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Cântico do Homem
Cântico do Homem corresponde, no conjunto da obra poética de Miguel Torga, a uma das coletâneas onde mais nítida se ouve a razão histórica que dita a revolta de um autor que, inflexível na resistência contra tudo o que representasse cerceamento da liberdade humana, vinha sofrendo, sobretudo desde a segunda metade da década de 40, sucessivas repressões à sua liberdade pessoal, profissional e literária. O conjunto de significados levantados quer pelo "cântico", consubstanciado lexicalmente pelo "canto" ou pelo "grito" e, estilisticamente, por um tom predominantemente exclamativo, quer pela qualificação como sendo "do homem", isto é, não de um eu individual, mas de um eu que se faz voz da humanidade, convertem este volume numa das mais pungentes reflexões do homem do pós-guerra que não se reconhece no espelho de homem, "corpo e alma da degradação", que um contexto histórico desproveu de qualquer humanismo e cuja imagem "flutua / Na podridão dos charcos luarentos!". Ao mesmo tempo, o "homem" anunciado pelo título remete para um arquetípico "Ecce Homo", que recebeu as dores do mundo para o redimir, e à imagem do qual o poeta também suplica uma coroa de "espinhos", "Cilícios vegetais / sobre a fronte de quem / sobre a fronte de quem / Tem nojo das carícias do presente". Composições como "Ar Livre" ou "Dies Irae" permitem uma leitura como denúncia política, comparecendo como documento histórico da revolta contra o cerco levantado, nesses anos, em torno do país e de cada homem - significativamente aquela segunda composição será escolhida para figurar na folha antológica do 5.º fascículo de Notícias do Bloqueio. Como contraponto de um desespero tanto mais intenso quanto é plasmado em formas comedidas, resta o apelo à fraternidade e à "temeridade", e, sobretudo, o arrimo de "homem natural" de que se nutre para proclamar uma ilimitada confiança na vida.
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Porto Editora – Cântico do Homem na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-12-12 08:26:31]. Disponível em
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