Sancirilo
Prémio literário do Círculo de Leitores, a obra com que António Manuel Pires Cabral se estreia na ficção é construída sobre um espaço alegórico - Sancirilo -, sob o qual não é difícil reconhecer o espaço nacional ("nação maneirinha, mas formosa, velha de onze séculos, orgulhosa da sua história, onde avultam os feitos dos guerreiros, heróis e santos.
Nação pobre de bens materiais, é certo, mas enorme de potencialidades espirituais.") no contexto histórico de submissão a um regime ditatorial, com restrições à liberdade de pensamento e de expressão e fundado sobre a manipulação da opinião pública: "A verdade é que as discussões sobre futebol e desporto eram não só livres como encorajadas pelos chefes de serviço, que achavam isso preferível a que se discutissem, por exemplo, mulheres ou vícios vergonhosos aos olhos de São Cirilo, ou ainda, pior que tudo, aspetos da vida laboral, política, social ou económica da república.
Diziam alguns maldosamente que, conseguindo que o povo se entretivesse com futebol e o milagre, conseguiriam que ele se esquecesse de discutir o pão e a liberdade.
" Num momento em que a temática da revolução (realizada ou por cumprir) reflete na ficção portuguesa um processo de autognose coletiva, o tempo pré-revolução mobiliza, em Sancirilo, o leitor para a desmontagem da alegoria pela recordação de uma vivência coletiva que mesmo em tempo de liberdade não devia ser esquecida.
É esse o aviso deixado pelo autor em nota de abertura, onde assume a missão de denúncia da persistência de "ditadores cadaverosos, surdas e sujas lutas pela sua sucessão, descarada manipulação do divino em benefício do político e outras aberrações de que esta história fala, numa tentativa mais para que o mundo não esqueça".
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