Fim do Antigo Regime em Portugal
Vários fatores explicam o desenvolvimento de um processo de longa duração que provocará mudanças significativas no panorama social do reino português.
A ascensão da burguesia comercial e financeira, aliada a fortes tensões sociais provocadas pela manutenção do monopólio da nobreza no controlo dos cargos mais importantes do Estado, a desigualdade de oportunidades quanto à posse de propriedade, e as más condições de vida das classes populares criaram o ambiente para que o Antigo Regime começasse a desintegrar-se.
Estas tensões sociais corresponderam a graves desajustamentos económicos que resultaram no aparecimento, no final do século XVIII, de revoluções liberais lideradas pela burguesia, interessada em acabar com os regimes monárquicos absolutistas de forma a intervir diretamente na condução dos destinos das nações.
Em meados deste século surgiu em grande força o absolutismo despótico, uma nova versão do absolutismo insuflada pelos princípios da filosofia iluminista, por direta influência de uma tendência de fortalecimento do poder real, segundo o qual todos os interesses estavam submetidos à "razão de Estado".
Na sequência do afastamento do Marquês de Pombal (após a morte de D. José e com o movimento da "Viradeira"), no tempo de D. Maria I, apareceram tendências políticas menos autoritárias, mantendo-se o despotismo esclarecido, ou, pelo menos, o absolutismo.
A sociedade cortesã portuguesa era mantida pela Corte de D. Maria I. A rainha fazia-se acompanhar de altos membros do clero, uma classe muito protegida pela sua governação, e favorecia a alta nobreza que agraciava com os mais elevados cargos da nação. A burguesia pombalina continuava a investir na sua escalada social e económica com o desenvolvimento de atividades bastante lucrativas relacionadas com a indústria, o investimento no comércio e na agricultura, encontrando-se no entanto ainda muito debilitada dado que os seus membros ansiavam ascender a um estatuto semelhante ao da nobreza. No fundo, não havia, neste grupo, uma verdadeira consciência social. A burguesia estava presa aos valores de uma sociedade tradicional e, por isso mesmo, procurava nobilitar-se e adquirir bens de raiz, numa tentativa de se equiparar à aristocracia.
Esta mentalidade retardou a contestação do regime senhorial, que irá conduzir, mais tarde, à desintegração do Antigo Regime.
As críticas ao regime vinham essencialmente do Norte e do Centro do país, onde se incentivava a implementação de reformas e se apresentavam argumentos de ordem económica e política contra este modelo de governação autoritário.
Na Europa faziam-se ouvir os ecos da Revolução Francesa de 1789, e em Portugal eram introduzidas algumas medidas de carácter liberal. No entanto, no nosso país, a oposição ao absolutismo não foi, inicialmente, muito acentuada já que a estrutura social era ainda bastante conservadora e fortemente ligada a padrões comportamentais tradicionais. Por outro lado, existem também motivos de ordem económica que explicam este retardar da implantação da nova ideologia em Portugal. Havia, de longa data, como que um "acordo recíproco" entre estes dois grupos sociais, ou melhor, entre a burguesia e a nobreza absolutista que se manifesta de duas formas. Por um lado, há em Portugal uma tradição do funcionamento da atividade económica reveladora de uma curta complementaridade, perfeitamente notória no âmbito comercial; a burguesia funcionava com frequência como agente comercial da nobreza mais apostada em recusar envolver-se diretamente no negócio. Por outro lado há que ter em conta a questão do Brasil. Aquele território sul-americano era o garante da prosperidade comercial portuguesa.
Enquanto o estado absoluto mantivesse afastados os concorrentes (isto é, os ingleses) a coberto do "exclusivo colonial" as coisas corriam satisfatoriamente. Contudo, as Invasões Francesas, e as consequentes cedências à Grã-Bretanha (nomeadamente a abertura dos portos brasileiros), provocaram uma onda de descontentamento entre os meios burgueses e a solidariedade quebrou-se. A conspiração começou a alastrar.
A Maçonaria, uma organização secreta cujos membros são designados por "pedreiros livres" (do termo "maçons"), inspirada pelas ideias iluministas, foi um dos elementos mais ativos na introdução e adoção do liberalismo. Esta atividade secreta foi combatida pelos poderes instituídos, pois os "maçons" eram considerados elementos subversivos, contestatários da sociedade tradicional e do absolutismo.
A ideologia liberal foi difundida por outros meios. A Imprensa, sobretudo a periódica, foi um dos mais importantes veículos transmissores desta nova ideologia política, principalmente através do jornal "A Gazeta de Lisboa", que claramente apoiava as reformas mais profundas. Pina Manique, o intendente da Polícia, exercia um apertado controlo sobre a circulação de qualquer tipo de literatura considerada pró-liberal, especialmente a de origem francesa.
Na Corte portuguesa e mesmo fora dela, as influências francesa, inglesa e espanhola eram bastante notórias; todavia, não passavam de modas. Queluz era o Palácio de Versalhes à escala nacional, e um bom exemplar da decadência do ambiente das cortes europeias deste período, tal como em Espanha e em França antes de 1792. O governo e o príncipe regente eram sumariamente caracterizados pela insegurança na tomada de decisões, medo e incapacidade de acompanhar as mudanças operadas no final do século. Este decadente ambiente cortesão acabaria por contribuir para debilitar a já frágil sustentação de um modelo social e de um regime político em vias de se desintegrar.
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