4 min
pragmática
Disciplina da linguística que se dedica ao "estudo do uso da língua por oposição ao estudo do sistema da língua" (J. Moeshler e A. Reboul, 1994). A pragmática radica no princípio de que a interpretação de um enunciado não se pode fazer apenas baseado na informação linguística, uma vez que existe todo um conjunto de informações para-linguísticas, não linguísticas e contextuais que interferem e condicionam a produção e interpretação de cada enunciado.
Todos os dias produzimos e recebemos enunciados diferentes, como Tens horas? ou Fica prometido! ou ainda Obrigadíssima!, cuja intenção e cujo objetivo comunicativo são (des)codificados graças ao nosso conhecimento não apenas linguístico, mas pragmático. Ao usarmos a língua convocamos naturalmente um conjunto de conhecimentos linguísticos, mas servimo-nos igualmente de um arsenal de conhecimentos extra-linguísticos que nos permitem adaptar aquilo que dizemos à situação em que nos encontramos, conhecimentos esses que podem ser culturais, sociológicos, psicológicos, ou influenciados por um conhecimento partilhado por locutor e alocutário. São estes conhecimentos que nos permitem adequar a fórmula de tratamento o senhor ou o senhor doutor ao alocutário consoante o seu estatuto social, que nos permitem identificar uma frase interrogativa como pergunta (Posso fumar?) ou como pedido (Podia trazer-me um cinzeiro?), que nos permitem identificar uma frase declarativa como convite (Está um belo dia para sair) ou como constatação (Está um belo dia de sol), ou que nos permitem reconhecer um agradecimento delicado (Muito obrigado. Nem sei como lhe agradecer tanta gentileza) de um agradecimento pouco polido (Obrigado e não volte!). A constatação de que nem todos os enunciados que produzimos têm em vista a constatação de uma realidade (exemplo de ato ilocutório assertivo: A Maria casou-se com o Pedro) mas que pelo contrário têm em vista a realização de um ato (exemplo de ato ilocutório declarativo: Declaro-vos marido e mulher) está na base da teoria dos atos de fala de J. Austin, mais tarde desenvolvida por J. Searle. Searle desenvolveu uma tipologia de seis atos ilocutórios (assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos, declarativos e declarativos assertivos) decorrente dos conceitos de força ilocutória (função e impacto que um enunciado assume no contexto em que é produzido de acordo com as relações de poder, estatuto e intimidade existente entre locutor e alocutário - é o que permite distinguir o pedido, da sugestão, ou da ordem) e de objetivo ilocutório (intenção com que cada enunciado é produzido).
A pragmática estuda igualmente os princípios que regulam o uso da língua, como o princípio da cooperação (H.P. Grice, 1975, 1978) consubstanciado pelas máximas conversacionais (H.P. Grice, 1975) da Qualidade (sê verdadeiro, não digas o que crês ser falso ou aquilo de que não tens provas), da Quantidade (torna o teu enunciado nem mais nem menos informativo do que é devido), da Relação (sê relevante) e do Modo (sê claro, evita ambiguidades) e o princípio da delicadeza (G. Leech, 1973).
Sempre que não se verifique a total observância das máximas conversacionais, estamos na linha nem sempre clara entre o dito e o implícito. Enunciados do tipo "Ele é feio mas é simpático" permitem construir certo tipo de inferências nem sempre lógicas, mas decorrentes de usos coletivos: apesar de ser esperado que alguém feio seja antipático, este indivíduo é, ao contrário das expectativas, simpático. A este tipo de inferências cuja interpretação decorre do significado convencional e literal das palavras chama-se implicaturas convencionais. Outro tipo de inferências cuja interpretação pode não ser verdadeira em qualquer contexto são as implicaturas conversacionais. A sua interpretação só pode ser obtida através do contexto em que é dita, como no exemplo: A: Vens ao cinema logo à noite?/ B: Não, vou ficar a estudar com a Sara./ A: Ah, há quem lhe chame estudar...
O estudo do contexto e a inscrição do sujeito na estrutura formal do sistema linguístico (deixis) são outros tópicos de grande destaque em Pragmática e que deram origem a diversas teorias centradas na análise das vozes que irrompem no discurso (heterogeneidade da língua e do discurso, (inter)subjetividade da linguagem, polifonia e dialogismo).
A pragmática desenvolveu-se, na década de sessenta, a partir dos trabalhos dos filósofos da linguagem J. Austin e J. Searle sobre a teoria dos atos da linguagem e de H. P. Grice sobre o implícito e sobre a análise da conversação e das máximas conversacionais.
