complemento circunstancial
Na gramática tradicional, o "complemento circunstancial" é a função sintática que designa um complemento verbal ou frásico que se relaciona com o verbo de forma não obrigatória, isto é, que constitui um complemento facultativo, independente do verbo. É realizado por sintagmas nominais (SN), sintagmas adverbiais (SADV), ou sintagmas preposicionais (SP):
i) Esta manhã (SN) houve uma invasão no Iraque.
ii) O barco descia o rio lentamente (SADV).
iii) Pintam telas com tinta da china (SP).
O complemento circunstancial exprime sempre uma circunstância, como se pode ver na tabela que se segue:
Lugar - Neste país as pessoas adoram futebol.
Tempo - Todos os anos havia baile na aldeia.
Modo - Subiu a ladeira com muito esforço.
Causa - Não foi ao concerto por falta de dinheiro.
Fim - Esse carro não é para venda.
Meio - Atravessámos o rio de bote.
Instrumento - Bata os ovos com a batedeira.
Matéria - O vestido foi bordado a ouro.
Companhia - Vivia com dois colegas estrangeiros.
Preço - O apartamento custou muito dinheiro.
Peso - O touro pesa meia tonelada.
O estatuto deste complemento dentro da gramática tradicional é pouco claro. Por um lado, abrange os complementos dependentes do verbo, que não podem ser retirados nem deslocados, como os complementos preposicionais (ou complementos diretos preposicionados), que na verdade são complementos obrigatórios do verbo:
iv) Duvidava da sua existência.
v) *Da sua existência duvidava.
vi) *Duvidava.
vii) Moro no Porto.
viii) *No Porto moro.
ix) *Moro.
Por outro lado, inclui os complementos exteriores ao verbo, não dependentes, não obrigatórios (suprimíveis de deslocáveis), esses verdadeiramente circunstanciais:
x) Às vezes vejo um filme policial.
xi) Vejo um filme policial.
xii) Vejo, às vezes, um filme policial.
xiii) Encontrei-o (na sua casa de praia), (em Moledo).
xiv) Encontrei-o.
xv) Em Moledo, encontrei-o na sua casa de praia.
A aparente indefinição e abrangência desta função sintática no quadro da gramática tradicional levou a uma atualização do seu estatuto teórico levada a cabo pela gramática generativa e pela gramática de valências.
A gramática generativa redefiniu o complemento circunstancial atribuindo-lhe a designação de oblíquo, função sintática mais abrangente que se divide em argumentos obrigatórios do verbo (ou complementos) e argumentos facultativos do verbo (ou adjuntos). As frases iv) e vii) contêm exemplos de oblíquos que são complementos do verbo, ao passo que as frases x) e xiii) contêm sintagmas com função de oblíquo que são adjuntos do verbo.
A gramática de valências especializou os complementos circunstanciais obrigatórios do verbo, designando-os por actantes. Consoante a especialidade semântica desses actantes, atribuiu-lhes um número. Os complementos circunstanciais que constituem argumentos obrigatórios, e por isso, não suprimíveis e não deslocáveis são, segundo este quadro teórico, os seguintes:
Tipo de actante
A4
Designação: complemento preposicional
Exemplo: Não gosto de bolo de cenoura.
A5
Designação: complemento locativo/situativo
Exemplo: Eles vivem em Inglaterra.
A6
Designação: locativo direcional
Exemplo: O João vai para Madrid.
A7
Designação: complemento temporativo
Exemplo: Marcaram a reunião para terça-feira.
A8
Designação: complemento de medida, duração, preço
Exemplos: O João mede um metro e oitenta. / O congresso durou uma semana. / Este livro custa cinquenta euros.
A9
Designação: complemento de modo
Exemplos: Esta flor cheira bem. / Eles portaram-se mal.
Quanto aos argumentos que são efetivamente facultativos, não dependentes do verbo, suprimíveis e deslocáveis, a gramática de valências optou por atribuir-lhes o estatuto de circunstantes, opondo-se aos actantes, verdadeiros complementos do verbo. São exemplos de circunstantes, os complementos circunstanciais contidos nos exemplos x) e xiii).
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