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Poesias Completas, 1951-1981
Inserindo-se numa tradição que, por um lado, entronca na tradição satírica que "parte dos cancioneiros medievais e passa pelos setecentistas Tolentino e Abade de Jazente, e, por outro, [n]o realismo 'prosaico' de Cesário Verde, com achegas, a partir de certa altura, de um outro 'prosaico', o brasileiro João Cabral de Melo Neto" (MARTINHO, F. J. B., op. cit., 1996, p. 39), mesmo se o próprio autor coloca em derisão uma teoria crítica das influências ("Dizem que me junqueiro, que me tolentino / e até que me paulino, [...] Serei, meu Deus, um ser reminiscente, / um desses semblantes ante os quais manda a prudência / que se pergunte ao botão antes de mais: / - Onde é que eu já vi este tratante?", "Autocrítica"), a poesia de Alexandre O'Neill preserva-se do conformismo com correntes ou modelos por um estilo "prosaico", definido como: "o não enfático, / o que não mente a si mesmo, / o que não escreve a esmo, / o que não quer ser simpático / o que é a palo seco, / o que não toma por outro / mais fácil trajeto" ("Saudação a João Cabral de Melo Neto"). Fiel ao princípio surrealista de libertação da palavra (cf. ROCHA, Clara, in prefácio a Poesias Completas), no campo da poesia de O'Neill tudo é permitido desde que não signifique fixação: o uso do versilibrismo ou da regularidade métrica, a palavra sublime ou sórdida, a enumeração caótica ou encadeada fonicamente; a escrita como efeito lúdico; as imagens visuais insólitas; o jogo de palavras, os neologismos, a exploração da visualidade da palavra. A única constante da sua poesia é o humor, e é pelo humor que a escrita concilia a sua dupla vertente de invenção e de intervenção (cf. "Pela Voz Contrafeita da Poesia", "deliciados poetas duma angústia / sem vísceras reais / já não é vosso o tempo. / [...] Porque é tempo de romper com tudo isto / é tempo de unir no mesmo gesto / o real e o sonho / é tempo de libertar as imagens e as palavras / das minas do sonho a que descemos / mineiros sonâmbulos da imaginação"). Nesta medida, as Poesias Completas tanto podem ser observadas sob o ângulo da vanguarda (modernista, surrealista ou experimental), como sob o ponto de vista da tradição literária, com cultivo de modelos fixos, como o do soneto. Exercício de auto-ironia, individual e coletiva, que passa pela reflexão sobre a escrita e sobre Portugal ("O País Relativo", "País por conhecer, por escrever, por ler..."), a obra de O'Neill visa (como os de Orpheu) chocar o "lepidóptero" português pela violência expressiva de uma poesia que subverte os limites da "antipoesia", que explora o nonsense e os efeitos carnavalescos da palavra, e à qual é difícil aplicar parâmetros críticos, já que, como a criação surrealista, a sua poesia pressupõe uma adesão afetiva.
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Como referenciar
Porto Editora – Poesias Completas, 1951-1981 na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-01-14 09:39:34]. Disponível em
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