A pragmática designa cada vez menos uma teoria particular, na medida em que é lugar de interseção de várias ciências humanas e de várias correntes de pensamento, de onde resultam as seguintes linhas de investigação:
- Uma semiótica inspirada na filosofia americana de C. S. Peirce;
- A teoria dos atos de fala saída da investigação de J. Austin e continuada por J. Searle;
- Estudo das inferências percebidas pelos participantes de uma interação (H. P. Grice, D. Sperber e D. Wilson);
- Teoria da enunciação linguística desenvolvida pelos trabalhos de C. Bally, R. Jakobson, E. Benveniste, A. Culioli e a teoria polifónica de O. Ducrot;
- Investigações sobre a argumentação na linguagem (O. Ducrot, C. Plantin; R. Amossy);
- Estudos sobre a interação verbal (C. Kerbrat-Orecchioni)
- Teorias da comunicação desenvolvidas pela Escola de Palo Alto (G. Bateson, P. Watzlavick)
A análise do discurso é outra disciplina da linguística que se cruza frequentemente com a pragmática, ao necessitar de tomar em consideração parâmetros pragmáticos como a interação e o papel dos participantes, o contexto, o implícito, a dimensão jurídica do discurso (o discurso é sustentado por uma rede de direitos e obrigações que devem ser tidos em consideração), a intersubjetividade, a modalidade, etc.
As principais tendências em pragmática repartem-se por três linhas de ação: a conceção de uma pragmática especificamente linguística (como defendido por O.Ducrot e J. C. Anscombre), a noção de processamento pragmático como decorrente do funcionamento do pensamento numa perspetiva cognitivista (cfr. D. Sperber e D. Wilson) e uma interação equilibrada entre a pragmática e a linguística (cfr. J. Moeshler e A. Reboul).
Continua em aberto o debate sobre os aspetos específicos da análise semântica e os aspetos em que domina a análise pragmática, sobretudo ao nível do estudo da referência nominal, da deixis, da força ilocutória de um enunciado, do implícito, da ironia, dos conectores, etc.
Em Portugal os principais estudos em Pragmática têm sido principalmente desenvolvidos por Joaquim Fonseca, Fernanda Irene Fonseca, Maria Aldina Marques, Emília Pedro e Rui Ramos, entre outros.
Todos os dias produzimos e recebemos enunciados diferentes, como Tens horas? ou Fica prometido! ou ainda Obrigadíssima!, cuja intenção e cujo objetivo comunicativo são (des)codificados graças ao nosso conhecimento não apenas linguístico, mas pragmático. Ao usarmos a língua convocamos naturalmente um conjunto de conhecimentos linguísticos, mas servimo-nos igualmente de um arsenal de conhecimentos extra-linguísticos que nos permitem adaptar aquilo que dizemos à situação em que nos encontramos, conhecimentos esses que podem ser culturais, sociológicos, psicológicos, ou influenciados por um conhecimento partilhado por locutor e alocutário. São estes conhecimentos que nos permitem adequar a fórmula de tratamento o senhor ou o senhor doutor ao alocutário consoante o seu estatuto social, que nos permitem identificar uma frase interrogativa como pergunta (Posso fumar?) ou como pedido (Podia trazer-me um cinzeiro?), que nos permitem identificar uma frase declarativa como convite (Está um belo dia para sair) ou como constatação (Está um belo dia de sol), ou que nos permitem reconhecer um agradecimento delicado (Muito obrigado. Nem sei como lhe agradecer tanta gentileza) de um agradecimento pouco polido (Obrigado e não volte!). A constatação de que nem todos os enunciados que produzimos têm em vista a constatação de uma realidade (exemplo de ato ilocutório assertivo: A Maria casou-se com o Pedro) mas que pelo contrário têm em vista a realização de um ato (exemplo de ato ilocutório declarativo: Declaro-vos marido e mulher) está na base da teoria dos atos de fala de J. Austin, mais tarde desenvolvida por J. Searle. Searle desenvolveu uma tipologia de seis atos ilocutórios (assertivos, diretivos, compromissivos, expressivos, declarativos e declarativos assertivos) decorrente dos conceitos de força ilocutória (função e impacto que um enunciado assume no contexto em que é produzido de acordo com as relações de poder, estatuto e intimidade existente entre locutor e alocutário - é o que permite distinguir o pedido, da sugestão, ou da ordem) e de objetivo ilocutório (intenção com que cada enunciado é produzido).
