-esposa-mãe, assumida como figura virtuosa e protetora. A esta dicotomia de imagens não é estranha a própria conceção dominante, não só na literatura e na arte, como no senso comum, no sentido de contrapor a maligna e devassa mulher da rua à recatada esposa e exímia dona de casa e mãe de família. Nesta ótica, a prostituição representaria uma 'nódoa social' na mesa das mulheres-mães e das 'rainhas'-virgens.
A prostituição não é um problema apenas relativo à condição e à dignidade das mulheres. Ela questiona, como refere Nencel, o posicionamento e as práticas da sexualidade masculina, as atitudes e as imagens, os papéis e as representações dos homens acerca da mulher e, sobretudo, os seus estereótipos e preconceitos sexistas. Numa palavra, a prostituição, onde existe, interpela a própria sociedade.
A eliminação ou, pelo menos, a minoração dos efeitos perversos sobre a mulher-prostituta tem sido uma das bandeiras mais acerrimamente levantadas pelos movimentos feministas, impulsionados amiúde, sobretudo no passado, por mulheres intelectuais. Hoje, o comércio sexual de mulheres e menores reproduz, assim, as assimetrias estruturais entre os países do centro e da (semi)periferia, com as possíveis sequelas de exploração e/ou opressão das mulheres e de menores dos países periféricos, enquanto uma das 'últimas matérias-primas dos países pobres' (Hirsch, Michèle, Plan d'action de lutte contre la traite des femmes et la prostituition forcée, 1996).
Perante a recorrência do fenómeno histórico da prostituição, ainda que sob diversas configurações, nos mais variados tempos e espaços, verificam-se cada vez mais estudos (Rubin, 1975; Walkowitz, 1980; Pais, 1983; Habib, 1994; Solé, 1994; Welzer-Lang, 1994; Cazals, 1995). Diversas são as abordagens e as terapêuticas sociopolíticas avançadas:
(i) uma visão utilitarista assente na economia liberal e no modelo de jogos, segundo a qual a prostituição é entendida como qualquer outro fenómeno mercantil que, satisfazendo certas necessidades sexuais, se rege pelas leis da oferta e da procura e pela equação do binómio custos-benefícios (Fireman e Gamson, 1979) e em que os diversos atores-jogadores (prostitutas, chulos e clientes) são impulsionados pelo cálculo racional e pela estratégica maximização do ganho ou da satisfação;
(ii) diversas aproximações de base psicológica, desde as anacrónicas visões assentes no pressuposto de tratar-se de personalidades 'a-sociais' ou 'degeneradas', 'criminosas' ou 'desviantes' (Lombroso 1893), passando pelo modelo psicanalítico que tende a encarar a prostituição (prostituta/o e cliente) como o resultado de traumas sexuais no período infantil (Freud, 1959), até àquela que explica as práticas da prostituição a partir dos grupos primários de socialização com os seus respetivos códigos normativos e (sub)culturais marginais;
(iii) uma outra de carácter psicossocial, que se reporta à teoria da privação relativa dos sujeitos-atores (Davies 1962), segundo a qual a prostituição seria explicável a partir do fosso existente entre o atual 'estado mental' ou grau de insatisfação e o potencial ou esperado nível de satisfação das necessidades das prostitutas;
(iv) outras de cariz sociológico, desde a estrutural-funcionalista (Parsons, 1988; Merton, 1970), para quem a prostituição representaria um comportamento desviante, disfuncional ou até patológico, resultante da não-integração desses indivíduos na sociedade, passando pela perspetiva interaccionista que concebe a prostituição como fenómeno resultante de uma série de experiências e interações na construção de identidades negativas e estigmatizadas (Goffman, 1963; Becker, 1968), até modelos organizacionais e de poder (Foucault, 1978);
(v) a visão marxista tradicional, segundo a qual a prostituição seria um fenómeno condicionado pela estrutura social e originariamente decorrente do casamento monogâmico e do patriarcado, que, por sua vez, se interliga com a propriedade privada e o Estado (Engels, 1964);
(vi) por fim, a abordagem feminista, segundo a qual a prostituição é uma consequência da dominação e, eventualmente, da exploração da mulher por parte do homem, com toda a série de representações e estereótipos socialmente construídos (Millet, 1974; Davidoff, 1979; Dubisch, 1986; Amâncio, 1994).
Provavelmente, a via mais adequada para abordar o fenómeno da prostituição consistirá em assumir uma perspetiva pluricausal e pluridimensional (Weber, 1978) que, sem esquecer ou menosprezar os diversos níveis de análise, saiba integrá-los e hierarquizá-los de modo situacional e criativo.
O modo de vida da prostituta é assumido e/ou percebido como degradante aos olhares públicos e a sua pessoa, não raro, desclassificada e/ou estigmatizada e, em certos círculos perpassados dum forte normativismo religioso, identificada como "antro de vício e pecado".
