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Comércio na Idade Média
A revolução do setor comercial na Idade Média iniciada no século XI foi, essencialmente, uma revolução das técnicas comerciais, embora esta tenha sido muito lenta e não integral, porque nos finais do século XIII ainda coexistiam as velhas e as novas técnicas comerciais.
A forte influência da Igreja é apontada por muitos historiadores como uma das causas que contribuiu para o atraso verificado no desenvolvimento comercial e económico, pois aquela condenou, até certo ponto, a usura e sempre temeu e desconfiou do envolvimento dos mercadores em negócios comerciais potencializadores de avultados lucros.
Durante um longo período de tempo o comércio medievo foi uma atividade errante, na qual o mercador seguia a rota dos produtos, sendo a venda feita através da exposição direta dos artigos em lojas, mercados e feiras. Este processo foi propício à organização de grupos de mercadores, que se associavam por razões comerciais e também por questões de segurança. A título de exemplo, cite-se o caso dos almocreves, o protótipo do mercador itinerante que viaja em grupo ou, como no Portugal medievo se dizia, em recova. Só muito tardiamente se verificou a troca do mercador itinerante pelo mercador que controlava os seus negócios a partir de uma sede fixa.
O comércio, errante ou fixo, é a grande razão de ser da enorme importância das feiras no Ocidente medieval até ao século XIII. As feiras eram encontros entre mercadores que vinham, em muitos casos, de diversas partes da Europa para, num período de semanas, comprarem e venderem os seus produtos. No século XII apareceram ciclos de feiras europeias, regionais ou inter-regionais, que apenas não se realizavam durante as épocas de mau tempo: em Inglaterra, comprava-se lã em Winchester, Boston, Northampton, Saint-Yves e Stamford; na Flandres, fazia-se a redistribuição da lã em Ypres, Lille, Bruges, Malines e Thourout; na Champanhe, comerciava-se têxteis em Lagny, Provins, Bar-sur-Aube e Troyes, para além de outros produtos de várias origens.
Entre todas as feiras medievais, as mais importantes foram, sem dúvida, as feiras de Champanhe, que ligavam a Itália aos Países Baixos e que atraíam mercadores de toda a Europa. O seu esquema de funcionamento consecutivo, fazia com que praticamente durante todo o ano houvesse aí mercados a funcionar.
Os senhores interessados em chamar mercadores para as suas feiras eram obrigados a conceder a "paz do mercado" ou "paz da feira", coibindo vexames ou represálias, dando alojamento e condições de armazenamento dos produtos e prometendo a redução ou isenção de taxas. Esta política foi habilmente seguida pelos condes de Champanhe, que também se serviram do salvo-conduto e dos guardas das feiras para garantir o sucesso e o bom funcionamento das mesmas.
O salvo-conduto era a proteção oferecida pelos senhores aos comerciantes presentes nas suas feiras. Os guardas feiras eram funcionários responsabilizados pela manutenção da segurança dos mercadores. De início, estes eram apenas funcionários condais encarregados de organizar e controlar os regulamentos, mas desde 1174 passam a ter poderes jurisdicionais sobre os mercadores dentro dos limites privilegiados das feiras. No século XIII tinham uma jurisdição sobre todo o Ocidente medieval cristão, e a partir de 1260 foram generalizadas as "cartas dos guardas das feiras", que exigem a utilização de notários, procuradores e sargentos.
O apogeu destas feiras verificou-se entre o final do século XII e meados do século XIII, um período em que as feiras de Champanhe eram o centro do comércio ocidental e onde os lanifícios do Norte passavam para os italianos para serem redistribuídos no Mediterrâneo, enquanto os flamengos compravam tecidos de seda e especiarias, vendidas pelos comerciantes do Norte da Europa em Bruges, a par dos tecidos flamengos e do vinho francês.
