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Guerra do Peloponeso
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O século V a. C. é tradicionalmente considerado como a época de esplendor máximo da civilização da Grécia antiga. Se, por um lado, fora atingida no mundo grego uma magnitude tão elevada nas artes, nas ciências, na cultura, mesmo no mundo material, este período é, por outro lado, assinalado por uma difícil e tumultuosa paz e estabilidade política. Para além das Guerras Persas, outros momentos de instabilidade e acesa rivalidade entre as polis marcam o século de Péricles. A divisão culmina com o antagonismo militar entre dois blocos helénicos rivais que se digladiarão e agitarão o Mediterrâneo Oriental: a Guerra do Peloponeso, entre Esparta (cidade-estado de tradição militarista e costumes austeros) e a brilhante Atenas, centro político e civilizacional por excelência do mundo do século V a. C.
Este conflito arrastar-se-á entre 431 e 404 a. C., com alianças e um rasto de destruição, para além da intervenção persa. As relações entre Atenas e Esparta eram tensas, ainda que formalmente amigáveis durante as Guerras Persas, agudizando-se gradualmente a partir de 450 a. C., com lutas frequentes e tréguas cíclicas, tudo pela disputa da hegemonia grega. Atenas, dominando politicamente a Liga de Delos, controlava o comércio marítimo com a sua poderosa frota, desfrutando igualmente de uma boa situação financeira. Esparta, por seu lado, assentava a sua estratégia política num exército imbatível e bem treinado, respondendo à Liga de Delos com uma confederação de cidades do Peloponeso (península no Sul da Grécia) e da Grécia Central. O crescente poderio e a riqueza inigualável de Atenas alarmava Esparta, como dizia Tucídides, historiador grego. A guerra era assim inevitável, como pensava Péricles, que acumulou uma notável reserva financeira para suportar um conflito em larga escala. Em 445 a. C. ainda se chegou a uma acordo de paz previsto para trinta anos. Todavia, as alianças estavam feitas, e aí residia o detonador da guerra. Atenas, ao tentar captar Córcira, colónia de Corinto, para a sua esfera de influência, acionou o mecanismo das alianças. Corinto era aliada de Esparta, o que implicava que Córcira alinhasse nessa aliança: em 443, esta iniciativa de Atenas precipita a Guerra do Peloponeso.
Esta guerra pode dividir-se em dois períodos: o primeiro de 431 a 421, o segundo de 415 a 404 a. C. A guerra começa na primavera - no outono e inverno não se combatia -, quando Tebas, aliada de Esparta na Grécia Central, ataca Plateia, do bloco ateniense. Péricles, avaliando corretamente a superioridade do exército terrestre de Esparta, refugia a população do território da polis ateniense dentro das muralhas ou no Pireu, porto de Atenas, enquanto a sua frota ataca a costa do Peloponeso. Uma contrariedade assola, entretanto, a populosíssima Atenas - a peste -, que mata cerca de um terço da população. Entre os que sucumbem encontra-se Péricles. O moral baixa e deflagram revoltas contra Atenas. Os resultados da guerra variam, saldando-se em "empates": os chefes dos dois exércitos morrem em Anfípola em 422. Um ano depois, Esparta propõe a paz, que Atenas aceita.
Essa paz, que previa 50 anos de trégua, era efémera, pois logo em 415 recomeçarão as hostilidades, mais uma vez desencadeadas por Atenas, que ataca Siracusa, na Magna Grécia, com um golpe forte mas desastroso, pois sofre uma derrota perante Esparta. Dá-se aí o ponto de viragem da Guerra do Peloponeso, apesar da derrota ter acontecido por um triz, mercê de uma chefia fraca aquando da invasão da Sicília, traduzindo o claro declínio político e militar surgido com a morte de Péricles. Os historiadores veem no desaparecimento deste a razão do desastre ateniense, gorando-se a união da Hélade em torno de Atenas. A cidade cai nas mãos de uma oligarquia favorável à paz, que enfrenta sublevações da frota de guerra desejosa de reiniciar o conflito. Em 410, Alcibíades, à frente do exército ateniense, vence Esparta em Cízico. Cinco anos mais tarde, porém, na Batalha de Egospótamo, uma frota combinada de navios do bloco espartano e dos Persas - que auxiliam esta fação em troca da soberania das cidades gregas da Jónia (Ásia Menor) - vence a marinha de guerra ateniense. Atenas, sozinha e sitiada pelos exércitos de Esparta, cai em 404 a. C., acatando condições de paz desastrosas e regressando à oligarquia. O seu declínio marca a ascensão de Esparta e desfaz a única via possível para a unificação política do mundo grego, afetada rudemente com a devolução aos Persas das cidades da Ásia Menor em troca do seu ouro. A substituição do império ateniense, baseado no projeto de Delos, por um outro, militarizado, como o de Esparta, não trará grandes alterações ou momentos de grandeza helénica, antes inicia o apagar do "fogo grego".
A importância desta guerra reside também no facto de ter envolvido quase todos os estados gregos, para além de ter registado um número sem precedentes de homens em armas e um elevado consumo de recursos materiais. O poder naval foi fundamental, num teatro de guerra onde tal se justificava, pois desenrolou-se entre a Ásia Menor e a Sicília. Anteriormente, as guerras tinham um carácter estival, de curta duração, com alguns recontros de infantaria (hoplitas) e poucos combatentes, sem grandes estratégias e investimentos logísticos, com um carácter simples e com o seu fim a depender de cedências pela fome ou fuga de uma fação. A Guerra do Peloponeso foi diferente: grandes blocos de estados, várias áreas de combate, com estratégia definida e dependendo da ação de Esparta ou Atenas - uma, potência terrestre; a outra, naval e detentora de um império financeiro e comercial.
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Como referenciar
Porto Editora – Guerra do Peloponeso na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-05-23 02:26:14]. Disponível em
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