A pragmática estuda igualmente os princípios que regulam o uso da língua, como o princípio da cooperação (H.P. Grice, 1975, 1978) consubstanciado pelas máximas conversacionais (H.P. Grice, 1975) da Qualidade (sê verdadeiro, não digas o que crês ser falso ou aquilo de que não tens provas), da Quantidade (torna o teu enunciado nem mais nem menos informativo do que é devido), da Relação (sê relevante) e do Modo (sê claro, evita ambiguidades) e o princípio da delicadeza (G. Leech, 1973).
Sempre que não se verifique a total observância das máximas conversacionais, estamos na linha nem sempre clara entre o dito e o implícito. Enunciados do tipo "Ele é feio mas é simpático" permitem construir certo tipo de inferências nem sempre lógicas, mas decorrentes de usos coletivos: apesar de ser esperado que alguém feio seja antipático, este indivíduo é, ao contrário das expectativas, simpático. A este tipo de inferências cuja interpretação decorre do significado convencional e literal das palavras chama-se implicaturas convencionais. Outro tipo de inferências cuja interpretação pode não ser verdadeira em qualquer contexto são as implicaturas conversacionais. A sua interpretação só pode ser obtida através do contexto em que é dita, como no exemplo: A: Vens ao cinema logo à noite?/ B: Não, vou ficar a estudar com a Sara./ A: Ah, há quem lhe chame estudar...
O estudo do contexto e a inscrição do sujeito na estrutura formal do sistema linguístico (deixis) são outros tópicos de grande destaque em Pragmática e que deram origem a diversas teorias centradas na análise das vozes que irrompem no discurso (heterogeneidade da língua e do discurso, (inter)subjetividade da linguagem, polifonia e dialogismo).
A pragmática desenvolveu-se, na década de sessenta, a partir dos trabalhos dos filósofos da linguagem J. Austin e J. Searle sobre a teoria dos atos da linguagem e de H. P. Grice sobre o implícito e sobre a análise da conversação e das máximas conversacionais.
A pragmática designa cada vez menos uma teoria particular, na medida em que é lugar de interseção de várias ciências humanas e de várias correntes de pensamento, de onde resultam as seguintes linhas de investigação:
- Uma semiótica inspirada na filosofia americana de C. S. Peirce;
- A teoria dos atos de fala saída da investigação de J. Austin e continuada por J. Searle;
- Estudo das inferências percebidas pelos participantes de uma interação (H. P. Grice, D. Sperber e D. Wilson);
- Teoria da enunciação linguística desenvolvida pelos trabalhos de C. Bally, R. Jakobson, E. Benveniste, A. Culioli e a teoria polifónica de O. Ducrot;
- Investigações sobre a argumentação na linguagem (O. Ducrot, C. Plantin; R. Amossy);
- Estudos sobre a interação verbal (C. Kerbrat-Orecchioni)
- Teorias da comunicação desenvolvidas pela Escola de Palo Alto (G. Bateson, P. Watzlavick)
A análise do discurso é outra disciplina da linguística que se cruza frequentemente com a pragmática, ao necessitar de tomar em consideração parâmetros pragmáticos como a interação e o papel dos participantes, o contexto, o implícito, a dimensão jurídica do discurso (o discurso é sustentado por uma rede de direitos e obrigações que devem ser tidos em consideração), a intersubjetividade, a modalidade, etc.
As principais tendências em pragmática repartem-se por três linhas de ação: a conceção de uma pragmática especificamente linguística (como defendido por O.Ducrot e J. C. Anscombre), a noção de processamento pragmático como decorrente do funcionamento do pensamento numa perspetiva cognitivista (cfr. D. Sperber e D. Wilson) e uma interação equilibrada entre a pragmática e a linguística (cfr. J. Moeshler e A. Reboul).
Continua em aberto o debate sobre os aspetos específicos da análise semântica e os aspetos em que domina a análise pragmática, sobretudo ao nível do estudo da referência nominal, da deixis, da força ilocutória de um enunciado, do implícito, da ironia, dos conectores, etc.
Em Portugal os principais estudos em Pragmática têm sido principalmente desenvolvidos por Joaquim Fonseca, Fernanda Irene Fonseca, Maria Aldina Marques, Emília Pedro e Rui Ramos, entre outros.
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Como referenciar
Porto Editora – pragmática na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-11-07 10:25:20]. Disponível em
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