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Transformações Políticas e Sociais na Rússia (1597-1796)
Durante este período, a Rússia sofreu várias transformações que na maioria das vezes foram levadas a cabo sob o signo da violência. Ocorreram ao longo de vários reinados pela mão dos czares dos quais se destacam: Ivan, o Terrível (1547-1584), Pedro, o Grande (1682/89-1725), e Catarina II (1762-96). Outros czares e czarinas tiveram o seu lugar no trono, mas nunca alcançaram o poder e a fama dos referidos.
É precisamente durante o reinado de Ivan IV, o Terrível, ou até um pouco antes, sob Ivan III (1462-1505) e Vassili III (1505-33), que se inicia a centralização do Estado russo. Ivan III provocou a anexação dos principados a Moscovo, arrastando inúmeros conflitos e tomando para si próprio o título de "grande príncipe de todas as Rússias". Com a libertação do jugo tártaro, a luta ganha contra a Lituânia, com recuperação de Smolensk por Vassili, e os vários contactos diplomáticos com Estados ocidentais e do oriente, lentamente a Rússia saía do seu isolamento.
A evolução torna-se mais rápida com a ascensão de Ivan IV, o Terrível, ao trono com apenas três anos. Durante a infância esteve sob a tutela dos boiardos (senhores territoriais) que dominavam o Estado pela influência exercida sobre o palácio e sobre a Duma. Quando atingiu a idade de dezasseis anos, começou a governar e fez-se sagrar em 1547, tomando o título de czar (designação derivada do latim "césar"). É interessante verificar que, simultaneamente, dava continuidade à tradição monárquica moscovita e integrava características do império bizantino, o que trará resultados a longo prazo. A ideia que presidia era a da formação de um poder autocrático apoiado por reformas imediatas em todas as áreas da vida russa: administrativa, legislativa, eclesiástica e militar. Uma das reformas que causaram mais descontentamento e violência foi a da repartição das terras, porque afetava o poder latifundiário dos boiardos, tendo estes entrado em conflito (1560): muitas terras pertencentes aos boiardos passaram a fazer parte do domínio reservado do czar. Naturalmente que esta incorporação forçada de terra não foi pacífica, o que levou à expulsão ou ao extermínio dos boiardos, enquanto a restante população foi relegada à servidão por um pequeno número de nobres fiéis ao czar.
Uma das ações cruciais era fazer a guerra para alimentar o seu poder através do aumento de território. É neste contexto que se defronta com os Otomanos, apodera-se dos vastos territórios siberianos e inicia a sua colonização nos anos 80, entra em conflito com o Estado polaco-lituano pelo controlo do Mar Báltico, mas sai derrotada da guerra da Livónia (1558-83).
Apesar das reformas terem sido impostas pela violência, o reinado de Ivan é considerado como progressista por muitos estudiosos.
A partir da morte de Ivan, o Terrível, sucedeu-se um período conturbado que levou os Romanov ao poder em 1613. A Rússia ficou na mãos de Fedor I (1584/98) filho de Ivan, mas Boris Godunov, cunhado do czar, apropria-se do poder e proclama-se czar (1598/1605). Este é acusado de assassinar o legítimo herdeiro Dimitri, irmão de Fedor I. Em 1604 aparece um falso Dimitri que à frente de um exército de polacos e cossacos marcha sobre Moscovo. Chega pouco depois da morte de Boris e toma o poder com o apoio dos boiardos e do povo. Foi morto durante uma sublevação de moscovitas em 1606. A antiga dinastia dos Riurik extinguiu-se com a morte de Fedor e os boiardos nomeiam o seu czar - Vassili Chouiski (1606/10), que, para não perder o apoio da aristocracia russa e polaca, concede-lhe amplos poderes. Rapidamente os camponeses descontentes sublevam-se. A Rússia estava mergulhada num mar de conflitos internos (boiardos) e externos (polacos), por isso foi necessário tomar medidas radicais com a convocação dos estados gerais russos (Zemski Sabor), por forma a excluir qualquer estrangeiro do trono (na sequência de ter sido nomeado czar Ladislau, filho do rei da Polónia), tendo ficado decidido escolher para czar Miguel Romanov. É com esta nomeação que tem início a dinastia dos Romanov, que permanecerá no poder até 1917.
