Horto de Incêndio
Se nada é aleatório num livro (no texto, mas também no que é exterior ao texto), muito menos o será num autor que acumula as funções de poeta com as de editor. No objeto material que é o livro Horto de Incêndio, tudo é significado, desde a fotografia do autor escolhida para a capa (olhar acossado ou fascinado, que se esconde ou defende por detrás da mão), até à escolha da cor cinzenta como cor dominante do livro. Paráfrase irónica do medieval Horto do Esposo, obra onde se descreve de forma alegórica o itinerário da alma na sua ascensão mística até ao conhecimento divino, o título anuncia como tema o seu reverso, ou seja, uma espécie de visita ao Inferno num espaço e num tempo onde a vivência humana é pautada pela ausência de Deus. Dividida em duas partes, a segunda das quais intitulada "Morte de Rimbaud dita em voz alta no Coliseu de Lisboa a 20 de novembro de 1996", a coletânea abre com um "recado" ("ouve-me / que o dia te seja limpo e / a cada esquina de luz possas recolher / alimento suficiente para a tua morte"), indicador de que estamos perante uma experiência poética que assume radicalmente a disforia como forma de insurreição contra uma humanidade continuamente agente e vítima da destruição e da morte. Escrevendo, como o autor da "Carta de Emile" "sentado na parte mais triste do meu corpo", sobre um "cemitério ambulante", onde "cada um de nós / sepultou na alma um quantidade desumana / de dor e de mortos / tudo se decompõe / apodrece / e as mãos enterram-se no estrume das horas", o clima de destroços que rodeia a existência estende-se de forma concreta a um país e a uma época: "ouço o atlântico uivando de abandono / enquanto os dedos se cansam a pouco e pouco / na lenta escrita de um diário - depois / fecho o mapa e vou / pela crueldade desta década sem paixão."
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Como referenciar
Porto Editora – Horto de Incêndio na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-02-19 20:56:35]. Disponível em
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