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consciência coletiva
O conceito de consciência coletiva, embora não de modo exclusivo - refira-se que o marxismo assume como coletiva a consciência de classe - é eminentemente durkheimiano. Segundo Durkheim (1974, Las reglas del método sociológico. Madrid: Morata), os factos sociais, constituindo uma realidade sui generis, sociologicamente objetiva e autónoma, irredutível quer às suas partes quer a outras dimensões da realidade (por exemplo, climatérica, biológica, psicológica), explicam-se a partir de fatores sociais. Os factos sociais representam modos de agir, de pensar e de sentir, que se definem pela exterioridade (apresentam-se ao observador como vindos de fora) e pelo constrangimento (impõem-se ao sujeito, independentemente da sua vontade). Ora, é justamente no quadro de conceção holística e funcionalista da sociedade, por parte de Durkheim (1977, A divisão do trabalho social, I. Lisboa: Presença) - em que o todo é mais que uma simples soma das partes e cada parte deve ser considerada na sua relação e harmonia com o todo -, que o conceito de consciência coletiva deve ser enquadrado e entendido. Assim, a consciência coletiva representa o conjunto de normas e valores, atitudes e crenças, signos e símbolos partilhados por uma comunidade ou sociedade, cuja ausência ou enfraquecimento se torna causadora de situações de crise, caos e anomia, a qual é sintoma de desregulação da sociedade. Dado que o Homem é tendencialmente devasso e insaciável por natureza, importa regular e controlar os seus apetites desenfreados, quer excecionalmente pela repressão física, quer pela via da autoridade moral, não só através da moralização do Estado, como sobretudo através da integração dos indivíduos na família, na escola e sobretudo nas associações de tipo corporativo, superando quer o individualismo e utilitarismo de cariz liberal, quer o socialismo, ambos incapazes de fazer face ao moderno mal-estar social. Assente é, porém, o facto de, em regra, os indivíduos se conformarem geralmente a padrões de pensamento e ação sociais que vão sendo assimilados desde o nascimento no processo de socialização.
Distinguindo-se da consciência individual - de cuja motivação se ocupa a Psicologia -, a consciência coletiva relaciona-se com a estrutura da sociedade, a divisão do trabalho e o correlativo tipo de solidariedade. Na sua obra Divisão social do trabalho - cujos objetivos centrais consistem em determinar a função da divisão social do trabalho e acentuar a necessidade do consenso, quer nas sociedades primitivas e agrárias, quer nas modernas - industriais -, Durkheim (1977) distingue dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Embora não devam ser considerados de forma dualista e mutuamente exclusiva, elas distinguem-se do seguinte modo: enquanto a solidariedade mecânica ou por similitude, sendo própria das sociedades tribais ou agrárias baseadas nas relações de arentesco, assim é chamada por analogia com a coesão e a harmonia que as peças dos corpos brutos apresentam quando se movem conjuntamente e com movimentos próprios, a solidariedade orgânica, sendo condição e indicativo das modernas sociedades industriais, derivaria da interdependência e complementariedade de funções diferenciadas e especiais na moderna divisão social de trabalho. Enquanto nas primeiras o indivíduo encontra-se fortemente ligado ao grupo e suas normas, sendo-lhe proibidos atos que manifestem dissemelhança ou desvio às referidas normas ou afetem os sentimentos comuns ou a consciência coletiva do grupo, nas segundas cada indivíduo reteria a sua esfera de ação e a sua idiossincracia ou personalidade individual, podendo dar lugar a fenómenos acentuados de individualismo e anomia, a que importa obviar mediante a criação de uma "nova moral". Enquanto nas primeiras é sobretudo através do direito penal, de carácter repressivo, que se afere a qualidade de ato criminoso, nas segundas, além de outros indicadores (economia, artes, ciências), a solidariedade é medida através das normas jurídicas de direitos cooperativo e restitutivo (família, obrigações, comercial, administrativo e constitucional), cujas sanções têm em vista repor, na medida do possível, a situação anterior do ator afetado. Enquanto nas primeiras o ato criminoso - que se caracteriza não por qualquer propriedade intrínseca mas por afetar difusamente e numa intensidade média estados fortes e passionais da consciência coletiva - é condenado pela (quase) totalidade dos membros da comunidade e, como tal, torna-se necessário expiar o crime não só para corrigir o ofensor como para manter a coesão social e manifestar a vitalidade da consciência coletiva ofendida, nas segundas a violação destas normas só excecionalmente implica repressão, nomeadamente quando afeta portadores de cargos administrativos e governamentais. Em suma, quer num quer noutro tipo de solidariedade, para Durkheim (1959, Socialism and Saint-Simon, organizado por A. Gouldner. London: Routledge & Kegan Paul) é justamente a conformidade com a referida consciência coletiva e a consequente satisfação do indivíduo com o seu próprio lugar e função que constituíam condições indispensáveis para a consolidação de determinada ordem social.
