Anglicanismo
É a denominação atribuída a um conjunto de doutrinas, ritos e instituições da Igreja Anglicana (a Igreja do Estado da Inglaterra - Church of England), expressos no Ato de Supremacia, em 1534. Pode dizer-se que o anglicanismo foi originado pela cisão de Henrique VIII (1509-1547) com Roma. Esta rutura resultou da recusa do Papa Clemente VII face ao pedido de anulação do casamento do rei inglês com Catarina de Aragão, pretensamente estéril, de forma a assegurar a sua descendência através de uma união com Ana Bolena.
No decorrer da Idade Média, não só os reis ingleses, como grande parte dos monarcas europeus, tentaram com frequência limitar os direitos da Santa Sé sobre as Igrejas dos seus reinos, desejando também dirigir eles próprios o seu clero. Alguns antepassados de Henrique VIII, por exemplo, haviam já colocado pretensões autonomistas da Igreja inglesa face à Santa Sé.
No decorrer da Guerra dos Cem Anos (século XIV), a fiscalidade pontifícia de Avinhão pró-francesa tomou medidas muito pesadas contra a Igreja inglesa, quando comparadas com as medidas tomadas para com as Igrejas dos outros países. A injustiça suscitaria reações enérgicas por parte dos soberanos britânicos. A crise económica que se fazia sentir não impedia o clero de viver com exuberância e riqueza, facto que provocaria também escândalo entre os cristãos ingleses. Wycliff, por exemplo, atacou o papa e toda a sua hierarquia no seu De Officio Regis (1379), dizendo que o rei deveria ser o soberano, não apenas do seu Estado, mas igualmente da Igreja do seu país. A partir daqui desencadeou-se uma agitação contra os bispos e os monges por parte dos seguidores de Wycliff, entretanto condenado por Roma. O absolutismo real fez a sua aparição com os Tudor no início do século XVI, com o apoio de parte do alto clero britânico. A separação definitiva entre a Igreja inglesa e Roma, dá-se pois com Henrique VIII, que no passado tinha até recebido o título de "defensor da fé", da mão do Papa Leão X, por se ter oposto firmemente a Lutero e aos seus ideais. O soberano inglês viu-se também obrigado a separar-se de Catarina de Aragão por razões políticas, e não apenas devido à pretensa esterilidade da rainha, que era espanhola. Wosley, um clérigo que logo apoiou a causa do soberano e que já antes se assumira como severo crítico de Roma e do clero tradicionalista inglês, não conseguiu a anulação do casamento na cúria de Roma, e tratou de instigar o rei - também apoiado pelo primaz de Inglaterra, o arcebispo da Cantuária, então Thomas Cranmer -, a pronunciar o seu divórcio por meio de um tribunal nacional. Tal viria a suceder a 23 de maio de 1533. A 23 de março do ano seguinte o Papa Clemente VI declarou o soberano como excomungado.
Henrique VIII conduziu a Igreja inglesa por via do cisma apoiado em dois diplomas decisivos: o Ato de Submissão e o Ato de Supremacia. Por este último era concedido ao rei e aos seus sucessores o título de "chefe único supremo da Igreja da Inglaterra". Nesta época de ânimos exaltados contra a excomunhão de Roma, extensível por aqueles diplomas a todo o povo inglês, súbdito natural do seu monarca, assistiu-se à supressão dos mosteiros, ato que foi levado ao extremo da barbaridade e do vandalismo monacofóbico.
A Reforma entrou em vigor no reinado do filho de Henrique VIII, Eduardo VI (1549-1553). Depois da abolição dos Seis Artigos da Religião, seguiu-se o Book of Common Prayer. Este último reformulou o missal, o breviário e o ritual. Os Quarenta e Dois Artigos, que datam de 1551, sublinham uma profissão de fé, mas já de uma forma calvinista. Inicialmente, o anglicanismo apenas se distanciava de Roma no aspeto da submissão ao papa e no magistério. Com Eduardo, a influência do protestantismo aumentou, contrabalançada pelo reinado da catolicíssima Maria I Tudor (1553-1559), mas definitivamente implantado pela meia-irmã desta, a poderosa rainha Isabel I (1558-1603). Três tendências se desenharam desde então no anglicanismo: a do alto clero, próxima do catolicismo; a do baixo clero, próxima do calvinismo; a Igreja liberal, mais autónoma.