Inicia-se uma nova fase na vida da conturbada Rússia. Os primeiros tempos da dinastia Romanov sob o cetro de Miguel (1613-45), de Alexis (1645-76) e de Fedor III (1676-82), sem serem verdadeiramente excecionais, constituíram um excelente período de transição entre a obra de Ivan, o Terrível, e a Rússia moderna de Pedro, o Grande. Encetaram-se contactos exteriores mais ativos; ganharam-se posições face à Polónia; protegeram-se os Cossacos, defrontou-se o Império Otomano (1676); desenvolveu-se a economia, aumentando a produção agrícola e manufatureira graças à introdução de novas técnicas. Apesar deste crescente "estado de graça", a Rússia era ensombrada com as repetidas amotinações de camponeses contra as apertadas leis da servidão, a par de conflitos religiosos (era latente o atraso cultural face ao Ocidente e a Igreja via-se obrigada à reforma que teve como consequência o "Cisma dos Velhos Crentes").
O processo que levou Pedro, o Grande, ao trono foi complexo, pois o problema da luta pelo poder voltou a colocar-se quando Fedor III morreu. Foram impostos dois czars : Ivan e Pedro, respetivamente filhos do primeiro e do segundo casamento de Alexis. Entretanto, ficaria como regente a sua irmã Sofia (1682-89). Depois de um golpe de Estado contra a sua meia-irmã, Pedro, o Grande, passa a reinar sozinho.
Foi durante o reinado de Pedro, o Grande (1682-89/1725), que a Rússia sofreu enormes transformações a todos os níveis, num longo processo que a conduziu à modernidade. A intenção de Pedro era dotar a Rússia de estruturas semelhantes às que conheceu no Ocidente quando fez a sua viagem de estudo pela Europa e através dos contactos que durante a juventude tivera com os estrangeiros residentes na Rússia (técnicos e comerciantes). No regresso da viagem à Europa em 1698, tendo passado pela Prússia, Holanda e Alemanha, tentou implementar hábitos europeus na sua corte. A primeira ação foi o célebre corte das barbas e cabelos compridos, velho costume ortodoxo. Ordenou o uso de indumentárias europeias, permitiu o consumo de tabaco que fora proibido pelos patriarcas, adotou o calendário juliano e obrigou as mulheres nobres a sair do terem (espécie de clausura). Mandou traduzir para russo livros científicos de autores europeus. A ocidentalização também passou pela língua - o russo era agora marcado por vocábulos de línguas estrangeiras, nomeadamente o francês. Fundou a cidade de São Petersburgo, que depois se tornou capital do reino. Foi com oficiais europeus que organizou um exército e uma armada com características europeias seguindo o modelo prussiano (mandou alistar servos que ficaram para sempre soldados, originando frequentes fugas). Organizou a estrutura governativa seguindo modelos ocidentais - criou um Senado à semelhança da Suécia e nove colégios, cada um encarregue de um setor da administração, substituindo a Duma dos boiardos, cujos membros eram nomeados diretamente pelo czar, recorrendo frequentemente ao recrutamento de estrangeiros para suprir os cargos. Os mais altos assuntos do Estado eram agora confiados a colégios que, de certo modo, equivalem aos nossos atuais ministérios. Facilitando a centralização, o império era dividido em governos e províncias controlados pelo Senado e pelos colégios. Para que o controlo fosse eficaz, foi necessária a criação de uma polícia secreta de Estado. A burocracia passou a fazer parte do quotidiano e surgiu uma nova nobreza de funcionários que acabou por suplantar a dos boiardos. Criou o quadro das categorias no exército, na corte e na administração (as categorias mais elevadas eram ocupadas pela nobreza hereditária). Desta forma a nobreza ligava-se intimamente à administração pública e ao exército, enquanto foram reforçadas as peias de servidão nos campos. A ideia de Pedro, o Grande, era de centralizar o Estado o mais possível. Este procedimento veio a ter reflexos, inclusivamente, na economia, com a criação de indústrias que viviam à custa da iniciativa privada, mas também com uma boa parte do capital público investido. A evolução foi notável com o considerável número de manufaturas criadas durante o seu reinado (a mão de obra escrava era muito importante e o seu aumento foi incentivado com a venda de camponeses sem terras). Um sistema de impostos sobre várias atividades fez aumentar os réditos necessários para a manutenção de uma enorme frota e de um exército envolvido em guerras que duravam decénios e para a construção de infraestruturas. No plano religioso, foi concedida liberdade de culto aos estrangeiros e aplicou à Igreja o sistema de colégios, criando o Santo Sínodo, que substituía o patriarca de Moscovo. Desta forma submetia definitivamente a Igreja. Encontrou fortes oposições à implementação das reformas, sobretudo dos mais conservadores, mas continuou a aplicá-las sem vacilar.
