Pátria Sensível
A escrita romanesca de Pátria Sensível ou Que Fazer do Corpo com seus Rios, Margens & Afluentes, nome completo desta obra de Casimiro de Brito, encadeia sete percursos discursivos ("Animais obsessivos"; "Leo nas Cidades"; "Magda, Interiores"; "Samuel nas Ilhas"; "As Máscaras de Ema"; "Diário de Autor" e "Margens e Afluentes") ou, mais precisamente, sete "personagens-discursos que funcionam como apelos de escrita e que são as entidades capitulares da sua ficção em desajuste voluntário" (cf. SEIXO, Maria Alzira - A Palavra do Romance, Lisboa, 1986, p. 60). É em "Diário de Autor" que se situam alguns fragmentos de reflexão sobre esta "conceção do texto plural e a prática [...] da irradiação de sentido" (id. ibi., p. 59), pela qual o romance se dissolve numa acumulação de máscaras, imagens, registos, levada a um excesso tal que a ordem dos capítulos é aleatória: "Dar um guia de leitura? Do género de: "Eu não sei leitor se tu olhas o mundo de cima para baixo e da esquerda para a direita como se estivesses a ler a página de um livro, não sei se abres as fendas da tua memória cronologicamente. Este livro poderás lê-lo como quiseres, começar aqui ou além, seguir um caminho por ti inventado, de salto em salto [...] Não sei, o livro é teu, os círculos que te envolvem" (p. 150); "Agrada-me pensar que o livro em que trabalho são vários livros, tantos quantos os leitores que fizerem do meu texto, por um momento que seja, o seu espelho, um rio onde possam colher interpretações distintas e até opostas do amor e da morte, do poder e do prazer, dos sentidos do vento. O livro que muda de pele. Não sei quem disse que um livro é um fruto comido por mil bocas e ainda intacto." (p. 239). O assumir de um texto desalinhado, "minuciosamente antinovelístico", nasce da convicção que a criação literária integra um processo de autognose individual e coletiva, partilhada por autor e leitor que se reconhecem, e reconhecem o seu tempo, nos vários rostos do homem que lhes são oferecidos. O recurso a "todos os esquemas possíveis de intertextualidade: alusões, referências, pastiches, paródias, citações, mitos, personagens... [...] Isso & o resto: cenas da vida pessoal, ideologia/s, subsolos do sonho, autópsias de cadáveres públicos e privados" permite então operar várias dissecações sobre o corpo da língua experimentada na sua materialidade ao longo dos caminhos da indagação de outros corpos: o da pátria e o do homem que se transforma "num homem estranho". O fio condutor da escrita é assim um contrato de exigência com o leitor, para que, através da obscuridade, encontre a sua (e nossa) própria identidade: "Os livros fáceis não merecem ser lidos mas nem sempre encontro prazer nos livros obscuros. O que busco é uma terra onde se ouça um canto que pudesse ter sido escrito por alguém ainda por nascer." (p. 198).
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Como referenciar
Pátria Sensível na Infopédia [em linha]. Porto Editora. Disponível em https://www.infopedia.pt/artigos/$patria-sensivel [visualizado em 2025-07-10 17:07:37].
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