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Uma Vez Uma Voz. Poesia completa (1948-1983)
Obra completa de António Manuel Couto Viana, publicada em 1985, reunindo, com a datação de quase todas as composições (cf. índice), as seguintes obras do diretor de Graal: O Avestruz Lírico, No Sossego da Hora, O Coração e a Espada, A Face Nua, Mancha Solar, A Rosa Sibilina, Relatório Secreto, Realejo, Desesperadamente Vigilante, Pátria Exausta, Raiz da Lágrima, Voo Doméstico, Poeta em Veneza, África de Passagem, Por Mão Própria, Nado Nada, Ponto de Não Regresso, Entretanto Entre Tantos e Retábulo Para um Íntimo Natal. Introduzida por um estudo de José Carlos Seabra Pereira, a coletânea reproduz ainda textos sobre o autor, que tinham feito parte das publicações originais, da autoria de David Mourão-Ferreira, Artur Anselmo, Tomaz de Figueiredo, Eduíno de Jesus, Rodrigo Emílio, Franco Nogueira, João Bigotte Chorão e João Maia.
O volume de estreia, Avestruz Lírico, constitui, desde o título ao teor das suas composições, assumidamente avessas a uma poesia empenhada ("...É um poema banal, / (... (Não tem qualquer sentido social", "Fruto Serôdio"; "Podem pedir-me, em vão, / Poemas sociais, / Amor de irmão p'ra irmão / E outras coisas mais: // Falo de mim - só falo/ Daquilo que conheço. / O resto...calo / E esqueço.", "O Poeta e o Mundo"), um desafio a uma estética neorrealista, firmada entre os anos 40 e 50, que recusava a evasão e o egotismo. É neste sentido que Fernando J. B. Martinho (1996) vê no desejo de "quietação" e de inatividade glosado ao longo de O Avestruz Lírico um contraste com "o voluntarismo e a exaltação da atividade, da intervenção" na estética neorrealista, mesmo se esse ideal de alheamento ("Venha qualquer, / Há de encontrar-me assim:/ Alheio às atitudes de aluguer, / Límpido e nu como vim / Que eu não sei escolher / Sem me escolher a mim.", "Posição") é perpassado por um distanciamento irónico. A rutura faz-se também, a partir desta coletânea, a nível formal, numa reação contra a "imediatez da inspiração e contra o impuro aproveitamento da poesia para fins sociais", através do equilíbrio "entre os motivos e a técnica, entre os temas e as formas" (cf. MOURÃO-FERREIRA, David - "Notícia sobre a Távola Redonda" in Estrada larga 3, p. 392). O Coração e a Espada, publicado pela Távola Redonda, e dedicado à memória de Sebastião da Gama e a todos os companheiros da revista lançada em 1950, parte da comunhão entre o sujeito lírico e os ideais dos poetas congregados em torno da publicação, nomeadamente, a fidelidade à tradição lírica, pautada no rigor formal ("Cada poema, uma tortura / De rimas e ideias", "O Coração e a Espada"), o reatar com esquemas da poesia tradicional ("Rimance da Rosa") e o respeito pela liberdade íntima do poeta. Construída em torno da expressão de um sujeito entrincheirado no seu lúcido alheamento e irónica distância em relação aos outros, ao "social", a poesia de António Manuel Couto Viana vai, nas obras seguintes, fazendo concessões à inserção do eu numa coletividade com quem partilha a angústia do isolamento: em A Face Nua, por exemplo, nas composições "Hino a Paris, À Maneira do Poeta" e "Suspiro do Rapaz Provinciano", estabelecia a oposição entre a vida lá fora, onde se encontra "em cada esquina livre, a face nua" e um "aqui", onde "nossos passos têm musgos e grades"; abertura que se consubstanciará em Mancha Solar nos ecos de um pessimismo pós-guerra de uma geração que não viveu a guerra, mas que também não conheceu a libertação, encerrada num "túmulo seguro" e na iminência de um cataclismo global: "Não estamos seguros. Jamais estaremos seguros: / Vivemos ainda, mas sobre o abismo irremediável" ("Aviso Inútil"). Alargando a partir daqui os motivos e a técnica compositiva, a obra de António Manuel Couto Viana encontra entre os primeiros volumes e as publicações mais recentes um fio condutor na exigência de uma expressão depurada, rítmica e metricamente perfeita, e o amor pela Poesia, lugar de equilíbrio entre compromisso existencial individual e comunicação estética.