Um dos grandes sonhos de Pedro era a conquista de um largo acesso ao mar. Abriu a Rússia ao Báltico e ao Mar Negro. Em 1696 tomou Azov aos Turcos, apoderou-se da províncias bálticas controladas pela Suécia em 1709 e nos anos seguintes. Conquistou a Estónia, a Livónia, penetrou na Finlândia e na Pomerânia. A janela sobre o Ocidente ia deste o istmo de Carélia até Riga, com a capital, São Petersburgo, a servir de entrada ao Mar Báltico. Colonizou a Sibéria e encetou relações comerciais com o Império Chinês.
O resultado da tarefa de transformação da Rússia, levada a cabo com obstinação e brutalidade, foi a criação de um Estado poderoso aberto à Europa e a renovação mental, social e económica. No entanto, a obra foi deixada incompleta. Apesar do grande desenvolvimento, das reformas de Pedro transpareciam várias contradições e disparidades. A sua atenção recaiu exclusivamente sobre a faixa privilegiada da sociedade, a aristocracia, deixando na imobilidade uma Rússia camponesa e tradicionalista que permaneceu arreigada aos seus hábitos, ignorância e misticismo (o campo e as suas gentes eram apenas o garante da mão de obra escrava). Favoreceram-se funcionários estrangeiros, em detrimento dos nacionais. Algumas indústrias produziam produtos de que os Russos não necessitavam.
A forma dura e implacável com que implementou as reformas deu-lhe a fama de selvagem, à qual se associou também o facto de ter feito torturar até à morte o seu filho Alexis, em 1718, depois de o ter acusado de traição, o que escandalizou a Europa.
Depois da sua morte em 1725, iniciou-se uma época de conturbação política com as rápidas sucessões ao trono. Primeiro a sua mulher Catarina I (1725/27), continuando a mesma política ajudada por Mentchikov, à qual se seguiram Pedro II (1727/30), filho de Alexis e neto de Pedro, o Grande, (durante o período, Mentchikov é morto pelos opositores às reformas na esperança de regresso ao antigo regime); Anna Ivanovna (1730/40), sobrinha de Pedro, o Grande, que restabelece a autocracia com o apoio da nobreza e continua uma política de expansão económica e abertura ao exterior com a celebração de vários tratados; Ivan VI (1740/41) sobrinho de Anna, ainda criança; Isabel Petrovna (1741/62), filha de Pedro, o Grande, cujo reinado foi marcado por uma ampla reação aristocrática contra os estrangeiros e por um desenvolvimento económico e cultural; Pedro III, (janeiro a julho de 1762), seu sobrinho e neto de Pedro, o Grande, administrador da Prússia e hostil à Rússia; Catarina II (1762/96), mulher de Pedro III, que sobe ao poder através de um golpe de Estado militar, tendo sido suspeita de mandar assassinar o seu marido.