Maria Tudor (1553-1559) reconquistou a união entre a Igreja inglesa e Roma, mas sem grande sucesso devido à alienação do povo inglês. Isabel I (1558-1603), contudo opôs-se ao Catolicismo e assim restabeleceu o Ato de Supremacia, em abril de 1559. Na mesma altura fez votar pelo Parlamento o Ato de Uniformidade, que era imposto pelo segundo Book of Common Prayer. Em 1563 foi revista e redefinida a profissão de fé protestante da Igreja Anglicana nos Trinta e Nove Artigos da Religião. Estes admitiam os dois sacramentos do batismo e da comunhão, mas negavam a transubstanciação e a presença real do Corpo e Sangue de Cristo no sacramento da Eucaristia.
Jaime I (1603-1625), sob o Absolutismo, perseguiu puristas e católicos. No reinado de Carlos I (1625-1649) o conflito instaurou-se, devido à tentativa falhada do arcebispo da Cantuária de reintrodução de alguns elementos da Igreja romana. Este episódio da história da Igreja Anglicana foi um passo para a revolução de 1642.
Jaime II (1685-1688) tentou a restauração católica, o que provocou a revolução de 1688. Guilherme II (1689-1702), através do Ato de Tolerância (1689), restabeleceu a paz entre anglicanos e puristas.
No século XIX a Igreja inglesa conheceu algumas tentativas de aproximação do Catolicismo romano. Nesse sentido, fez um acordo com Oxford, um centro intelectual onde pontuavam figuras e tendências católicas e pró-católicas. O movimento de Oxford conduziu a uma reaproximação do Anglicanismo ao Catolicismo romano. Em 1927 os anglo-cristãos (ou anglicanos) levaram a cabo uma reforma no Prayer Book (de 1662), mas com imensas dificuldades, pois nas câmaras parlamentares londrinas a tendência protestante, avessa ao catolicismo, era muito forte. Depois de quarenta anos de debates, o novo Prayer Book foi finalmente introduzido autorizando assim todas as modificações que diziam respeito às formas de culto. O anglo-catolicismo esteve também na origem da renovação monástica ocorrida no século XX, apesar de esta se ter iniciado na segunda metade do século anterior. O Conselho Britânico das Igrejas, criado em 1943, permitiu a coordenação de esforços com os dissidentes anglicanos.
A 23 de março de 1966, D. Ramsey, arcebispo da Cantuária, visitou o Papa Paulo VI. Na década de oitenta do século passado foi estudada a possibilidade de ordenação de mulheres. Paralelamente, mulheres anglicanas dos Estados Unidos e da Nova Zelândia seriam eleitas para a dignidade bispal nas décadas que se sucederam. Finalmente, em 1992, a Igreja inglesa oficializou o sacerdócio feminino. Em 1994 mais de trinta mulheres tinham já sido ordenadas, o que não deixou de provocar uma série de protestos no seio da própria Igreja anglicana.
No decorrer da Idade Média, não só os reis ingleses, como grande parte dos monarcas europeus, tentaram com frequência limitar os direitos da Santa Sé sobre as Igrejas dos seus reinos, desejando também dirigir eles próprios o seu clero. Alguns antepassados de Henrique VIII, por exemplo, haviam já colocado pretensões autonomistas da Igreja inglesa face à Santa Sé.
No decorrer da Guerra dos Cem Anos (século XIV), a fiscalidade pontifícia de Avinhão pró-francesa tomou medidas muito pesadas contra a Igreja inglesa, quando comparadas com as medidas tomadas para com as Igrejas dos outros países. A injustiça suscitaria reações enérgicas por parte dos soberanos britânicos. A crise económica que se fazia sentir não impedia o clero de viver com exuberância e riqueza, facto que provocaria também escândalo entre os cristãos ingleses. Wycliff, por exemplo, atacou o papa e toda a sua hierarquia no seu De Officio Regis (1379), dizendo que o rei deveria ser o soberano, não apenas do seu Estado, mas igualmente da Igreja do seu país. A partir daqui desencadeou-se uma agitação contra os bispos e os monges por parte dos seguidores de Wycliff, entretanto condenado por Roma. O absolutismo real fez a sua aparição com os Tudor no início do século XVI, com o apoio de parte do alto clero britânico. A separação definitiva entre a Igreja inglesa e Roma, dá-se pois com Henrique VIII, que no passado tinha até recebido o título de "defensor da fé", da mão do Papa Leão X, por se ter oposto firmemente a Lutero e aos seus ideais. O soberano inglês viu-se também obrigado a separar-se de Catarina de Aragão por razões políticas, e não apenas devido à pretensa esterilidade da rainha, que era espanhola. Wosley, um clérigo que logo apoiou a causa do soberano e que já antes se assumira como severo crítico de Roma e do clero tradicionalista inglês, não conseguiu a anulação do casamento na cúria de Roma, e tratou de instigar o rei - também apoiado pelo primaz de Inglaterra, o arcebispo da Cantuária, então Thomas Cranmer -, a pronunciar o seu divórcio por meio de um tribunal nacional. Tal viria a suceder a 23 de maio de 1533. A 23 de março do ano seguinte o Papa Clemente VI declarou o soberano como excomungado.
