Cartas a Sandra
Obra inacabada de Vergílio Ferreira (1916-1996), Cartas a Sandra (1996) oferece-nos algumas das mais belas páginas do género epistolar usado na estratégia romanesca.
Abrindo com uma "Apresentação" assinada por Xana, a Alexandra, filha de Paulo e de Sandra, de Para Sempre, as dez cartas que se seguem são uma espécie de diálogo final de amor e encantamento pela mulher amada, que já antes surgira sob a máscara de outras personagens como a de Mónica de Em nome da terra ou de Oriana de Até ao fim. O próprio Vergílio Ferreira afirma em Conta-Corrente, "Dispersei Sandra por outras figuras femininas, era agora a altura de a esgotar por fim e rasurá-la da imaginação" (Conta-Corrente, Nova Série II, Lisboa, Bertrand, 1993, p.377).
Surgindo como desabafos amorosos, quando a comunicabilidade já não é possível, Cartas a Sandra presentifica a mulher morta a quem Paulo necessita de se dirigir, mesmo sentindo que ela já não está com ele. Por isso lhe diz "Querida Sandra. De vez em quando volto a perguntar-te porque te escrevo. Sei naturalmente que é para estar contigo."
Constituindo uma espécie de despedida, estas Cartas a Sandra contêm uma história sobre a vida, mas, sobretudo, sobre o sentido da morte e da existência humana. Paulo questiona a validade da vida e da morte, afirmando em determinado momento, "Sandra. Hoje a obsessão foi mais forte. Escrever-te. A nossa história que contei parecia-me intocável. Princípio e fim de nós nela, a tua morte selara-a para sempre. E todavia é nessa eternidade que a tua memória me perturba e a imagem terna do teu encantamento."
Sandra vive nos pensamentos de Paulo como, provavelmente, nos do próprio autor. Mulher, companheira, amante, mãe e deusa, Sandra é, segundo alguns críticos, o retrato do amor ideal; segundo outros, o alter-ego de Vergílio; e para outros, ainda, a própria escrita. Mas qualquer destas hipóteses apenas mostram que a magia da intimidade permanece para lá da galeria das personagens criadas pelo escritor.
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