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As palavras no lugar do silêncio
Escrevi As Crianças Adormecidas para tentar compreender a história da minha família.
À medida que crescia, a pouco e pouco, fui percebendo que os membros que a constituíam haviam atravessado, numa gigantesca solidão, uma tragédia que ainda assim é bastante comum.
Pensei que as palavras me dariam a oportunidade de os ajudar a sair dessa solidão para ingressarem numa dimensão coletiva dessa sua dor.
Sabia que, provavelmente, o meu empreendimento não seria da sua conveniência, eles que se haviam instalado, ano após ano, no silêncio.
Queria que as palavras, palavras simples, fossem capazes de os pôr a falar, de os fazer exprimirem-se, embora não o desejassem.
Esforcei-me por escolher as palavras que fossem verosímeis na sua boca, para que acabassem por se tornar as suas, para falarem no seu lugar, para que contassem essa história, a qual, no fundo, não é apenas a dos meus familiares.
É também a minha.
É igualmente a de tantas outras pessoas, as quais tentei reunir através da escrita.
Hoje, só este livro me permite fazer o que ninguém é ainda capaz de fazer na minha família: falar, descrever as nossas vidas, inscrevê-las numa história comum para destruir a solidão e a vergonha que me propuseram como única herança possível.
A partir de agora, este livro, este alinhamento de palavras constitui o meu património, que se veio inscrever no exato lugar do silêncio, no meio do qual cresci, e que me acompanhará no dia a dia.
Anthony Passeron