A Rússia entra agora na segunda etapa de um caminho que a levará a um maior desenvolvimento e ao despotismo esclarecido. O reinado da czarina Catarina II foi marcado por grandes planos de reforma, inspirados, mais uma vez, nos modelos europeus, fruto da sua amizade e convívio com os intelectuais e filósofos europeus, nomeadamente Voltaire, Diderot e d'Alembert. O reforço da autocracia, tendência já secular, veio favorecer ainda mais os aristocratas e agravar a situação dos camponeses. Esta situação viria a dar origem à revolta liderada por Yemelian Pugatchev (1773/75), antigo oficial dos Cossacos que se fez passar pelo czar Pedro III, entretanto já falecido. Em 1765, fundou uma sociedade de estudos sobre economia que discutiu a questão dos camponeses. Tentou elaborar um código com a comparência da opinião de todas as faixas da sociedade, ignorando, naturalmente, a dos servos. É a própria Catarina que, à luz das doutrinas de Montesquieu e de Beceria, escreve um Nakaz ou Instrução, que não chegou a ter qualquer efeito na prática. O reforço da servidão era visível: os senhores podiam enviar os seus servos para a Sibéria, e a Ucrânia passou a conhecer a servidão.
Tal como Pedro, o Grande, Catarina II também se desinteressou do povo russo, pois o que a motivava eram as vitórias militares, e, neste contexto, foi bem sucedida: resgatou a Bielorrússia e a Ucrânia Ocidental à Polónia, continuou a dominação no Báltico e expulsou os Turcos otomanos da Europa. A Rússia alargou as suas possessões no Mar Negro em resultado de novas guerras com a Turquia. Penetrou no Cáucaso e estabeleceu um protetorado na Geórgia. A sua ação colonizadora estendeu-se ao continente americano, ao Alasca (1784, fundando aí a Companhia Russo-Americana em 1799.
A política da czarina Catarina II guiou a Rússia para um poder nunca antes alcançado, cujo reverso da medalha era a enorme opressão das camadas da população mais desfavorecidas, que viram o seu número aumentar com a conquista de enormes territórios durante a sua governação. É uma sobrevivência do Antigo Regime que não é compatível com qualquer modelo iluminista que a czarina tentou implementar. O tempo de espera ainda era considerável, pois a libertação dos povos da humilhação inerente à sua condição de servos só viria a concretizar-se na revolução de 1917, que levou à queda a dinastia Romanov.
É precisamente durante o reinado de Ivan IV, o Terrível, ou até um pouco antes, sob Ivan III (1462-1505) e Vassili III (1505-33), que se inicia a centralização do Estado russo. Ivan III provocou a anexação dos principados a Moscovo, arrastando inúmeros conflitos e tomando para si próprio o título de "grande príncipe de todas as Rússias". Com a libertação do jugo tártaro, a luta ganha contra a Lituânia, com recuperação de Smolensk por Vassili, e os vários contactos diplomáticos com Estados ocidentais e do oriente, lentamente a Rússia saía do seu isolamento.
A evolução torna-se mais rápida com a ascensão de Ivan IV, o Terrível, ao trono com apenas três anos. Durante a infância esteve sob a tutela dos boiardos (senhores territoriais) que dominavam o Estado pela influência exercida sobre o palácio e sobre a Duma. Quando atingiu a idade de dezasseis anos, começou a governar e fez-se sagrar em 1547, tomando o título de czar (designação derivada do latim "césar"). É interessante verificar que, simultaneamente, dava continuidade à tradição monárquica moscovita e integrava características do império bizantino, o que trará resultados a longo prazo. A ideia que presidia era a da formação de um poder autocrático apoiado por reformas imediatas em todas as áreas da vida russa: administrativa, legislativa, eclesiástica e militar. Uma das reformas que causaram mais descontentamento e violência foi a da repartição das terras, porque afetava o poder latifundiário dos boiardos, tendo estes entrado em conflito (1560): muitas terras pertencentes aos boiardos passaram a fazer parte do domínio reservado do czar. Naturalmente que esta incorporação forçada de terra não foi pacífica, o que levou à expulsão ou ao extermínio dos boiardos, enquanto a restante população foi relegada à servidão por um pequeno número de nobres fiéis ao czar.
