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Carlos de Oliveira
Poeta e romancista, veio para Portugal com dois anos de idade. Até à sua partida para Coimbra, onde se licenciaria em Ciências Histórico-Filosóficas, a região da Gândara, terra árida e pobre, onde o pai exerceu clínica, marcou profundamente a sua formação, vindo a constituir o cenário privilegiado da sua produção romanesca e poética.
A sua estreia literária, na poesia, com Turismo, em 1942, e, no romance, com A Casa na Duna, em 1943, editados, respetivamente, pelas coleções "Novo Cancioneiro" e "Novos Prosadores", coleções consideradas ambas marcos no processo de afirmação da estética neorrealista, inscreve-o numa tradição literária que, na senda de Afonso Duarte (o "Mestre") ou Miguel Torga, conjuga, temática e formalmente, elementos populares e rurais com uma postura de modernidade.
Colaborou, entre outras publicações, com Vértice, Seara Nova, Altitude, Portucale ou Cadernos do Meio-Dia. Segundo Manuel Gusmão, gerada no neorrealismo, a poesia de Carlos de Oliveira evoluiu em conexão com as várias tendências que marcaram a poesia portuguesa desde os anos 50 e até aos movimentos afirmados após os anos 60, num processo que apontaria para uma expressão onde "a poesia vai assumindo explicitamente a consciência de si como um trabalho específico, vai desagregando o discursivismo anterior, vai encontrando, na fragmentação e na descontinuidade e, ao mesmo tempo, no construtivismo interno, o tempo histórico da nossa contemporaneidade poética" (GUSMÃO, Manuel - A Poesia de Carlos de Oliveira, Lisboa, Ed. Comunicação, 1981, p. 25).
O mesmo crítico divide a produção poética de Carlos de Oliveira em duas fases distintas, embora caracterizadas por certa unidade. Num primeiro momento, que englobaria as obras publicadas até Terra da Harmonia e Ave Solar, a escrita de Carlos Oliveira é marcada pela relação com uma tradição literária, popular e culta, clássica e moderna, numa relação pautada, a nível formal, pelo recurso a formas técnicas firmadas nesta tradição, embora com preferência pelo longo poema narrativo; e, a nível enunciativo, pela correlação entre o sujeito poético e a entidade coletiva ("Acusam-me de mágoa e desalento, / como se toda a pena dos meus versos / não fosse carne vossa, homens dispersos, / e a minha dor a tua, pensamento." ("Colheita Perdida", in Poesias).
Ao mesmo tempo, esse conjunto aponta já para a recorrência de elementos que integram o mundo inorgânico, mineral e cósmico, apresentando uma rede de imagens que se organiza "por uma série de tensões dialéticas entre a realidade e o sonho (o apelo) de uma nova realidade, entre a vida e a morte, entre a esperança e o desespero" (GUSMÃO, Manuel, op. cit., p. 66), numa tentativa ainda de perceber "o que no real é fator de imobilidade (e logo de prolongamento da miséria, da estagnação), fator de decadência" ou fator, raiz, esperança de movimento e de transformação (id. ibi., p. 67).
A segunda fase da sua poesia é pautada por uma "procura intensificada da depuração e da concentração expressiva "(id. ibi., p. 68), tendência que se reflete no "rigor de construção", no estilo mais elíptico e substantivo, mais "minucioso na escolha e ordenação das palavras" (id., ibi., p. 69), sendo que "a menor e regular dimensão dos poemas ou dos seus fragmentos-unidades internas, no caso dos poemas 'compostos', facilitam e produzem uma mais intensa tensão rítmica e expressiva interna".
Neste momento, marcado por um certo pendor auto-reflexivo, "o poema agudiza a consciência de si como trabalho específico sobre materiais próprios e com instrumentos próprios" (id. ibi., p. 70), num privilégio da relação "poesia-escrita", em detrimento da relação "poesia-voz"; ao mesmo tempo que o sujeito poético, privilegiando as referências ao mundo mineral e mineralizado, integra um "processo de 'apagamento'" (id., ibi., p. 72): "Se o poema / analisasse / a própria oscilação / interior, / cristalizasse / um outro movimento / mais subtil, / o da estrutura / em que se geram / milénios depois / estas imaginárias / flores calcárias, / acharia / o seu micro-rigor" ('Estalactite', in Micropaisagem).
Muitos destes traços de caracterização sobre a evolução da estética poética de Carlos de Oliveira transparecem também na escrita romanesca, estabelecendo também, sem pôr em causa o seu empenhamento, em romances como Uma Casa na Duna, Pequenos Burgueses ou Uma Abelha na Chuva, uma abertura relativamente a certos modelos técnico-narrativos que o neorrealismo inicial tinha postergado, como o uso do monólogo interior e da focalização interna, a individualização da personagem (sem recusar o seu carácter de tipo social), ou a intrusão do discurso do narrador.
