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monaquismo
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O Monaquismo nas religiões orientais - budismo, hinduísmo, xintoísmo, taoísmo... - não possui características idênticas ao do Ocidente. Assim, é menos institucional, pouco ou nada clericalizado e sem prescrições rígidas ou normativas inflexíveis. Por exemplo, o celibato não é tido em conta entre aquelas formas de monaquismo. Há maior flexibilidade de vida, experiências de ascese individualizadas e pouco vigiadas, sem ordens ou vínculos entre comunidades. A magia e as ciências ocultas são praticadas e favorecidas entre os monges asiáticos, bem como formas de destreza física ou técnicas de defesa pessoal.
Mas foi na Cristandade que o monaquismo assumiu formas de vida mais influentes e civilizadoras. Aparecido no começo do século IV na Ásia Menor, o movimento cenobítico foi o ponto de partida de estruturas solidamente constituídas. Nesse mesmo século, o termo monachos designava homens que viviam como anacoretas, mais tarde em comunidades, com uma dignidade comparável à do clero. A vida desses ascetas era de renúncia, não consumindo nem vinho nem carne, mantendo também uma castidade rigorosa. O anacoreta, definido por S. Antão (ou S. António Abade) na sua Vida escrita por Atanásio (séc. IV), estava votado a uma ascese de perfeição, afastado do mundo. Uns viviam de forma solitária, outros em pequenas comunidades, cada um numa gruta, em torno de um templo, lugar de oração comum. Assim nasceu a Laura, lugar de perfeição, a que S. Sabas deu uma Regra no século IV.
Na Igreja Oriental, o monaquismo estruturou-se enquanto forma de vida religiosa com S. Sabas, a partir do exemplo do mosteiro de Tabennis, junto ao Nilo, no Egito (fundado em 320). Por essa altura, S. Basílio, bispo de Cesaréia da Capadócia, lançava os fundamentos da organização monástica, dando grande ênfase à vida espiritual dos monges, separados do mundo, e insistindo nos três polos essenciais do monaquismo: pobreza, castidade e caridade fraternal. Foram estes os vetores essenciais de toda a vida monástica ulterior na Igreja do Oriente. Os concílios emendaram as lacunas dos textos de S. Basílio, desde Nicéia I (325) a Cartagena (419). Também Justiniano (séc. VI), imperador do Oriente, legislou acerca da vida monacal, que tinha e tem - uma grande influência religiosa e eclesiástica e um peso social elevados (como se viu na célebre Querela dos Iconoclastas, no séc. VIII). Os monges no Oriente pertencem todos a uma mesma "família", sem ordens nem distinções claras entre monges de coro e outros. Os monges, ditos "gregos", devem pronunciar, segundo S. Basílio, os votos perpétuos de obediência, castidade e pobreza.
Monge budista
No Ocidente, o monaquismo teve uma origem oriental. De facto, a vida religiosa do Oriente expandiu-se para Ocidente a partir do século IV, tendo tido divulgadores tão famosos como S. Ambrósio, bispo de Milão, na Itália, ou S. Martinho de Tours, na Gália. Mas foi na Irlanda, facto de relevo e bastante curioso e singular, que o monaquismo conheceu uma implantação mais forte, aparecendo no século VI uma rede de mosteiros notável, de que o mais célebre era Bangor, perto de Belfast, fundado por S. Comgall, c. 588. Das suas fileiras saíram monges famosos como S. Columbano ou S. Galo (Gall ou Gallen), que estiveram na origem de importantes movimentos monásticos e evangelizadores na Gália e nas regiões alpinas.