Em meados do século XIII, estas feiras começaram a entrar em decadência e em 1250 mudaram radicalmente de feição: de mercado de tecidos passaram a ser centros de câmbio. Contudo, no primeiro quartel do século XIV era irremediável a derrocada destas feiras, apesar da sua reconversão. Nesta altura deu-se a sedentarização dos mercadores. Somente os empregados das grandes casas comerciais italianas deram continuidade à vida itinerante do mercador, mas, mesmo esses, fixaram-se nos grandes centros como Londres, Paris ou Bruges.
Nessa altura, também o comércio dos Países Baixos foi profundamente atingido com essa mutação, uma vez que muitos agentes italianos se instalaram na Flandres ou no Brabante (região a sul da primeira). Não havia agora mais necessidade dos compradores e dos vendedores de produtos comerciais frequentarem as feiras, quando podiam manter contactos permanentes entre si.
Este facto deve-se, essencialmente, ao desenvolvimento do comércio marítimo, também responsável por esta "revolução comercial" e sobre o qual se impõe uma breve referência. Até ao século XIII, este modo de transacionar mercadorias a longa distância conhecia obstáculos intransponíveis. Entre eles, pode destacar-se o fraco desenvolvimento técnico da navegação e, sobretudo, o domínio árabe do Mediterrâneo, o qual impedia um tráfego constante e consistente.
Contudo, no final daquela centúria, após a simbólica viagem dos irmãos genoveses Vivaldi ao longo da costa ocidental africana até quase ao Bojador, os navios cristãos ultrapassaram o estreito de Gibraltar e passaram a ligar regularmente os dois polos mais importantes do comércio europeu (as repúblicas italianas e o Norte flamengo), retomando uma desaparecida tradição fenícia, que atravessava o Mediterrâneo e seguia pelo Atlântico até à Cornualha inglesa (ilhas Scilly, ou Cassitérides, de onde provém o nome científico do estanho, a cassiterite) em busca de estanho.
Todos os anos, as "galeras di mercato" venezianas e os navios de Génova partiam em direção ao Norte enquanto as "cocas" nórdicas passavam a ser visita habitual nas margens do Sul do continente (repetindo, pacificamente, as rotas vikings). O tipo de navegação então praticado, de cabotagem, tocando inúmeros portos, representou um importante fator de dinamização de novos mercados como a Península Ibérica.
A forte influência da Igreja é apontada por muitos historiadores como uma das causas que contribuiu para o atraso verificado no desenvolvimento comercial e económico, pois aquela condenou, até certo ponto, a usura e sempre temeu e desconfiou do envolvimento dos mercadores em negócios comerciais potencializadores de avultados lucros.
Durante um longo período de tempo o comércio medievo foi uma atividade errante, na qual o mercador seguia a rota dos produtos, sendo a venda feita através da exposição direta dos artigos em lojas, mercados e feiras. Este processo foi propício à organização de grupos de mercadores, que se associavam por razões comerciais e também por questões de segurança. A título de exemplo, cite-se o caso dos almocreves, o protótipo do mercador itinerante que viaja em grupo ou, como no Portugal medievo se dizia, em recova. Só muito tardiamente se verificou a troca do mercador itinerante pelo mercador que controlava os seus negócios a partir de uma sede fixa.
O comércio, errante ou fixo, é a grande razão de ser da enorme importância das feiras no Ocidente medieval até ao século XIII. As feiras eram encontros entre mercadores que vinham, em muitos casos, de diversas partes da Europa para, num período de semanas, comprarem e venderem os seus produtos. No século XII apareceram ciclos de feiras europeias, regionais ou inter-regionais, que apenas não se realizavam durante as épocas de mau tempo: em Inglaterra, comprava-se lã em Winchester, Boston, Northampton, Saint-Yves e Stamford; na Flandres, fazia-se a redistribuição da lã em Ypres, Lille, Bruges, Malines e Thourout; na Champanhe, comerciava-se têxteis em Lagny, Provins, Bar-sur-Aube e Troyes, para além de outros produtos de várias origens.
Entre todas as feiras medievais, as mais importantes foram, sem dúvida, as feiras de Champanhe, que ligavam a Itália aos Países Baixos e que atraíam mercadores de toda a Europa. O seu esquema de funcionamento consecutivo, fazia com que praticamente durante todo o ano houvesse aí mercados a funcionar.
