acordo ortográfico
Introdução
O Acordo Ortográfico visa a elaboração de um conjunto de regras comuns a vários países que partilhem a mesma língua oficial, de forma a haver um modelo único de ortografia, que crie um padrão de uso da língua, quer falada quer escrita, que facilite a sua compreensão entre todos.
No caso da língua portuguesa, uma vez que é uma língua falada em vários países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor sentiu-se a necessidade de criar acordos entre as duas principais ortografias oficiais do português, a europeia e a brasileira, de forma a unificar a língua elaborando o já acima falado modelo ortográfico. Nesse sentido, foram várias as tentativas de unificar e simplificar a língua portuguesa ao longo do século XX, de que se destacam as seguintes datas: 1931, 1943, 1945, 1971, 1973, 1975, 1986 e 1990. Este último sujeito a várias polémicas que atrasaram em mais de uma década a sua aprovação definitiva, que veio a acontecer em 2008.
História
Nos seus primeiros séculos de existência, a língua portuguesa tinha uma ortografia muito variável. Este facto ficava a dever-se a dois fatores, de importância naturalmente variável ao longo do tempo: por um lado, o estatuto secundário do português em relação ao latim fazia com que o ensino da língua vernácula fosse comparativamente descurado e os próprios gramáticos não se ocupassem muito dela; por outro, não havia uma entidade reguladora que promovesse a uniformização da escrita. De resto, as disparidades ortográficas são um fenómeno normal dos processos de formação das línguas.
De qualquer forma, já renascentistas como João de Barros e Duarte Nunes de Leão - numa época em que o latim ia perdendo o seu estatuto privilegiado e, ao mesmo tempo, o português surgia como um dos elementos definidores da consciência nacional - constatavam as inconstâncias da grafia e se preocupavam com elas.
Foi ao longo do século XIX que surgiram vários projetos de reforma ortográfica, mas nenhum chegou a ser posto em prática. Entretanto, era óbvio que a própria evolução da sociedade (com a institucionalização do ensino e a divulgação da imprensa) ia propiciando uma redução da variação ortográfica.
Mas o próprio empenho do Estado na regularização da ortografia - o fator que poderia fazer a diferença, impondo institucionalmente uma norma, nomeadamente através do ensino público - tardou a manifestar-se. Foi somente em 1911 que foi decretada uma reforma, como resultado do trabalho de uma comissão integrada por Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Aniceto Gonçalves Viana, Adolfo Coelho, José Leite de Vasconcelos, Cândido de Figueiredo e outros estudiosos de grande craveira, em que o y foi eliminado, assim como grupos ph, ll e th.
O Brasil aderiu a esta reforma numa primeira fase, mas em 1915 revoga a sua adesão, uma vez que não foi considerada a evolução autónoma do português no Brasil nem os hábitos de escrita que aí se tinham consagrado. Quatro anos mais tarde, a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras iniciam um trabalho conjunto para chegar a uma grafia comum. Os esforços conjugados deram lugar à assinatura de um acordo em 1931, mas que, contudo, nunca foi posto em prática. Como, porém, as divergências permaneciam, foi assinada uma Convenção Ortográfica Luso-Brasileira em 1943, com a publicação de um formulário. Dois anos mais tarde, em 1945, foi lançado um Acordo Ortográfico, que nunca foi ratificado pelo Brasil, que continuou a reger-se por um vocabulário anterior, de 1943. Assim sendo, Portugal passou a reger-se pelo acordo de 1945, enquanto o Brasil continuou a aplicar a convenção de 1943.
Em 1947, foi publicado em Portugal o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves, onde constam as alterações a ter em consideração do acordo de 1945, não tendo sido esquecidas as alusões às divergências linguísticas com o Brasil. Do mesmo autor, saiu em 1966 o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
Em 1971, no Brasil, foi possível proceder-se a uma reforma de âmbito limitado, incidindo fundamentalmente sobre a acentuação, que foi simplificada, como, por exemplo, a supressão do acento nas palavras terminadas em -mente, caso que foi assumido também em Portugal dois anos depois.
