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Sempre ficarei grata a Alan Turing por ter inventado o computador, aos seus antecessores e a todos os que depois o desenvolveram, até se tornar o instrumento indispensável que hoje temos.
Quando eu era estudante havia na biblioteca do departamento um exemplar de cada livro de leitura obrigatória para trezentos alunos, e os escassos apontamentos de quem tinha a sorte de conseguir ler algumas páginas eram pacientemente recopiados pelos outros, porque nem sequer dispúnhamos de fotocopiadoras. Feitos por várias mãos, e aos solavancos, os apontamentos eram pouco fiáveis, por vezes incoerentes e truncados, porque o livro não podia sair daquela sala, e ninguém o conseguia ler inteiro.
Lembrei-me disso, sorrindo para mim mesma, quando fui escritora-residente na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Estava-se em plena era digital, nem eu nem ninguém dispensava o computador. Mas, além disso, quarenta bibliotecas estavam abertas vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana; no átrio e nos corredores havia máquinas onde comprar sanduíches, café, sumos, água, chocolate etc., e sofás onde até se podia adormecer; de certo modo, portanto, era possível «viver» dentro de bibliotecas, o que me parecia uma visão do paraíso.
Hoje parece-nos banal ter uma enciclopédia no telemóvel, notícias ao minuto e um sem-número de outras possibilidades. Vivemos «em rede» com o mundo.
Mas, se o acesso imediato à informação se tornou fácil, isso não nos torna automaticamente informados nem cultos. Só a reflexão e muito estudo nos permitem separar o essencial do acessório, formar juízos de valor, distinguir o verdadeiro do falso, assimilar conhecimentos e utilizá-los livremente em contextos novos. A tecnologia permite avançar mais depressa, mas não diminui em nada o esforço nem o trabalho de aprender ou descobrir o que quer que seja.
Ler livros, em qualquer plataforma, focar-se neles e reflectir sobre eles, é a chave do conhecimento e da aprendizagem. A leitura precisa de concentração e persistência, exige tempo, da mesma forma que a música necessita de tempo para ser ouvida.
Os livros que nos interessam, tal como a música que nos seduz, são lugares a que se volta, uma vez e outra, e onde se encontra sempre algo de novo.
O meu novo livro, O regresso de Júlia Mann a Paraty, tem cento e poucas páginas, mas é o resultado ficcional – para mim própria inesperado – de leituras infindáveis de autores e temas que me interessaram profundamente e que investiguei durante muitos anos. Não para escrever este livro, que então nem sabia que ia escrever, mas porque, desde muito jovem, busquei, não só na Literatura, mas também noutras áreas como a História, a Filosofia, a Psicologia profunda, possíveis olhares sobre o ser humano, que, a nível individual e colectivo, sempre me fascinou.
A ficção é para mim a forma mais exacta possível de partilhar o que vou encontrando. Mas, ao contrário do que acontece noutros livros que escrevi, todos os factos referidos neste são reais, e estão documentados. Não se trata, de modo nenhum, de um romance histórico, nem sequer o considero um romance. Prefiro encará-lo como três novelas entrelaçadas, a partir de pontos de vista diferentes: o de Freud pensando em Thomas Mann, o de Thomas Mann pensando em Freud, e o de Júlia Mann regressando (ficcionalmente) a Paraty – aonde, na verdade, nunca regressou, mas de onde, por vontade própria, nunca teria partido.
A narrativa é acessível a qualquer leitor, e o livro é breve. Mas, se ler pode ser fácil, escrever não é.
O que se vê acontecer como se fosse «agora» só foi possível relatar depois de um trabalho aturado e longo nos bastidores, por detrás de múltiplas cortinas.
Teolinda Gersão
NOTA: por vontade expressa da autora, o presente texto não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
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