Mas foi em Itália que surgiu a mais proeminente e decisiva figura do monaquismo até aos dias de hoje. S. Bento de Núrsia (sécs. V-VI), o "pai" dos monges do Ocidente e padroeiro da Europa, como ainda hoje é. Foi o primeiro a escrever uma regra para os monges, aplicável a todas as fundações - até então desordenadas e com formas de vida pouco monásticas - e acabando com a confusão. Por outro lado, recorde-se que a Europa estava na ressaca das invasões germânicas, do fim do Império Romano, da ordem e da pax e entregue a incursões de rapina e destruição. Bento escreveu por isso uma Regra sábia, equilibrada e comedida, adaptável às várias circunstâncias locais e regionais onde se instalavam mosteiros. Estes passam a nortear-se por valores de estabilidade e permanência, de trabalho manual e intelectual, de ascese e de contemplação, ainda que em menor grau do que no monaquismo oriental. A observância da Regra Beneditina pelos mosteiros fundados na Gália por S. Columbano, contribuiu para a difusão do espírito monástico beneditino. Mais tarde, S. Bento de Aniane, com apoio dos carolíngios, e a Ordem beneditina de Cluny cimentarão ainda mais a experiência da Regra de S. Bento na Europa, continuada ao longo da Idade Média por outras ordens, como Cister. Outras observâncias monásticas implantaram-se ainda nesse período na Cristandade, sempre inspiradas no modelo beneditino e do seu binómio vetorial: oração e trabalho (ora et labora).
Em termos de ação civilizadora do monaquismo, há que recordar o trabalho dos monges nos scriptoria e bibliotecas, que fez com que as obras maiores da Antiguidade se salvassem de desaparecer, tal era a desordem e turbulência na Europa em certos períodos da Idade Média. Também muitos dos mais iminentes pensadores medievais era monges, como S. Bernardo, Abelardo, Beda, Alcuíno, S. Pedro Damião ou S. Romualdo, entre outros. Na arte, na arquitetura e na moral também se destacaram os monges, humanizando a Europa, transformando desertos e terras estéreis e desabitadas em verdadeiros jardins cultivados e locais aprazíveis. Outras realizações, como o champagne, por exemplo, os licores, as doçarias, as práticas domésticas e arquivístico-biblioteconómicas, bem como de administração e gestão fundiária, técnicas agro-mineiras e artesanais, foram uma "invenção" monástica. Não só materialmente mas também quotidianamente as ordens monásticas influenciaram o curso de vida das populações em torno de mosteiros, onde existiam as escolas monásticas, que algumas se viriam a tornar grandes centros culturais e universitários.
Sobrevivendo à decadência e materialização da Idade Média, aos ventos agrestes da Reforma Protestante no século XVI, o monaquismo soube aproveitar o balanço renovador e reestruturador do Concílio de Trento (1545-1563) e relançar-se, adotando o modelo das congregações - como aconteceu em Portugal, com as congregações de S. Bento e de Alcobaça (esta de cistercienses). O ceticismo e os exageros do século XVII, coroados pelo racionalismo das Luzes e da sua luta contra o sagrado e o religioso, coroado pela Revolução Francesa, deram um golpe duro no monaquismo ocidental. Que acabou, todavia, por sobreviver, em ambos os ramos, masculino e feminino, e redimensionar-se, ao longo do século XIX, apesar da hostilidade do liberalismo e dos resquícios laicistas e anticlericais da Ilustração. As crises de meados do século XX, que também em Portugal surgiram aquando da implantação da República, não impediram o sentido de renascimento do monaquismo, que ganhou até uma vitalidade inesperada, principalmente em países sem tradição monacal, como os EUA, Canadá, Japão, Vietname, México, Filipinas e a sempre surpreendente Inglaterra (católica em cerca de 12 % da população total). Mesmo entre Anglicanos e Luteranos as experiências monásticas têm atingido níveis surpreendentes. A Segunda Guerra Mundial serviu de ponto de viragem em muitos indivíduos, que entraram para sempre, desiludidos com o mundo, para o mundo claustral, onde o silêncio teima em imperar. Assim o fez, por exemplo, o piloto americano, do avião Enola Gay, que largou a tristemente célebre bomba atómica Little Boy sobre Hiroxima, recolhendo-se para uma cartuxa no sul de Itália até aos nossos dias.
Em Portugal, o monaquismo existe desde o século VI-VII, tanto feminino como masculino, tendo hoje como grande zénite a abadia beneditina de Singeverga (S. Tirso).
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Como referenciar
Porto Editora – monaquismo na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-10-11 03:21:20]. Disponível em
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