A Reforma entrou em vigor no reinado do filho de Henrique VIII, Eduardo VI (1549-1553). Depois da abolição dos Seis Artigos da Religião, seguiu-se o Book of Common Prayer. Este último reformulou o missal, o breviário e o ritual. Os Quarenta e Dois Artigos, que datam de 1551, sublinham uma profissão de fé, mas já de uma forma calvinista. Inicialmente, o anglicanismo apenas se distanciava de Roma no aspeto da submissão ao papa e no magistério. Com Eduardo, a influência do protestantismo aumentou, contrabalançada pelo reinado da catolicíssima Maria I Tudor (1553-1559), mas definitivamente implantado pela meia-irmã desta, a poderosa rainha Isabel I (1558-1603). Três tendências se desenharam desde então no anglicanismo: a do alto clero, próxima do catolicismo; a do baixo clero, próxima do calvinismo; a Igreja liberal, mais autónoma.
Maria Tudor (1553-1559) reconquistou a união entre a Igreja inglesa e Roma, mas sem grande sucesso devido à alienação do povo inglês. Isabel I (1558-1603), contudo opôs-se ao Catolicismo e assim restabeleceu o Ato de Supremacia, em abril de 1559. Na mesma altura fez votar pelo Parlamento o Ato de Uniformidade, que era imposto pelo segundo Book of Common Prayer. Em 1563 foi revista e redefinida a profissão de fé protestante da Igreja Anglicana nos Trinta e Nove Artigos da Religião. Estes admitiam os dois sacramentos do batismo e da comunhão, mas negavam a transubstanciação e a presença real do Corpo e Sangue de Cristo no sacramento da Eucaristia.
Jaime I (1603-1625), sob o Absolutismo, perseguiu puristas e católicos. No reinado de Carlos I (1625-1649) o conflito instaurou-se, devido à tentativa falhada do arcebispo da Cantuária de reintrodução de alguns elementos da Igreja romana. Este episódio da história da Igreja Anglicana foi um passo para a revolução de 1642.
Jaime II (1685-1688) tentou a restauração católica, o que provocou a revolução de 1688. Guilherme II (1689-1702), através do Ato de Tolerância (1689), restabeleceu a paz entre anglicanos e puristas.
No século XIX a Igreja inglesa conheceu algumas tentativas de aproximação do Catolicismo romano. Nesse sentido, fez um acordo com Oxford, um centro intelectual onde pontuavam figuras e tendências católicas e pró-católicas. O movimento de Oxford conduziu a uma reaproximação do Anglicanismo ao Catolicismo romano. Em 1927 os anglo-cristãos (ou anglicanos) levaram a cabo uma reforma no Prayer Book (de 1662), mas com imensas dificuldades, pois nas câmaras parlamentares londrinas a tendência protestante, avessa ao catolicismo, era muito forte. Depois de quarenta anos de debates, o novo Prayer Book foi finalmente introduzido autorizando assim todas as modificações que diziam respeito às formas de culto. O anglo-catolicismo esteve também na origem da renovação monástica ocorrida no século XX, apesar de esta se ter iniciado na segunda metade do século anterior. O Conselho Britânico das Igrejas, criado em 1943, permitiu a coordenação de esforços com os dissidentes anglicanos.
A 23 de março de 1966, D. Ramsey, arcebispo da Cantuária, visitou o Papa Paulo VI. Na década de oitenta do século passado foi estudada a possibilidade de ordenação de mulheres. Paralelamente, mulheres anglicanas dos Estados Unidos e da Nova Zelândia seriam eleitas para a dignidade bispal nas décadas que se sucederam. Finalmente, em 1992, a Igreja inglesa oficializou o sacerdócio feminino. Em 1994 mais de trinta mulheres tinham já sido ordenadas, o que não deixou de provocar uma série de protestos no seio da própria Igreja anglicana.
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Como referenciar
Anglicanismo na Infopédia [em linha]. Porto Editora. Disponível em https://www.infopedia.pt/artigos/$anglicanismo [visualizado em 2025-06-18 22:43:06].
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