Sintetizando, no volume O Aprendiz de Feiticeiro, muitas das reflexões sobre a sua postura estética, enumera do seguinte modo os aspetos que o definem como escritor: "a) o meu ponto de partida, como romancista e poeta, é a realidade que me cerca; tenho de equacioná-la em função do passado, do presente e do futuro; e, noutro plano, em função das suas características nacionais ou locais; b) o processo para a transpor em termos literários está sujeito a um condicionamento semelhante ao dela e até ao condicionamento dela [...]; c) é essencial porém não esquecer estas duas coisas: a realidade cria em si mesma os germes da transformação; o processo consiste em [...] captá-los e desenvolvê-los num sentido autenticamente moderno; d) não concebo uma literatura intemporal, nem fora de certo espaço geográfico, social, linguístico; quer dizer, não a vejo inteiramente desligada das condições de tempo, de lugar; [...] o processo, para ter alguma validez, necessita portanto de atender às circunstâncias de época e de país, precisa de ser atual e português; f) não pode ignorar [...] a tradição literária, culta e popular [...]; g) por outro lado, sempre se fez ao longo da história literária aquilo a que chamarei 'transfusão cultural', isto é, emigração de ideias, homens, formas, estéticas, de país para país" (O Aprendiz de Feiticeiro, Lisboa, Dom Quixote, 1971, pp. 93-94).
Escritor que não desistiu de ligar todos os seus pensamentos "ao mundo comum, quotidiano: os objetos, a paisagem, os homens." (ibi., p. 35), e que sempre entendeu "mal a incompatibilidade entre uma ideia ou uma imagem e a busca das palavras que as tornam cintilantes." (ibi., p. 90), na sua obra avultam, em suma, dois traços maiores, o "trabalho oficinal, trabalho que consiste quase sempre em alcançar um texto muito despojado e deduzido de si mesmo, o que [...] obriga por vezes a transformá-lo numa meditação sobre o seu próprio desenvolvimento." (ibi., p. 268), o que conflui tendencialmente num sentido profundo da "brevidade"; e uma problemática unitária: a da "imagem", já que, "mais do que informarem o sentido vital da poesia e de toda a obra de Carlos de Oliveira, as imagens constituem o mais constante corpo teórico e temático da sua obra", seja pelo carácter simbólico ou exegético-divinatório assumido pela descrição, seja globalmente por um "processo total da inscrição imagem / palavra" segundo o "modelo da cifra" (cf. BRANDÃO, Fiama Hasse Pais, "Nexos sobre a obra de Carlos de Oliveira", in Colóquio /Letras, n.º 26, julho de 1975, p. 64).
A sua estreia literária, na poesia, com Turismo, em 1942, e, no romance, com A Casa na Duna, em 1943, editados, respetivamente, pelas coleções "Novo Cancioneiro" e "Novos Prosadores", coleções consideradas ambas marcos no processo de afirmação da estética neorrealista, inscreve-o numa tradição literária que, na senda de Afonso Duarte (o "Mestre") ou Miguel Torga, conjuga, temática e formalmente, elementos populares e rurais com uma postura de modernidade.
Colaborou, entre outras publicações, com Vértice, Seara Nova, Altitude, Portucale ou Cadernos do Meio-Dia. Segundo Manuel Gusmão, gerada no neorrealismo, a poesia de Carlos de Oliveira evoluiu em conexão com as várias tendências que marcaram a poesia portuguesa desde os anos 50 e até aos movimentos afirmados após os anos 60, num processo que apontaria para uma expressão onde "a poesia vai assumindo explicitamente a consciência de si como um trabalho específico, vai desagregando o discursivismo anterior, vai encontrando, na fragmentação e na descontinuidade e, ao mesmo tempo, no construtivismo interno, o tempo histórico da nossa contemporaneidade poética" (GUSMÃO, Manuel - A Poesia de Carlos de Oliveira, Lisboa, Ed. Comunicação, 1981, p. 25).
O mesmo crítico divide a produção poética de Carlos de Oliveira em duas fases distintas, embora caracterizadas por certa unidade. Num primeiro momento, que englobaria as obras publicadas até Terra da Harmonia e Ave Solar, a escrita de Carlos Oliveira é marcada pela relação com uma tradição literária, popular e culta, clássica e moderna, numa relação pautada, a nível formal, pelo recurso a formas técnicas firmadas nesta tradição, embora com preferência pelo longo poema narrativo; e, a nível enunciativo, pela correlação entre o sujeito poético e a entidade coletiva ("Acusam-me de mágoa e desalento, / como se toda a pena dos meus versos / não fosse carne vossa, homens dispersos, / e a minha dor a tua, pensamento." ("Colheita Perdida", in Poesias).
