2 min
O Livro de Cesário Verde
Compilação póstuma de poesias de Cesário Verde escritas entre 1873 e 1886, organizada e posfaciada por Silva Pinto, da qual se fez uma primeira edição, em 1887, para oferta a amigos do escritor, e uma segunda edição, em 1901, destinada ao público. A edição princeps de O Livro de Cesário Verde é constituída por 22 composições, repartidas por duas secções, "Crise romanesca" e "Naturais", sem que se saiba se essa divisão obedeceu a indicações do próprio autor ou ao critério do compilador. Apesar de omitir várias poesias de Cesário contempladas em antologias posteriores, a recolha é representativa das várias tendências convergentes na obra poética do autor. Baseando-se na representação pictórica e na descrição plástica da realidade, apoiada no predomínio das sensações ("Lavo, refresco, limpo os meus sentidos./ E tangem-me, excitados, sacudidos,/ O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!"), no que se aproxima do Parnasianismo e do Realismo, Cesário supera, todavia, a captação fotográfica do real, através de um processo de recriação poética que opera uma transfiguração do imediato: "Subitamente - que visão de artista ! -/ Se eu transformasse os simples vegetais,/ À luz do sol, o intenso colorista,/ Num ser humano que se mova e exista/ Cheio de belas proporções carnais?!" ("Num bairro moderno"). A estética anti-romântica e naturalista ("E eu que medito um livro que exacerbe,/ Quisera que o real e a análise mo dessem;") patenteia-se nos motivos da mulher soberba e impassível ("Deslumbramentos", "Frígida"), da cidade mórbida e industrial ("O sentimento dum ocidental", "Num bairro moderno"), ambos de influência baudelairiana, na correção da subjetividade pelo distanciamento e a ironia ("Cristalizações"), na visão não convencional do campo, marcada pela experiência pessoal ("Em petiz", "De verão", "Nós", "De tarde"). Esta transmudação impressionista ou fantasista da realidade apoia-se num estilo inovador, precursor do Simbolismo, no qual, de entre muitos aspetos, salientaremos o uso da sinestesia ("Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;/ Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura"), do advérbio ("Amareladamente, os cães parecem lobos"; "Um forjador maneja um malho, rubramente"), da hipálage ("Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia"; "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno") e do assíndeto ("Vê-se a cidade, mercantil, contente:/ Madeiras, águas, multidões, telhados!").
Em suma, a obra poética de Cesário Verde é caracterizada pelo domínio perfeito da língua, riqueza e precisão do vocabulário, rigor e originalidade na adjetivação. Recorrendo também ao verso e estrofe de características tradicionais, o autor cultivou fundamentalmente o soneto em versos decassílabos e alexandrinos, estes últimos, segundo o próprio, caracterizados pelo rigor geométrico e pela sobriedade. Tentando encontrar a "perfeição do fabricado" (parnasianismo) e transmitir " o ritmo do vivo e do real" (realismo), como um realizador cinematográfico, o autor, surpreendendo os instantâneos do quotidiano de Lisboa, regista o pulsar do coração da cidade que, vencendo "o Tempo e a Morte", resiste e sobrevive.
Em suma, a obra poética de Cesário Verde é caracterizada pelo domínio perfeito da língua, riqueza e precisão do vocabulário, rigor e originalidade na adjetivação. Recorrendo também ao verso e estrofe de características tradicionais, o autor cultivou fundamentalmente o soneto em versos decassílabos e alexandrinos, estes últimos, segundo o próprio, caracterizados pelo rigor geométrico e pela sobriedade. Tentando encontrar a "perfeição do fabricado" (parnasianismo) e transmitir " o ritmo do vivo e do real" (realismo), como um realizador cinematográfico, o autor, surpreendendo os instantâneos do quotidiano de Lisboa, regista o pulsar do coração da cidade que, vencendo "o Tempo e a Morte", resiste e sobrevive.
Partilhar
Como referenciar
Porto Editora – O Livro de Cesário Verde na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-12-05 00:29:44]. Disponível em
Outros artigos
-
Cesário VerdeA poesia de Cesário Verde, prefiguradora de uma modernidade estética e só inteiramente reconhecida a...
-
SimbolismoIntroduçãoArtes Plásticas e DecorativasLiteraturaIntrodução O Simbolismo foi um movimento artístico ...
-
Silva PintoCrítico literário, ensaísta, dramaturgo e romancista português, da segunda metade do século XIX, nas...
-
Desengano de PerdidosA obra de espiritualidade Desengano de Perdidos, publicada em Goa pelo bispo missionário Frei Gaspar
-
Minha Senhora de MimCumpre relembrar, na abordagem da poesia de Maria Teresa Horta, uma análise de Fernando J. B. Martin
-
Ramo de floresColetânea de poesias líricas, de João de Deus, onde sobressai a temática amorosa ("Sede de amor", "E
-
O DelfimRomance da autoria de José Cardoso Pires. A narrativa gira em torno da misteriosa morte da esposa de
-
Este Livro Que Vos DeixoAs duas edições póstumas de Este Livro Que Vos Deixo, de 1969 e 1970, da autoria de um poeta popular
-
O Pobre de PedirO último livro de Raul Brandão, redigido alguns meses antes da sua morte e publicado postumamente, d
-
Tempo de OrpheuReúne Elogio da Paisagem, As Treze Baladas das Mãos Frias, Mais Alto e Ânfora. O título da coletânea
Partilhar
Como referenciar
Porto Editora – O Livro de Cesário Verde na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-12-05 00:29:44]. Disponível em