Depois do processo de Descolonização, cinco novos Estados surgiram como negociadores e, em 1986, no Rio de Janeiro, José Sarney promove um encontro das comunidades de língua oficial portuguesa - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe -, onde é apresentado o Memorando sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa realizado pelas duas academias. O movimento de uniformização da ortografia portuguesa contou com eles no passo seguinte, em 1990. Nessa altura, foi celebrado um acordo entre a Academia das Ciências de Lisboa, a Academia Brasileira de Letras e representantes dos países africanos de língua portuguesa, acordo que deveria ser ratificado pelas autoridades oficiais dos sete países lusófonos (Portugal aprovou-o no Parlamento e promulgou-o em 1991). Todavia, o acordo suscitou grande polémica entre os linguistas e na população em geral. Em 1996 foi ratificado por Portugal, Brasil e Cabo Verde. Dois anos mais tarde, em Cabo Verde, na Cidade da Praia, foi celebrado o Primeiro Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, que elimina a data concreta para a elaboração de um vocabulário comum e o prazo estabelecido de ratificação do Acordo Ortográfico de 1990. A falta de coesão entre os países lusófonos, pela falta de ratificação do acordo por parte de alguns, levou à celebração de um Segundo Protocolo Modificativo, em 2004, em que constava que bastava a assinatura de três países para a entrada em vigor do Acordo de 1990. Em 2008, apesar dos protestos e polémicas levantadas, foi aprovado o Segundo Protocolo Modificativo pelo Conselho de Ministros português, que depois foi ratificado pelo Presidente da República, possibilitando, desta forma, a entrada em vigor do Novo Acordo Ortográfico de 1990.
O Acordo Ortográfico já se encontra em vigor na ordem jurídica interna desde o dia 13 de maio de 2009, em resultado do depósito do instrumento de ratificação do Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Síntese do Acordo Ortográfico de 1990
O Acordo Ortográfico visa acabar com algumas das divergências ortográficas que existem entre as duas ortografias, a do português europeu e a do português do Brasil, assim como permitir que algumas dessas divergências possam coexistir, atribuindo-se-lhes o nome de duplas grafias. Este acordo é acima de tudo uma tentativa de criação de uma norma ortográfica única, privilegiando a fonética e, assim sendo, aproximando a língua falada da língua escrita.
Principais alterações a ter em conta com a entrada em vigor do novo acordo:
1. Alfabeto da língua portuguesa:
O alfabeto da língua portuguesa passa a ser composto por 26 letras com a introdução oficial do k (capa), w (dâblio ou duplo vê) e y (ípsilon ou i grego). Essas letras já eram usadas em alguns casos, mantendo-se o seu uso inalterado: antropónimos estrangeiros e seus derivados (Darwin, darwinismo), topónimos estrangeiros e seus derivados (Kosovo, kosovar), siglas, símbolos e unidades de medida internacionais (WWW de World Wide Web, km de quilómetro, yd de jarda) e palavras de origem estrangeira de uso corrente (kart, web, yoga).
2. Acentuação gráfica:
O acento agudo é eliminado em palavras graves com ditongo ói (jóia > joia) e na letra u de terminações verbais gue(s), que(s), gui(s) e qui(s) (averigúe > averigue; redargúis > redarguis; delinquís > delinquis).
O acento circunflexo é eliminado em formas verbais graves terminadas em -êem da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo (lêem > leem; dêem > deem).
A diferenciação entre palavras graves homógrafas proclíticas deixa de ser feita através da acentuação aguda ou circunflexa e passa a ser fornecida pelo contexto, como nos seguintes exemplos:
para (forma do verbo parar) e para (preposição)
O automobilista para no sinal vermelho.
A passadeira é para os peões atravessarem em segurança.
pelo (forma do verbo pelar), pelo (nome) e pelo (contração da preposição por + artigo o):
Eu pelo uma castanha.
O gato tem o pelo macio.
Andei a passear pelo Porto.
O acento gráfico passa a ser facultativo nas formas verbais terminadas em -ámos do pretérito perfeito do indicativo na 1.ª pessoa do plural (amámos ou amamos), na forma verbal grave do presente do conjuntivo do verbo dar (dêmos ou demos) e no nome feminino forma com sentido de molde ou recipiente (forma ou fôrma). Em todos estes casos de facultatividade, recomenda-se a adoção das grafias usadas até agora.