Os senhores interessados em chamar mercadores para as suas feiras eram obrigados a conceder a "paz do mercado" ou "paz da feira", coibindo vexames ou represálias, dando alojamento e condições de armazenamento dos produtos e prometendo a redução ou isenção de taxas. Esta política foi habilmente seguida pelos condes de Champanhe, que também se serviram do salvo-conduto e dos guardas das feiras para garantir o sucesso e o bom funcionamento das mesmas.
O salvo-conduto era a proteção oferecida pelos senhores aos comerciantes presentes nas suas feiras. Os guardas feiras eram funcionários responsabilizados pela manutenção da segurança dos mercadores. De início, estes eram apenas funcionários condais encarregados de organizar e controlar os regulamentos, mas desde 1174 passam a ter poderes jurisdicionais sobre os mercadores dentro dos limites privilegiados das feiras. No século XIII tinham uma jurisdição sobre todo o Ocidente medieval cristão, e a partir de 1260 foram generalizadas as "cartas dos guardas das feiras", que exigem a utilização de notários, procuradores e sargentos.
O apogeu destas feiras verificou-se entre o final do século XII e meados do século XIII, um período em que as feiras de Champanhe eram o centro do comércio ocidental e onde os lanifícios do Norte passavam para os italianos para serem redistribuídos no Mediterrâneo, enquanto os flamengos compravam tecidos de seda e especiarias, vendidas pelos comerciantes do Norte da Europa em Bruges, a par dos tecidos flamengos e do vinho francês.
Em meados do século XIII, estas feiras começaram a entrar em decadência e em 1250 mudaram radicalmente de feição: de mercado de tecidos passaram a ser centros de câmbio. Contudo, no primeiro quartel do século XIV era irremediável a derrocada destas feiras, apesar da sua reconversão. Nesta altura deu-se a sedentarização dos mercadores. Somente os empregados das grandes casas comerciais italianas deram continuidade à vida itinerante do mercador, mas, mesmo esses, fixaram-se nos grandes centros como Londres, Paris ou Bruges.
Nessa altura, também o comércio dos Países Baixos foi profundamente atingido com essa mutação, uma vez que muitos agentes italianos se instalaram na Flandres ou no Brabante (região a sul da primeira). Não havia agora mais necessidade dos compradores e dos vendedores de produtos comerciais frequentarem as feiras, quando podiam manter contactos permanentes entre si.
Este facto deve-se, essencialmente, ao desenvolvimento do comércio marítimo, também responsável por esta "revolução comercial" e sobre o qual se impõe uma breve referência. Até ao século XIII, este modo de transacionar mercadorias a longa distância conhecia obstáculos intransponíveis. Entre eles, pode destacar-se o fraco desenvolvimento técnico da navegação e, sobretudo, o domínio árabe do Mediterrâneo, o qual impedia um tráfego constante e consistente.
Contudo, no final daquela centúria, após a simbólica viagem dos irmãos genoveses Vivaldi ao longo da costa ocidental africana até quase ao Bojador, os navios cristãos ultrapassaram o estreito de Gibraltar e passaram a ligar regularmente os dois polos mais importantes do comércio europeu (as repúblicas italianas e o Norte flamengo), retomando uma desaparecida tradição fenícia, que atravessava o Mediterrâneo e seguia pelo Atlântico até à Cornualha inglesa (ilhas Scilly, ou Cassitérides, de onde provém o nome científico do estanho, a cassiterite) em busca de estanho.
Todos os anos, as "galeras di mercato" venezianas e os navios de Génova partiam em direção ao Norte enquanto as "cocas" nórdicas passavam a ser visita habitual nas margens do Sul do continente (repetindo, pacificamente, as rotas vikings). O tipo de navegação então praticado, de cabotagem, tocando inúmeros portos, representou um importante fator de dinamização de novos mercados como a Península Ibérica.
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Como referenciar
Porto Editora – Comércio na Idade Média na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-10-08 06:34:27]. Disponível em
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