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As palavras podem ser uma válvula de escape. As situações extremas parecem empurrar as pessoas para a escrita, mesmo as que antes nunca tinham escrito mais do que um e-mail. Os soldados ucranianos que se voluntariaram para defender o Donbass, em 2014, produziram mais de 300 livros, incluindo romances sobre as batalhas – a coragem e a camaradagem do combate. Os soldados-escritores sentiram a necessidade de partilhar as suas experiências e a sua visão da guerra. As suas obras encontraram um público recetivo, especialmente entre outros soldados.
Eu não tinha planos para escrever sobre este conflito no Donbass. Sempre preferi refletir sobre fenómenos históricos – mesmo os recentes –, em que consigo ter uma perspetiva mais alargada. No entanto, tendo visitado o Donbass entre 2015 e 2017, tendo visto como algumas pessoas viviam ainda na terra de ninguém entre os territórios controlados pelos ucranianos e pelos separatistas, num silêncio apenas quebrado pelos bombardeamentos que ameaçavam o que restava das suas comunidades, senti necessidade de dar voz a estas pessoas, de imaginar o seu quotidiano e como sobrevivem.
Preferiria que Abelhas Cinzentas estivesse arrumado na secção de “História” das bibliotecas, servindo como uma lembrança deste estranho período na História da Ucrânia. Mas a agressão russa transformou este livro num relato da inquietante calma antes da tempestade.
Os tradutores têm sido bem-sucedidos a comunicar a leitores de mais de 30 línguas as tensões e as relações humanas neste livro. Adoraria estudar as versões nas línguas que conheço – para perceber o ato de magia do tradutor –, mas agora não há tempo para isso. A guerra tornou-me uma testemunha, e devo usar as palavras para mostrar o que está a acontecer ao meu país.
Andrei Kurkov