Questão Coimbrã
Também conhecida como a Questão do Bom Senso e Bom Gosto, foi uma das mais importantes polémicas literárias portuguesas e a maior em todo o século XIX que, como explica Margarida Vieira Mendes, "alastrou de forma explosiva, de novembro de 1865 a julho do ano seguinte, em cartas, crónicas e artigos de imprensa, opúsculos, folhetins, poesias e textos satíricos, alusões em conferências (...) ou mesmo discursos parlamentares" (in Dicionário do Romantismo Literário Português, Editorial Caminho, 1997). Foi desencadeada em Coimbra por um grupo de jovens intelectuais que vinham reagindo contra a degenerescência romântica e o atraso cultural do país.
A polémica começou em outubro de 1865, quando António Feliciano de Castilho aludiu, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, à moderna escola de Coimbra e à sua poesia ininteligível, ridicularizando o aparato filosófico e os novos modelos literários de que ela se nutria ("temporal desfeito de obras, de encómios, de sátiras, de plásticas, de estéticas, de filosofias e de transcendências"), numa referência provável às teorias filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras (ambas de 1864), de Teófilo Braga, e na nota posfacial das Odes Modernas, de Antero de Quental (de julho de 1865). Para além disso, António Feliciano de Castilho fez elogios rasgados a Pinheiro Chagas, chegando ao ponto de propor o jovem poeta para reger a cadeira de Literatura no Curso Superior de Letras.
Sentindo-se visado, Antero de Quental respondeu com o panfleto Bom Senso e Bom Gosto, carta ao Ex.mo. Sr. António Feliciano de Castilho, em que definiu "a bela, a imensa missão do escritor" como "um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras", que exige, por um lado, uma alta posição ética, por outro lado, uma total independência de pensamento e de carácter. Como consequência, e numa clara alusão a Castilho, Antero repudiava a poesia que cultiva a "palavra" em vez da "ideia"; a poesia decorativa dos "enfeitadores das ninharias luzidias"; a poesia conservadora dos que "preferem imitar a inventar; e a imitar preferem ainda traduzir"; em suma, a poesia que "soa bem, mas não ensina nem eleva".
Estavam marcadas as posições: de um lado os intelectuais conservadores; do outro a nova geração, aberta às recentes correntes europeias. Seguiram-se "Bom Senso e Bom Gosto, folhetim a propósito da carta...", de Pinheiro Chagas, que acorreu em defesa de Castilho, e, do lado dos coimbrões, os folhetos Teocracias Literárias, de Teófilo Braga, e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, de Antero. Neste texto, Antero repudiava uma vez mais "as literaturas oficiais, governamentais, subsidiadas, pensionadas, rendosas, para quem o pensamento é um ínfimo meio e não um fim grande e exclusivo" e preconizava uma literatura que "se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço onde se há de receber esse misterioso filho do tempo - o futuro".
Embora de origem literária, a questão alargou-se a outras áreas como a cultura, a política e a filosofia. Esta refrega durou mais de um ano e envolveu nomes que já eram ilustres, como Ramalho Ortigão e Camilo C. Branco. Os artigos, folhetins e opúsculos em apoio de uma e de outra parte multiplicaram-se, até que, a partir de março de 1866, a polémica começou a declinar em quantidade e qualidade.
No entanto, a rotura provocada pela Questão Coimbrã iria abalar irreversivelmente as estruturas socioculturais do país, lançando as sementes para o debate de ideias e o projeto de reforma das mentalidades que norteariam a intervenção da que viria a ser a Geração de 70. Aquela que constituiu a polémica mais importante da nossa história literária, pois nela participou, em uma ou outra frente, praticamente toda a intelligentsia da época, fez emergir uma geração nova, protagonista de uma revolução cultural e literária cuja amplitude ultrapassaria até a do próprio Romantismo.
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