Ao mesmo tempo, esse conjunto aponta já para a recorrência de elementos que integram o mundo inorgânico, mineral e cósmico, apresentando uma rede de imagens que se organiza "por uma série de tensões dialéticas entre a realidade e o sonho (o apelo) de uma nova realidade, entre a vida e a morte, entre a esperança e o desespero" (GUSMÃO, Manuel, op. cit., p. 66), numa tentativa ainda de perceber "o que no real é fator de imobilidade (e logo de prolongamento da miséria, da estagnação), fator de decadência" ou fator, raiz, esperança de movimento e de transformação (id. ibi., p. 67).
A segunda fase da sua poesia é pautada por uma "procura intensificada da depuração e da concentração expressiva "(id. ibi., p. 68), tendência que se reflete no "rigor de construção", no estilo mais elíptico e substantivo, mais "minucioso na escolha e ordenação das palavras" (id., ibi., p. 69), sendo que "a menor e regular dimensão dos poemas ou dos seus fragmentos-unidades internas, no caso dos poemas 'compostos', facilitam e produzem uma mais intensa tensão rítmica e expressiva interna".
Neste momento, marcado por um certo pendor auto-reflexivo, "o poema agudiza a consciência de si como trabalho específico sobre materiais próprios e com instrumentos próprios" (id. ibi., p. 70), num privilégio da relação "poesia-escrita", em detrimento da relação "poesia-voz"; ao mesmo tempo que o sujeito poético, privilegiando as referências ao mundo mineral e mineralizado, integra um "processo de 'apagamento'" (id., ibi., p. 72): "Se o poema / analisasse / a própria oscilação / interior, / cristalizasse / um outro movimento / mais subtil, / o da estrutura / em que se geram / milénios depois / estas imaginárias / flores calcárias, / acharia / o seu micro-rigor" ('Estalactite', in Micropaisagem).
Muitos destes traços de caracterização sobre a evolução da estética poética de Carlos de Oliveira transparecem também na escrita romanesca, estabelecendo também, sem pôr em causa o seu empenhamento, em romances como Uma Casa na Duna, Pequenos Burgueses ou Uma Abelha na Chuva, uma abertura relativamente a certos modelos técnico-narrativos que o neorrealismo inicial tinha postergado, como o uso do monólogo interior e da focalização interna, a individualização da personagem (sem recusar o seu carácter de tipo social), ou a intrusão do discurso do narrador.
Sintetizando, no volume O Aprendiz de Feiticeiro, muitas das reflexões sobre a sua postura estética, enumera do seguinte modo os aspetos que o definem como escritor: "a) o meu ponto de partida, como romancista e poeta, é a realidade que me cerca; tenho de equacioná-la em função do passado, do presente e do futuro; e, noutro plano, em função das suas características nacionais ou locais; b) o processo para a transpor em termos literários está sujeito a um condicionamento semelhante ao dela e até ao condicionamento dela [...]; c) é essencial porém não esquecer estas duas coisas: a realidade cria em si mesma os germes da transformação; o processo consiste em [...] captá-los e desenvolvê-los num sentido autenticamente moderno; d) não concebo uma literatura intemporal, nem fora de certo espaço geográfico, social, linguístico; quer dizer, não a vejo inteiramente desligada das condições de tempo, de lugar; [...] o processo, para ter alguma validez, necessita portanto de atender às circunstâncias de época e de país, precisa de ser atual e português; f) não pode ignorar [...] a tradição literária, culta e popular [...]; g) por outro lado, sempre se fez ao longo da história literária aquilo a que chamarei 'transfusão cultural', isto é, emigração de ideias, homens, formas, estéticas, de país para país" (O Aprendiz de Feiticeiro, Lisboa, Dom Quixote, 1971, pp. 93-94).
Escritor que não desistiu de ligar todos os seus pensamentos "ao mundo comum, quotidiano: os objetos, a paisagem, os homens." (ibi., p. 35), e que sempre entendeu "mal a incompatibilidade entre uma ideia ou uma imagem e a busca das palavras que as tornam cintilantes." (ibi., p. 90), na sua obra avultam, em suma, dois traços maiores, o "trabalho oficinal, trabalho que consiste quase sempre em alcançar um texto muito despojado e deduzido de si mesmo, o que [...] obriga por vezes a transformá-lo numa meditação sobre o seu próprio desenvolvimento." (ibi., p. 268), o que conflui tendencialmente num sentido profundo da "brevidade"; e uma problemática unitária: a da "imagem", já que, "mais do que informarem o sentido vital da poesia e de toda a obra de Carlos de Oliveira, as imagens constituem o mais constante corpo teórico e temático da sua obra", seja pelo carácter simbólico ou exegético-divinatório assumido pela descrição, seja globalmente por um "processo total da inscrição imagem / palavra" segundo o "modelo da cifra" (cf. BRANDÃO, Fiama Hasse Pais, "Nexos sobre a obra de Carlos de Oliveira", in Colóquio /Letras, n.º 26, julho de 1975, p. 64).
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Como referenciar
Porto Editora – Carlos de Oliveira na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-12-08 03:16:18]. Disponível em
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