Uma das ações cruciais era fazer a guerra para alimentar o seu poder através do aumento de território. É neste contexto que se defronta com os Otomanos, apodera-se dos vastos territórios siberianos e inicia a sua colonização nos anos 80, entra em conflito com o Estado polaco-lituano pelo controlo do Mar Báltico, mas sai derrotada da guerra da Livónia (1558-83).
Apesar das reformas terem sido impostas pela violência, o reinado de Ivan é considerado como progressista por muitos estudiosos.
A partir da morte de Ivan, o Terrível, sucedeu-se um período conturbado que levou os Romanov ao poder em 1613. A Rússia ficou na mãos de Fedor I (1584/98) filho de Ivan, mas Boris Godunov, cunhado do czar, apropria-se do poder e proclama-se czar (1598/1605). Este é acusado de assassinar o legítimo herdeiro Dimitri, irmão de Fedor I. Em 1604 aparece um falso Dimitri que à frente de um exército de polacos e cossacos marcha sobre Moscovo. Chega pouco depois da morte de Boris e toma o poder com o apoio dos boiardos e do povo. Foi morto durante uma sublevação de moscovitas em 1606. A antiga dinastia dos Riurik extinguiu-se com a morte de Fedor e os boiardos nomeiam o seu czar - Vassili Chouiski (1606/10), que, para não perder o apoio da aristocracia russa e polaca, concede-lhe amplos poderes. Rapidamente os camponeses descontentes sublevam-se. A Rússia estava mergulhada num mar de conflitos internos (boiardos) e externos (polacos), por isso foi necessário tomar medidas radicais com a convocação dos estados gerais russos (Zemski Sabor), por forma a excluir qualquer estrangeiro do trono (na sequência de ter sido nomeado czar Ladislau, filho do rei da Polónia), tendo ficado decidido escolher para czar Miguel Romanov. É com esta nomeação que tem início a dinastia dos Romanov, que permanecerá no poder até 1917.
Inicia-se uma nova fase na vida da conturbada Rússia. Os primeiros tempos da dinastia Romanov sob o cetro de Miguel (1613-45), de Alexis (1645-76) e de Fedor III (1676-82), sem serem verdadeiramente excecionais, constituíram um excelente período de transição entre a obra de Ivan, o Terrível, e a Rússia moderna de Pedro, o Grande. Encetaram-se contactos exteriores mais ativos; ganharam-se posições face à Polónia; protegeram-se os Cossacos, defrontou-se o Império Otomano (1676); desenvolveu-se a economia, aumentando a produção agrícola e manufatureira graças à introdução de novas técnicas. Apesar deste crescente "estado de graça", a Rússia era ensombrada com as repetidas amotinações de camponeses contra as apertadas leis da servidão, a par de conflitos religiosos (era latente o atraso cultural face ao Ocidente e a Igreja via-se obrigada à reforma que teve como consequência o "Cisma dos Velhos Crentes").
O processo que levou Pedro, o Grande, ao trono foi complexo, pois o problema da luta pelo poder voltou a colocar-se quando Fedor III morreu. Foram impostos dois czars : Ivan e Pedro, respetivamente filhos do primeiro e do segundo casamento de Alexis. Entretanto, ficaria como regente a sua irmã Sofia (1682-89). Depois de um golpe de Estado contra a sua meia-irmã, Pedro, o Grande, passa a reinar sozinho.
