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Não me lembro já das circunstâncias e com que finalidade escrevi O Crespos. Sei, porque o texto estava datado, que o fiz em 2007, ano em que o café A Brasileira comemorou o seu centésimo aniversário. Talvez esse facto tenha influenciado o texto e a decisão de aí situar a história.
O nome da personagem devo tê-lo pedido emprestado, inconscientemente, a uma outra personagem que, nos tempos da minha adolescência, era célebre por entre os bracarenses devido aos longos discursos inflamados que fazia do coreto da Avenida Central para uma multidão que o ouvia divertida. É também o nome de uma freguesia rural de Braga.
Seja como for, o meu Crespos é uma personagem de ficção, embora perfeitamente verosímil, construída à imagem dos muitos clientes habituais que frequentam A Brasileira e que se sentam ao longo dos anos sempre à mesma mesa. O Crespos fazia-o há trinta e quatro anos, seis meses e sete dias. Diariamente. Sempre militantemente solitário. Não sabemos mais nada dele, para além do que fazia nessa hora diária. Mas o que fazia nessa hora diária dá-nos o mote para evocarmos o tipo de clientela que, ao longo dos tempos, frequentou o café e o próprio papel que A Brasileira teve no quotidiano da cidade.
Como se o Crespos, não obstante a sua imobilidade, fosse afinal um flâneur, essa típica criação do século XIX tão incensada por Baudelaire e Walter Benjamin como o espectador urbano moderno.
De facto, o Crespos é um observador apaixonado que tem na multidão do café o seu mundo, de que é o centro e ao qual, simultaneamente, permanece oculto. Mas ao sétimo dia do sexto mês do trigésimo quarto ano de observação contínua algo aconteceu, pondo termo a essa memória arquivística e ao exercício de composição da genealogia psicossocial da cidade. E mais não direi. A não ser que o José Carlos Costa fez uma brilhante recriação gráfica do texto, imprimindo-lhe o tom e o traço realista que o conto pedia para potenciar o efeito surpreendente do seu desenlace. E isto sem descurar, nos detalhes, as inúmeras narrativas que sub-repticiamente aconteciam e que a sua memória de antigo frequentador de A Brasileira lhe lembrava. Convidando ao folhear reiterado das páginas para, de cada vez, descobrir novas relações entre as imagens. Sejam pois bem-vindos ao mundo de O Crespos.
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Adolfo Luxúria Canibal
NOTA: por vontade expressa do autor, o presente texto não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.