Uma das características da sexualidade masculina, e que se manifesta no fenómeno da prostituição, consiste na fragmentação entre o impulso sexual e a emoção, à qual subjaz, como salienta Lorraine Nencel, um conceito essencialista, uma construção fixista de sexualidade. Esta fragmentação leva o homem a construir diferentes imagens da mulher e respetivos significados da feminilidade, conforme se trate mais da mulher-'puta', vista como objeto de prazer, ou mais da mulher-esposa-mãe, assumida como figura virtuosa e protetora. A esta dicotomia de imagens não é estranha a própria conceção dominante, não só na literatura e na arte, como no senso comum, no sentido de contrapor a maligna e devassa mulher da rua à recatada esposa e exímia dona de casa e mãe de família. Nesta ótica, a prostituição representaria uma 'nódoa social' na mesa das mulheres-mães e das 'rainhas'-virgens.
A prostituição não é um problema apenas relativo à condição e à dignidade das mulheres. Ela questiona, como refere Nencel, o posicionamento e as práticas da sexualidade masculina, as atitudes e as imagens, os papéis e as representações dos homens acerca da mulher e, sobretudo, os seus estereótipos e preconceitos sexistas. Numa palavra, a prostituição, onde existe, interpela a própria sociedade.
A eliminação ou, pelo menos, a minoração dos efeitos perversos sobre a mulher-prostituta tem sido uma das bandeiras mais acerrimamente levantadas pelos movimentos feministas, impulsionados amiúde, sobretudo no passado, por mulheres intelectuais. Hoje, o comércio sexual de mulheres e menores reproduz, assim, as assimetrias estruturais entre os países do centro e da (semi)periferia, com as possíveis sequelas de exploração e/ou opressão das mulheres e de menores dos países periféricos, enquanto uma das 'últimas matérias-primas dos países pobres' (Hirsch, Michèle, Plan d'action de lutte contre la traite des femmes et la prostituition forcée, 1996).
Perante a recorrência do fenómeno histórico da prostituição, ainda que sob diversas configurações, nos mais variados tempos e espaços, verificam-se cada vez mais estudos (Rubin, 1975; Walkowitz, 1980; Pais, 1983; Habib, 1994; Solé, 1994; Welzer-Lang, 1994; Cazals, 1995). Diversas são as abordagens e as terapêuticas sociopolíticas avançadas:
(i) uma visão utilitarista assente na economia liberal e no modelo de jogos, segundo a qual a prostituição é entendida como qualquer outro fenómeno mercantil que, satisfazendo certas necessidades sexuais, se rege pelas leis da oferta e da procura e pela equação do binómio custos-benefícios (Fireman e Gamson, 1979) e em que os diversos atores-jogadores (prostitutas, chulos e clientes) são impulsionados pelo cálculo racional e pela estratégica maximização do ganho ou da satisfação;
(ii) diversas aproximações de base psicológica, desde as anacrónicas visões assentes no pressuposto de tratar-se de personalidades 'a-sociais' ou 'degeneradas', 'criminosas' ou 'desviantes' (Lombroso 1893), passando pelo modelo psicanalítico que tende a encarar a prostituição (prostituta/o e cliente) como o resultado de traumas sexuais no período infantil (Freud, 1959), até àquela que explica as práticas da prostituição a partir dos grupos primários de socialização com os seus respetivos códigos normativos e (sub)culturais marginais;
(iii) uma outra de carácter psicossocial, que se reporta à teoria da privação relativa dos sujeitos-atores (Davies 1962), segundo a qual a prostituição seria explicável a partir do fosso existente entre o atual 'estado mental' ou grau de insatisfação e o potencial ou esperado nível de satisfação das necessidades das prostitutas;
(iv) outras de cariz sociológico, desde a estrutural-funcionalista (Parsons, 1988; Merton, 1970), para quem a prostituição representaria um comportamento desviante, disfuncional ou até patológico, resultante da não-integração desses indivíduos na sociedade, passando pela perspetiva interaccionista que concebe a prostituição como fenómeno resultante de uma série de experiências e interações na construção de identidades negativas e estigmatizadas (Goffman, 1963; Becker, 1968), até modelos organizacionais e de poder (Foucault, 1978);
(v) a visão marxista tradicional, segundo a qual a prostituição seria um fenómeno condicionado pela estrutura social e originariamente decorrente do casamento monogâmico e do patriarcado, que, por sua vez, se interliga com a propriedade privada e o Estado (Engels, 1964);
(vi) por fim, a abordagem feminista, segundo a qual a prostituição é uma consequência da dominação e, eventualmente, da exploração da mulher por parte do homem, com toda a série de representações e estereótipos socialmente construídos (Millet, 1974; Davidoff, 1979; Dubisch, 1986; Amâncio, 1994).
Provavelmente, a via mais adequada para abordar o fenómeno da prostituição consistirá em assumir uma perspetiva pluricausal e pluridimensional (Weber, 1978) que, sem esquecer ou menosprezar os diversos níveis de análise, saiba integrá-los e hierarquizá-los de modo situacional e criativo.
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Como referenciar
Porto Editora – prostituição na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2023-10-04 19:02:06]. Disponível em
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