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Escrevi a primeira versão desta história entre os 25 e os 28 anos, mas fiquei tão desanimado com o resultado que a deixei no fundo de uma pen. Mais tarde, por absoluta necessidade de criar, de dar uso à imaginação, decidi voltar a ela. Na altura, estava a lançar a Contraponto, a editora que dirijo, e os dias eram frenéticos. Quando chegava a casa, sentava-me de novo ao computador e punha-me a trabalhar numa tese de doutoramento. Sucede que, por entre pilhas de livros chatos e artigos científicos, talvez fugidas da pen guardada na gaveta, as personagens apareciam-me a saltitar no teclado e por toda a parte, até que o apelo da ficção se tornou muito mais veemente do que a vontade de me dar ao aborrecido texto académico. Sentia-me uma criança a ter de optar entre a escola e fazer gazeta para brincar num parque de diversões.
Foi, por isso, com a excitação da transgressão, um entusiasmo febril que só se sente quando sabemos estar a prevaricar, que recuperei alguns episódios e o grosso das personagens e, num frenesi que misturava alegria e alívio, desatei a escrever uma versão completamente nova do romance. Aproveitei todos os tempos livres: segundas à noite, todas as manhãs de sábados e domingos, dias feriados e até, de telemóvel na mão, esperas em consultórios médicos. Movia-me a viciante pulsão da ficção. É por esse motivo que quis que este livro fosse uma declaração de amor à imaginação e à capacidade de criar com que fomos dotados. Durante a escrita de ficção, conseguimos, muitas vezes, aceder à criptomnesia, uma espécie de gaveta funda onde estão arrumados conhecimentos e memórias que desconhecíamos possuir, e que possuem uma enorme força criadora. O processo de escrita teve ainda o condão de me permitir colocar em prática de forma regular uma dupla noção que eu havia adquirido durante a adolescência: a de que pensava melhor escrevendo e de que a escrita funcionava para mim como uma espécie de meditação.
Quero com tudo isto dizer que escrever este Baiôa sem data para morrer só me trouxe vantagens. A quem o ler não posso desejar proveito menor. Afinal, e ainda que, por vezes, nos esqueçamos disso, o livro e a leitura têm a enorme capacidade de nos oferecerem felicidade. Se Baiôa, Zé Patife, a Ti Zulmira, o fantasma do Dr. Bártolo ou Maria da Assombração, entre tantas outras personagens deste romance, derem aos leitores momentos felizes, eu serei um autor realizado.
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Rui Couceiro