Foi durante o reinado de Pedro, o Grande (1682-89/1725), que a Rússia sofreu enormes transformações a todos os níveis, num longo processo que a conduziu à modernidade. A intenção de Pedro era dotar a Rússia de estruturas semelhantes às que conheceu no Ocidente quando fez a sua viagem de estudo pela Europa e através dos contactos que durante a juventude tivera com os estrangeiros residentes na Rússia (técnicos e comerciantes). No regresso da viagem à Europa em 1698, tendo passado pela Prússia, Holanda e Alemanha, tentou implementar hábitos europeus na sua corte. A primeira ação foi o célebre corte das barbas e cabelos compridos, velho costume ortodoxo. Ordenou o uso de indumentárias europeias, permitiu o consumo de tabaco que fora proibido pelos patriarcas, adotou o calendário juliano e obrigou as mulheres nobres a sair do terem (espécie de clausura). Mandou traduzir para russo livros científicos de autores europeus. A ocidentalização também passou pela língua - o russo era agora marcado por vocábulos de línguas estrangeiras, nomeadamente o francês. Fundou a cidade de São Petersburgo, que depois se tornou capital do reino. Foi com oficiais europeus que organizou um exército e uma armada com características europeias seguindo o modelo prussiano (mandou alistar servos que ficaram para sempre soldados, originando frequentes fugas). Organizou a estrutura governativa seguindo modelos ocidentais - criou um Senado à semelhança da Suécia e nove colégios, cada um encarregue de um setor da administração, substituindo a Duma dos boiardos, cujos membros eram nomeados diretamente pelo czar, recorrendo frequentemente ao recrutamento de estrangeiros para suprir os cargos. Os mais altos assuntos do Estado eram agora confiados a colégios que, de certo modo, equivalem aos nossos atuais ministérios. Facilitando a centralização, o império era dividido em governos e províncias controlados pelo Senado e pelos colégios. Para que o controlo fosse eficaz, foi necessária a criação de uma polícia secreta de Estado. A burocracia passou a fazer parte do quotidiano e surgiu uma nova nobreza de funcionários que acabou por suplantar a dos boiardos. Criou o quadro das categorias no exército, na corte e na administração (as categorias mais elevadas eram ocupadas pela nobreza hereditária). Desta forma a nobreza ligava-se intimamente à administração pública e ao exército, enquanto foram reforçadas as peias de servidão nos campos. A ideia de Pedro, o Grande, era de centralizar o Estado o mais possível. Este procedimento veio a ter reflexos, inclusivamente, na economia, com a criação de indústrias que viviam à custa da iniciativa privada, mas também com uma boa parte do capital público investido. A evolução foi notável com o considerável número de manufaturas criadas durante o seu reinado (a mão de obra escrava era muito importante e o seu aumento foi incentivado com a venda de camponeses sem terras). Um sistema de impostos sobre várias atividades fez aumentar os réditos necessários para a manutenção de uma enorme frota e de um exército envolvido em guerras que duravam decénios e para a construção de infraestruturas. No plano religioso, foi concedida liberdade de culto aos estrangeiros e aplicou à Igreja o sistema de colégios, criando o Santo Sínodo, que substituía o patriarca de Moscovo. Desta forma submetia definitivamente a Igreja. Encontrou fortes oposições à implementação das reformas, sobretudo dos mais conservadores, mas continuou a aplicá-las sem vacilar.
Um dos grandes sonhos de Pedro era a conquista de um largo acesso ao mar. Abriu a Rússia ao Báltico e ao Mar Negro. Em 1696 tomou Azov aos Turcos, apoderou-se da províncias bálticas controladas pela Suécia em 1709 e nos anos seguintes. Conquistou a Estónia, a Livónia, penetrou na Finlândia e na Pomerânia. A janela sobre o Ocidente ia deste o istmo de Carélia até Riga, com a capital, São Petersburgo, a servir de entrada ao Mar Báltico. Colonizou a Sibéria e encetou relações comerciais com o Império Chinês.
O resultado da tarefa de transformação da Rússia, levada a cabo com obstinação e brutalidade, foi a criação de um Estado poderoso aberto à Europa e a renovação mental, social e económica. No entanto, a obra foi deixada incompleta. Apesar do grande desenvolvimento, das reformas de Pedro transpareciam várias contradições e disparidades. A sua atenção recaiu exclusivamente sobre a faixa privilegiada da sociedade, a aristocracia, deixando na imobilidade uma Rússia camponesa e tradicionalista que permaneceu arreigada aos seus hábitos, ignorância e misticismo (o campo e as suas gentes eram apenas o garante da mão de obra escrava). Favoreceram-se funcionários estrangeiros, em detrimento dos nacionais. Algumas indústrias produziam produtos de que os Russos não necessitavam.
