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O Novo Romance
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Dividida em cinco capítulos ("O Novo Romance e o Novo Homem", por Alfredo Margarido; "Situação do Novo Romance na Literatura Atual" (Montagem de Textos de Artur Portela); "Michel Butor, Claude Simon e Nathalie Sarraute Depõem sobre o Novo Romance"; "Textos Teóricos de Michel Butor, Nathalie Sarraute e Alain Robbe-Grillet" e "A Crítica Portuguesa e o Novo Romance"), que compaginam a reflexão teórica de Alfredo Margarido e Artur Portela Filho com intervenções e excertos críticos de autores franceses, esta obra constitui um manifesto em defesa do nouveau roman, tendência do romance contemporâneo que conjuga determinados traços negativos comuns face ao romance tradicional, como a recusa de introduzir uma explicabilidade ou causalidade na ação, a preferência do objetivo e da perceção ótica sobre a omnisciência, ou a desconstrução do romance. Romance de rutura, subordinado, segundo Alfredo Margarido (cf. cap. I), a um imperativo existencial pelo qual "o que importa no romance não é já o seu condicionamento aos valores aceites, mas antes a violência exercida sobre os modelos essencialistas do romance burguês que o leitor espera como uma validação do seu próprio mundo, onde os valores "são" imutáveis. [...] Recusando-se a ser o elemento redutor de uma consciência alienada, o romance ganha para si (e em si) uma forma muito peculiar, que decerto o torna impopular, pois o seu consumo não é já um 'divertimento', antes exige a revisão contínua dos processos intelectuais e das formas de alienação que pesam sobre a sociedade." (p. 27). O estranhamento é produzido pela transformação do leitor e do narrador em puros observadores de um espetáculo relatado com secura; pela apresentação das coisas em si, desprovidas de qualquer sentido que não seja a sua própria existência; pela "redução da distância entre o ato de escrever e a existência-afirmação do próprio objeto" e pela ausência de noções temporais e espaciais que situa as personagens num vácuo destituído de regras de comportamento social. "Varrendo do espaço romanesco os signos do romance burguês" (p. 92), é definido, por Bernard Pingaud (pp.137-142) como uma "escola da recusa": recusa da personagem, quer pela relevância que o mundo exterior ganha, quer pela submissão do mundo exterior à consciência; recusa da intriga como eixo do discurso narrativo, recusa de submissão a uma preocupação psicológica, moral ou ideológica. Ao mesmo tempo, a ausência de referências precisas introduz no romance uma atmosfera enigmática e desconcertante, que beneficiou das aquisições do romance policial, para fazer adensar a suspeita de "que tudo é falso, a ordem da sociedade em que vivemos, a liberdade, a justiça, o nosso conhecimento psicológico dos seres, o poder da linguagem", Nathalie Sarraute (p. 145).
Uma das partes mais curiosas deste livro corresponde ao capítulo III, onde alguns dos mestres reconhecidos do nouveau roman respondem a um questionário elaborado pelos autores com vista à definição e à aferição da existência ou não de uma escola do nouveau roman. Os três autores interrogados são unânimes no esclarecimento de que não existe uma "escola" ou "movimento", mas um conjunto de iniciativas diversas e com diferentes concretizações, nascidas, entre 1950 e 1962, da necessidade de renovar a forma romanesca. Para Claude Simon, a convergência dessas práticas narrativas reside em alguns princípios capitais: "O fundo e a forma são uma única coisa [...] A linguagem, a escritura não são instrumentos transparentes e neutros ao serviço de uma significação ou de uma 'tradução' qualquer, mas, desenvolvendo as suas próprias linhas de força, são, ao contrário, a matéria condutora da obra"; o romancista "Honestamente só pode dar do mundo uma visão subjetiva, fragmentária, e, quase sempre, inexplicável"; "O tempo não é o elemento considerado como motor no romance tradicional [...], mas uma espécie de suporte no qual as emoções (imagens, ou acontecimentos) permanecem fixadas, ordenando-se e articulando-se não segundo a sua sequência cronológica mas em virtude das suas afinidades sensoriais e emotivas", recusando "o uso utilitário (demonstração de tese-filosófica, psicológica, social ou religiosa) que quis fazer-se do romance". No mesmo sentido, Nathalie Sarraute agrupa sob o nome de novo romance as obras de certos romancistas unidos por uma atitude comum de rejeição das convenções romanescas (caracteres, personagens, intriga, cronologia...) e de uma convicção também comum de que a "arte do romance exige uma renovação das suas formas". Precedendo um capítulo antológico, composto pela biobibliografia de alguns autores representativos desta tendência, seguida de textos comentados, o capítulo V colige algumas recensões demonstrativas da forma como a crítica portuguesa acolheu, no início dos anos 60, esta prática narrativa: o novo romance (também designado novo realismo) foi recebido com antipatia, o que os autores justificam por um condicionalismo extracultural que empurrara a literatura portuguesa para a oficialização de uma "ficção de emergência" (p. 185), excetuando-se alguns casos de clarividência crítica, como Vergílio Ferreira, David Mourão-Ferreira ou Artur Portela Filho.
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Como referenciar
Porto Editora – O Novo Romance na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-03-22 05:07:45]. Disponível em

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