Distinguindo-se da consciência individual - de cuja motivação se ocupa a Psicologia -, a consciência coletiva relaciona-se com a estrutura da sociedade, a divisão do trabalho e o correlativo tipo de solidariedade. Na sua obra Divisão social do trabalho - cujos objetivos centrais consistem em determinar a função da divisão social do trabalho e acentuar a necessidade do consenso, quer nas sociedades primitivas e agrárias, quer nas modernas - industriais -, Durkheim (1977) distingue dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Embora não devam ser considerados de forma dualista e mutuamente exclusiva, elas distinguem-se do seguinte modo: enquanto a solidariedade mecânica ou por similitude, sendo própria das sociedades tribais ou agrárias baseadas nas relações de arentesco, assim é chamada por analogia com a coesão e a harmonia que as peças dos corpos brutos apresentam quando se movem conjuntamente e com movimentos próprios, a solidariedade orgânica, sendo condição e indicativo das modernas sociedades industriais, derivaria da interdependência e complementariedade de funções diferenciadas e especiais na moderna divisão social de trabalho. Enquanto nas primeiras o indivíduo encontra-se fortemente ligado ao grupo e suas normas, sendo-lhe proibidos atos que manifestem dissemelhança ou desvio às referidas normas ou afetem os sentimentos comuns ou a consciência coletiva do grupo, nas segundas cada indivíduo reteria a sua esfera de ação e a sua idiossincracia ou personalidade individual, podendo dar lugar a fenómenos acentuados de individualismo e anomia, a que importa obviar mediante a criação de uma "nova moral". Enquanto nas primeiras é sobretudo através do direito penal, de carácter repressivo, que se afere a qualidade de ato criminoso, nas segundas, além de outros indicadores (economia, artes, ciências), a solidariedade é medida através das normas jurídicas de direitos cooperativo e restitutivo (família, obrigações, comercial, administrativo e constitucional), cujas sanções têm em vista repor, na medida do possível, a situação anterior do ator afetado. Enquanto nas primeiras o ato criminoso - que se caracteriza não por qualquer propriedade intrínseca mas por afetar difusamente e numa intensidade média estados fortes e passionais da consciência coletiva - é condenado pela (quase) totalidade dos membros da comunidade e, como tal, torna-se necessário expiar o crime não só para corrigir o ofensor como para manter a coesão social e manifestar a vitalidade da consciência coletiva ofendida, nas segundas a violação destas normas só excecionalmente implica repressão, nomeadamente quando afeta portadores de cargos administrativos e governamentais. Em suma, quer num quer noutro tipo de solidariedade, para Durkheim (1959, Socialism and Saint-Simon, organizado por A. Gouldner. London: Routledge & Kegan Paul) é justamente a conformidade com a referida consciência coletiva e a consequente satisfação do indivíduo com o seu próprio lugar e função que constituíam condições indispensáveis para a consolidação de determinada ordem social.
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Como referenciar
Porto Editora – consciência coletiva na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-09-15 03:55:35]. Disponível em
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