Luuanda
Luuanda (1963), da autoria de Luandino Vieira (1935-), é uma obra histórica, vista como um autêntico livro de rutura, rutura com a norma portuguesa.
Pelo seu cariz inovador, mereceu o reconhecimento geral e foi galardoado com dois importantes prémios - 1º Prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga, atribuído em Luanda em 1964, e o 1º Prémio do Grande Prémio da Novelística, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, em Lisboa, em 1965.
Luuanda é composto por três histórias - ou "estórias", como o próprio Luandino Vieira gosta de as retratar: "Vavó Xíxi e seu neto Zeca Santos", "A estória do ladrão e do papagaio" e "A estória da galinha e do ovo".
Todo o texto de Luuanda apresenta-se com uma forte dramatização, teatralização, onde toda a narrativa nos descreve e dá a conhecer o espaço angolano, sempre em contraste absoluto com o espaço do homem branco - os prédios, as casas, as ruas asfaltadas e limpas, o espaço claro e arejado.
As "estórias" de Luuanda retratam as coisas do dia a dia dos musseques angolanos: as histórias das famílias, o ambiente caótico, de confusão, que a própria arquitetura do musseque representa; o confronto de ideias e comportamentos entre novos e velhos e entre pretos e brancos que lá entravam por diversos motivos: inspecionar os andamentos, cobrar as rendas, policiar os desacatos, etc.
Ao falar deste dia a dia, deste quotidiano angolano em todos os seus aspetos, com todas as suas misturas, com todas as suas vivências diárias e mais banais, Luuanda vem às bancas marcar o início do estabelecimento de uma norma angolana - já não a norma portuguesa.
De facto, é o mais perfeito espelho do início de uma escrita tipicamente angolana, e Luandino Vieira é o mestre que lança as bases de um texto de e para a vida angolana: as "estórias" são a vida típica do musseque de Luanda, as personagens são o retrato fiel dos homens, mulheres e crianças angolanas - a prostituta, o merceeiro, as crianças na rua, os animais, os donos dos musseques, os velhos sábios, etc. -, as questões tratadas são as que aquele povo sente e vivencia no seu dia a dia - os confrontos de gerações (os mais velhos são os mais sábios; os mais novos estão em estado de aprendizagem), as dúvidas, os desejos de um mundo mais igual.
Para retratar tudo isto em Luuanda e com o intuito de finalmente dar voz aos angolanos, Luandino Vieira funda uma nova linguagem onde se mistura o português com inúmeras palavras e expressões em quimbundo. Só falando a mesma linguagem o texto teria acesso ao homem do musseque; só falando a mesma língua a mensagem a passar teria significado. Se havia que falar das coisas angolanas e dar voz àquele povo, então que fosse na sua língua própria, numa linguagem que eles reconhecessem e com a qual se identificassem.
Ao lermos Luuanda percebemos que a linguagem utilizada é híbrida, mistura entre o português e o quimbundo, porque assim é o homem de que Luuanda fala: é angolano, mas está perfeitamente influenciado pelo português colonizador.
Assim sendo, Luuanda mostra-nos exatamente esta mistura de dois mundos:
- o português é a língua dominante e bem estabelecida, utilizada pelas personagens que representam os colonizadores - os administradores portugueses, os comerciantes dos musseques, os patrões;
- o quimbundo é a língua do povo do musseque, nas suas conversas, nos seus apartes e nos seus contos.
Para além deste grande tópico da nova linguagem, temos também acesso a outras duas grandes dicotomias que estruturam o processo textual deste grande escritor angolano:
- a VERDADE e a MENTIRA: a Verdade do povo angolano é aqui refletida pelas suas fábulas, as suas crenças e os seus ensinamentos; a Mentira é revelada pela presença e descrição de uma civilização que procura, constantemente, afundar as raízes de identidade própria de Angola e implantar a lei portuguesa.
- o PASSADO e o PRESENTE: o texto mostra-nos claramente o crioulismo vivencial do antigamente - a sã mistura dos homens angolanos e a sua paz quotidiana - contrastando com o racismo existente nos tempos modernos.
Luuanda foi, assim, um claro prenúncio de uma literatura angolana autêntica: lança uma revolução na linguagem literária; apresenta-nos uma autenticidade cultural; fala-nos das massas populares; fixa, enfim, a realidade de Luanda.
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