A forma dura e implacável com que implementou as reformas deu-lhe a fama de selvagem, à qual se associou também o facto de ter feito torturar até à morte o seu filho Alexis, em 1718, depois de o ter acusado de traição, o que escandalizou a Europa.
Depois da sua morte em 1725, iniciou-se uma época de conturbação política com as rápidas sucessões ao trono. Primeiro a sua mulher Catarina I (1725/27), continuando a mesma política ajudada por Mentchikov, à qual se seguiram Pedro II (1727/30), filho de Alexis e neto de Pedro, o Grande, (durante o período, Mentchikov é morto pelos opositores às reformas na esperança de regresso ao antigo regime); Anna Ivanovna (1730/40), sobrinha de Pedro, o Grande, que restabelece a autocracia com o apoio da nobreza e continua uma política de expansão económica e abertura ao exterior com a celebração de vários tratados; Ivan VI (1740/41) sobrinho de Anna, ainda criança; Isabel Petrovna (1741/62), filha de Pedro, o Grande, cujo reinado foi marcado por uma ampla reação aristocrática contra os estrangeiros e por um desenvolvimento económico e cultural; Pedro III, (janeiro a julho de 1762), seu sobrinho e neto de Pedro, o Grande, administrador da Prússia e hostil à Rússia; Catarina II (1762/96), mulher de Pedro III, que sobe ao poder através de um golpe de Estado militar, tendo sido suspeita de mandar assassinar o seu marido.
A Rússia entra agora na segunda etapa de um caminho que a levará a um maior desenvolvimento e ao despotismo esclarecido. O reinado da czarina Catarina II foi marcado por grandes planos de reforma, inspirados, mais uma vez, nos modelos europeus, fruto da sua amizade e convívio com os intelectuais e filósofos europeus, nomeadamente Voltaire, Diderot e d'Alembert. O reforço da autocracia, tendência já secular, veio favorecer ainda mais os aristocratas e agravar a situação dos camponeses. Esta situação viria a dar origem à revolta liderada por Yemelian Pugatchev (1773/75), antigo oficial dos Cossacos que se fez passar pelo czar Pedro III, entretanto já falecido. Em 1765, fundou uma sociedade de estudos sobre economia que discutiu a questão dos camponeses. Tentou elaborar um código com a comparência da opinião de todas as faixas da sociedade, ignorando, naturalmente, a dos servos. É a própria Catarina que, à luz das doutrinas de Montesquieu e de Beceria, escreve um Nakaz ou Instrução, que não chegou a ter qualquer efeito na prática. O reforço da servidão era visível: os senhores podiam enviar os seus servos para a Sibéria, e a Ucrânia passou a conhecer a servidão.
Tal como Pedro, o Grande, Catarina II também se desinteressou do povo russo, pois o que a motivava eram as vitórias militares, e, neste contexto, foi bem sucedida: resgatou a Bielorrússia e a Ucrânia Ocidental à Polónia, continuou a dominação no Báltico e expulsou os Turcos otomanos da Europa. A Rússia alargou as suas possessões no Mar Negro em resultado de novas guerras com a Turquia. Penetrou no Cáucaso e estabeleceu um protetorado na Geórgia. A sua ação colonizadora estendeu-se ao continente americano, ao Alasca (1784, fundando aí a Companhia Russo-Americana em 1799.
A política da czarina Catarina II guiou a Rússia para um poder nunca antes alcançado, cujo reverso da medalha era a enorme opressão das camadas da população mais desfavorecidas, que viram o seu número aumentar com a conquista de enormes territórios durante a sua governação. É uma sobrevivência do Antigo Regime que não é compatível com qualquer modelo iluminista que a czarina tentou implementar. O tempo de espera ainda era considerável, pois a libertação dos povos da humilhação inerente à sua condição de servos só viria a concretizar-se na revolução de 1917, que levou à queda a dinastia Romanov.
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Como referenciar
Porto Editora – Transformações Políticas e Sociais na Rússia (1597-1796) na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-12-13 12:26:44]. Disponível em
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