Há determinadas alterações ao nível da acentuação que são exclusivas da norma brasileira, a saber: o acento é eliminado em palavras graves com ditongo éi (idéia > ideia), em palavras graves com i e u tónicos, quando precedidos de ditongo (feiúra > feiura), em palavras graves terminadas em o duplo (vôo > voo) e, por fim, o trema que não é usado em Portugal desde 1945, desaparece na variante brasileira (tranqüilo > tranquilo). Apesar desta supressão do trema, este sinal continuará a ser usado, quer no português europeu quer no brasileiro, em vocábulos de origem estrangeira e seus derivados (mülleriano).
O presente acordo também legitima o uso de grafia dupla no caso de: palavras graves ou esdrúxulas com e e o tónicos, seguidos das consoantes nasais m ou n, com as quais não formam sílaba (ténis e tênis; fenómeno e fenômeno); palavras agudas com e e o tónicos, geralmente provenientes do francês, em que há oscilação de pronúncia (bebé e bebê; cocó e cocô); nas palavras agudas terminadas em o fechado (judo e judô; metro e metrô).
3. Sequências consonânticas
As consoantes mudas ou não articuladas são suprimidas e admitem-se as duas grafias quando há oscilação de pronúncia.
Alguns exemplos de supressão da consoante em casos em que não há dúvidas quanto à sua não articulação:
accionar > acionar
colecção > coleção
actual > atual
decepcionar > dececionar
adopção > adoção
assumpção > assunção
óptimo > ótimo
Alguns exemplos em que a sequência consonântica é pronunciada e, por isso, não é eliminada:
ficcional
convicção
bactéria
egípcio
corrupção
adepto
Exemplos de casos de oscilação da pronúncia em que é aceite a grafia dupla:
característica ou caraterística
conceptual ou concetual
interseção ou interseção
setor ou setor
4. Hífen
O hífen é eliminado na maior parte das locuções de uso geral (fim-de-semana > fim de semana), nos compostos em que se perdeu a noção de composição (mandachuva e paraquedas), nas formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver seguidas da preposição de (hás-de > hás de), em palavras formadas por prefixos ou falsos prefixos terminados em vogal e em que o segundo elemento começa por r ou s, duplicando-se estas consoantes (contra-relógio > contrarrelógio; ultra-sónico > ultrassónico), em palavras formadas por prefixos ou falsos prefixos terminados em vogal e em que o segundo elemento começa por vogal diferente (auto-estrada > autoestrada).
O hífen é usado em compostos que designam espécies zoológicas ou botânicas (couve-flor, galinha-da-índia), nas palavras formadas por prefixos ou falsos prefixos quando o segundo elemento começa por h (anti-histamínico), quando o segundo elemento começa pela mesma letra com que termina o prefixo (inter-regional, micro-ondas), nas palavras formadas por elementos acentuados graficamente (pré-fabricação, pós-graduação), em palavras com o prefixo ex- com sentido de anterioridade (ex-diretor), em formações com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, h, m ou n (circum-navegação, pan-africano), em palavras formadas por prefixos que terminam em b ou d e em que o segundo elemento começa por r (ab-rogar, sub-região).
5. Maiúsculas e minúsculas
A minúscula passa a ser obrigatória nos meses do ano (janeiro, dezembro), estações do ano (verão, inverno), pontos cardeais, colaterais e subcolaterais (norte, sul, este), exceto se estes nomes designam uma região geográfica ou quando se usam os correspondentes símbolos, em designações usadas para mencionar alguém cujo nome se desconhece (fulano, sicrano e beltrano) e em axiónimos (senhor doutor, senhor professor).
A maiúscula passa a ser facultativa em disciplinas escolares, cursos e domínios de saber (português/Português), nomes de vias, lugares públicos, monumentos ou edifícios (Rua/rua da Restauração), palavras usadas reverencialmente ou hierarquicamente (Vossa/vossa Excelência/excelência), nomes de livros ou obras, exceto o primeiro elemento e os nomes próprios que se grafam com maiúscula inicial (O Retrato de Ricardina ou O retrato de Ricardina). A tradição do português de escrever nomes comuns com maiúscula inicial pode ser mantida em usos específicos para efeitos de destaque, reverência, ou outros.
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