O volume de estreia, Avestruz Lírico, constitui, desde o título ao teor das suas composições, assumidamente avessas a uma poesia empenhada ("...É um poema banal, / (... (Não tem qualquer sentido social", "Fruto Serôdio"; "Podem pedir-me, em vão, / Poemas sociais, / Amor de irmão p'ra irmão / E outras coisas mais: // Falo de mim - só falo/ Daquilo que conheço. / O resto...calo / E esqueço.", "O Poeta e o Mundo"), um desafio a uma estética neorrealista, firmada entre os anos 40 e 50, que recusava a evasão e o egotismo. É neste sentido que Fernando J. B. Martinho (1996) vê no desejo de "quietação" e de inatividade glosado ao longo de O Avestruz Lírico um contraste com "o voluntarismo e a exaltação da atividade, da intervenção" na estética neorrealista, mesmo se esse ideal de alheamento ("Venha qualquer, / Há de encontrar-me assim:/ Alheio às atitudes de aluguer, / Límpido e nu como vim / Que eu não sei escolher / Sem me escolher a mim.", "Posição") é perpassado por um distanciamento irónico. A rutura faz-se também, a partir desta coletânea, a nível formal, numa reação contra a "imediatez da inspiração e contra o impuro aproveitamento da poesia para fins sociais", através do equilíbrio "entre os motivos e a técnica, entre os temas e as formas" (cf. MOURÃO-FERREIRA, David - "Notícia sobre a Távola Redonda" in Estrada larga 3, p. 392). O Coração e a Espada, publicado pela Távola Redonda, e dedicado à memória de Sebastião da Gama e a todos os companheiros da revista lançada em 1950, parte da comunhão entre o sujeito lírico e os ideais dos poetas congregados em torno da publicação, nomeadamente, a fidelidade à tradição lírica, pautada no rigor formal ("Cada poema, uma tortura / De rimas e ideias", "O Coração e a Espada"), o reatar com esquemas da poesia tradicional ("Rimance da Rosa") e o respeito pela liberdade íntima do poeta. Construída em torno da expressão de um sujeito entrincheirado no seu lúcido alheamento e irónica distância em relação aos outros, ao "social", a poesia de António Manuel Couto Viana vai, nas obras seguintes, fazendo concessões à inserção do eu numa coletividade com quem partilha a angústia do isolamento: em A Face Nua, por exemplo, nas composições "Hino a Paris, À Maneira do Poeta" e "Suspiro do Rapaz Provinciano", estabelecia a oposição entre a vida lá fora, onde se encontra "em cada esquina livre, a face nua" e um "aqui", onde "nossos passos têm musgos e grades"; abertura que se consubstanciará em Mancha Solar nos ecos de um pessimismo pós-guerra de uma geração que não viveu a guerra, mas que também não conheceu a libertação, encerrada num "túmulo seguro" e na iminência de um cataclismo global: "Não estamos seguros. Jamais estaremos seguros: / Vivemos ainda, mas sobre o abismo irremediável" ("Aviso Inútil"). Alargando a partir daqui os motivos e a técnica compositiva, a obra de António Manuel Couto Viana encontra entre os primeiros volumes e as publicações mais recentes um fio condutor na exigência de uma expressão depurada, rítmica e metricamente perfeita, e o amor pela Poesia, lugar de equilíbrio entre compromisso existencial individual e comunicação estética.
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Como referenciar
Porto Editora – Uma Vez Uma Voz. Poesia completa (1948-1983) na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-01-14 09:26:12]. Disponível em
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