Quarenta árvores em discurso directo

António Bagão Félix

As histórias que nos matam

Maria Isaac

O segredo de Tomar

Rui Miguel Pinto

2 min

A Confissão de Lúcio
favoritos

O poeta Mário de Sá-Carneiro publica pelos seus próprios meios (em edição de autor), em 1914, a novela A Confissão de Lúcio.
Vista por José Régio como a obra-prima daquele autor, ela constitui uma narrativa capaz de prender os leitores pelos efeitos de surpresa e suspense presentes e onde vamos encontrando uma série de tendências como o desejo de viajar, o gosto pela civilização cosmopolita, a descoberta e exploração de novos sentidos/sensações, a presença explícita de considerações do autor (de defesa ou de oposição), como uma afirmação face à moral corrente, o narcisismo e fundamentalmente as suas obsessões consubstanciadas na obsessão do suicídio, na do amor pervertido (sexualidade ambígua) e na da anormalidade e mesmo loucura.
Como todas as obras do autor, Confissão de Lúcio, reflete um abismo difícil de transpor entre o mundo do que é real e a idealidade.
Mário de Sá-Carneiro, poeta modernista português
Na verdade, o autor/narrador e personagem, demonstrando uma apetência compulsiva para se ultrapassar a si próprio como "pessoa social e existencial", pretende atingir um mundo utópico e fantástico. Este mundo, onde o raro, o singular e o maravilhoso são seus constituintes, é vislumbrado através do "delírio sensorial" fruto do consumo do ópio e do álcool que caracterizava muitos dos poetas simbolistas e decadentistas, seus contemporâneos (Baudelaire, Rimbaud, Camilo Pessanha, Eugénio de Castro e outros). Desejando o impossível face a uma sociedade com regras organizadas, estes acabam por responder ao apelo do suicídio, do desaparecimento ou da loucura.
Os Leit-motiv (temas) recorrentes na literatura simbolista/decadentista, aparecem ampliados na Confissão de Lúcio, que nos apresenta um protagonista transfigurado por um destino absurdo e sem lógica que se vai deixar prender por um crime que não cometeu e que nem existiu.
Na verdade, neste homicídio (ou melhor duplo suicídio), Lúcio dispara o revólver sobre Marta (figuração de Ricardo), mas mata o seu amigo preferido Ricardo de Loureiro, que conheceu numa festa de lésbicas. Este episódio remete-nos para a alteridade que caracteriza Ricardo, na medida em que nos permite perceber, desde já, que dentro de Ricardo existe um "outro eu" que é Marta. Contudo, ao fazer desaparecer Marta (fruto de uma materialização irreal) o cenário vai pressupor um crime pelo qual Lúcio é acusado e condenado.
Assim, a morte que se abate sobre Ricardo de Loureiro vai constituir-se também no suicídio de Lúcio (seu alter-ego), enformando, então, a vocação suicida do autor, resultado de uma vida completamente desordenada. É neste momento que o absurdo transborda, na medida em que Ricardo de Loureiro é, simultaneamente, Marta e o narrador Lúcio, cuja confissão desfecha no suicídio lento mas fatal.
Dividida em duas partes distintas, a obra remete-nos, no início, para um reino utópico, um reino da alteridade do sujeito (o outro eu) experienciado na cidade de Paris e concretamente na festa mágica da Americana Fulva. A segunda parte centra-se no desenlace da intriga, através do reconhecimento da amizade entre Lúcio e Ricardo de Loureiro. Desenlace que se fará absurdo, trágico e alucinante devido às características ambíguas dessa amizade. Ricardo de Loureiro quer possuir o amigo Lúcio (seu outro eu) e desdobra-se na sua própria mulher Marta que é ele próprio. Estamos, então, perante uma aventura homossexual, uma aventura que aborda os amores, na época vistos como pervertidos, entre Lúcio e Ricardo de Loureiro.
Partilhar
  • partilhar whatsapp
Como referenciar
Porto Editora – A Confissão de Lúcio na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-05-23 21:27:47]. Disponível em

Quarenta árvores em discurso directo

António Bagão Félix

As histórias que nos matam

Maria Isaac

O segredo de Tomar

Rui Miguel Pinto