Só
Obra que consagrou o seu autor, António Nobre, como um marco da literatura portuguesa na transição da poesia parnasiana, decadentista e neorromântica para a poesia moderna.
Este livro de poesia melancólica, em que o autor exprime o seu sofrimento e a sua dor, e no qual se destacam o fatalismo, o egotismo, o pessimismo, a exploração do macabro e as saudades da infância e da pátria, foi editado em Paris por Léon Vanier (o editor de simbolistas como Verlaine, Rimbaud, Mallarmé), em 1892, aquando da conclusão dos estudos universitários do autor, na Sorbonne. Acolhendo reações opostas em Portugal, seria objeto de uma segunda edição, corrigida pelo autor, em 1898.
O volume gerou, desde o momento da sua publicação, pelo seu tom confessional, uma precipitada identificação entre autor e sujeito poético, numa correlação adensada pela omnipresença de um eu que reitera a sua perdição, a sua imagem de poeta amaldiçoado, a sua visceral melancolia.
Ungida, aquando desta reedição, como modelo de uma estética romântica reinventada no fim-de-século, tornar-se-ia, como o póstumo Primeiros Versos, um "breviário de almas desfalecidas, da legião melancólica e neurasténica dos que perderam a fé" (cf. BRANDÃO, Júlio - prefácio a Primeiros Versos, 2.ª ed., Porto, 1937).
Com efeito, Só dava voz a um pessimismo de fim-de-século que, adensado, no caso português, por um vencidismo adensado por uma humilhação histórica, eivava uma atmosfera decadentista vagamente melancólica de um Portugal perdido, saudosamente entrevisto nas páginas de Garrett ("Garrett da minha paixão") ou num Portugal da infância, duplamente amado na distância do exílio e do tempo. Ao lado desta aparência de lirismo ingénuo, passava a profunda inovação poética de Só que, conciliando singularmente rigor métrico e coloquialismo, pulverizando um sujeito poético que narcisicamente se ficciona nas imagens fragmentárias da memória, faria dele um precursor do modernismo, com visíveis nexos de continuidade, por exemplo, em Mário de Sá-Carneiro.
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