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Maria Isaac

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Arte Muçulmana
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A expansão muçulmana, iniciada pouco depois de 632, conduziu os povos seus fiéis, nomeadamente os Árabes, até ao centro de França, a ocidente, às fronteiras da Índia e da China, a oriente. Foi nestes territórios reconquistados, muitos deles convertidos, que a arte muçulmana se desenvolveu, refletindo assim as tradições locais desses novos territórios. As crenças, o modo de vida e a ideologia política e social bem como as suas tradições, foram assimilados pelos Muçulmanos, que os adaptaram à sua cultura e religião. É principalmente aqui que reside a originalidade da arte muçulmana nas suas primeiras manifestações.

Só no século X, e graças ao incremento da dinastia Abássida (750-1000) no Egito e em Espanha, os elementos mais característicos desta simbiose apareciam dispersos por todo o lado. A rapidez com que o Islão se expandiu através do Próximo Oriente e do Norte de África é um dos fenómenos mais interessantes da história mundial. O que começou por ser uma vitória imposta pela vontade de vencer rapidamente se transformou numa vitória espiritual, quando milhões de pessoas se converteram ao Islão.

Vista geral de uma mesquita no Egito
Alcova árabe
A Mesquita de Córdova, em Espanha, é considerada uma das joias da arte muçulmana
Os elementos decorativos geométricos são comuns na arte islâmica
No que diz respeito à arte, os Muçulmanos são, em certa medida, herdeiros do estilo paleocristão bizantino, com características helenísticas, romanas e persas. No início, os árabes pré-islâmicos, em termos artísticos, pouco iam além da escrita ornamental, uma vez que, nesta altura, a Arábia era habitada por tribos nómadas, não tendo, por isso, arquitetura nem escultura, já que Maomé proibira a idolatria. Quando Maomé morreu, o lugar para a oração podia ser qualquer sítio. A única preocupação e característica comum a todos estes lugares (mesquitas improvisadas) era a existência da qiblac que marcava a direção de Meca, para onde os muçulmanos se voltavam quando rezavam.

Porém, no fim do século VII, os reis muçulmanos, agora solidamente estabelecidos, começaram a erguer grandes mesquitas e palácios como símbolos do seu poder.
Dá-se, assim, no século VIII o grande boom da construção muçulmana. No Oriente é de destacar a Grande Mesquita de Damasco, mandada construir pelo califa Al-Walid, da dinastia Omíada, entre 706 e 715, da qual se salientam as paredes forradas a mosaicos, de origem bizantina, onde figuram paisagens e perspetivas arquiteturais, sobre um fundo de ouro, refletindo um certo ilusionismo tão característico da época romana (Pompeia).

Também o Palácio de Mshatta, na Jordânia, mandado construir por um dos sucessores de Al-Walid, por volta de 743, possuía características bizantinas, patentes na decoração em forma de renda e motivos vegetalistas. A influência persa também era visível na presença dos leões alados e outros animais míticos característicos das tapeçarias dos persas Sassânidas. Além disto, a presença de motivos geométricos em ziguezagues e as rosetas na fachada denotavam um gosto pela simetria dos motivos, típico da arte islâmica.
Na época Abássida (com origem nos muçulmanos da Pérsia, atual Irão) (750-1000) há a destacar a Grande Mesquita de Samarra, mandada construir pelo califa Al-Mutawakkil, entre 848 e 852, a maior mesquita do Mundo. Construída em tijolo, quase sem decoração, possuía 16 portas que davam para todas as direções, sendo um exemplo único da arquitetura ascética, que tinha como única função acolher todos os crentes da cidade. De destacar o minarete em caracol, de origem iraniana (como a dinastia Asássida), de onde os crentes eram convocados para a oração. Este encontrava-se ligado à mesquita por uma rampa, possuindo uma escada em espiral até à plataforma mais alta, o que lembra as torres dos zigurates da Mesopotâmia (segundo o modelo da mítica Torre de Babel).

Os elementos da planta desta mesquita vão caracterizar todas as outras mesquitas deste período: planta retangular com eixo principal orientado para Meca, a sul, fechando um grande pátio ladeado por naves ou galerias laterais que conduzem à parede da qibla, cujo centro é marcado por um nicho, mihrab; do lado oposto, o minarete.
Em Espanha destaca-se, da mesma época, a mesquita de Córdova, uma das joias da arte muçulmana. Foi construída em quatro fases, entre 785 e 965. Esta mesquita revela bem a planta hipostila, isto é, o templo rodeado de colunas, que permite adaptar o edifício ao aumento da população.

A genialidade desta arquitetura consistiu em inverter um sistema de arcos sobrepostos, que permitiram elevar os suportes sem ser necessário implantar colunas novas. O arco em ferradura e a alternância entre a pedra e o tijolo sobre os eixos contribuem para aliviar este conjunto, complicando os efeitos visuais do interior da mesquita. O que contribui para que esta seja uma verdadeira obra-prima da arte muçulmana é o mihrab e as três cúpulas que o antecedem. A decoração do mihrab com mosaicos e mármores rendilhados, as cúpulas de nervuras finas e os arcos recortados revelam um verdadeiro gosto pelo belo, que não existira antes.

A partir do século X, os Turcos começaram a avançar para o Médio Oriente, onde se convertem ao islamismo, dominando a maior parte da Pérsia, Mesopotâmia e Síria e começando assim a colidir com o Império Bizantino, na Ásia Menor (Turquia).
No século XIII, seguiram-se os Mongóis e os Turcos ditos Otomanos (já estabelecidos há muito na Ásia Menor), que acabaram com o Império Bizantino, conquistando Constantinopla em 1453 e ocupando o Próximo Oriente e o Egito, tornando-se no mais vasto império do mundo muçulmano.

Foi nesta altura que surgiu um tipo novo de mesquita, a madrasah, destacando-se a do sultão Hassan, no Cairo, que tem como principal característica o pátio quadrado com uma fonte ao centro. A monumentalidade e o geometrismo do traçado, exacerbados pelos muros, é uma característica turca.
Na primeira metade do século XVII destacam-se, ainda, o Taj Mahal, em Agra, na Índia, mandado construir pelo rei muçulmano da Índia Shah Jahan, que pertencia a uma dinastia mongol, em memória da sua mulher, e a mesquita do Sultão Ahmed I (Istambul), construída entre 1609 e 1616.

Quanto à pintura, como os Árabes não possuíam qualquer tipo de tradição, a pouca pintura religiosa muçulmana que existia inspirava-se nas fontes estrangeiras, com o consentimento das autoridades muçulmanas em aceitar estas pinturas de imagens sagradas de outras religiões, pois aos muçulmanos era proibido pintar ou representar Deus (Alá) e as figuras sagradas.
Assim, este iconoclasmo não os impediu, porém, de aceitar a arte figurativa dos territórios conquistados, rejeitando todas as estátuas - a prescrição.

Inicialmente, todas as figurações humanas e animais eram proibidas se fossem representadas em tamanho natural. Assim, nas cortes dos califas desenvolveu-se uma arte associada a objetos de uso corrente como os tapetes, louças e tecidos, sendo as figuras humana e animal reduzidas a motivos ornamentais sem grande importância, a não ser a decoração geométrica ou fitomórfica.

Esta tendência pelos objetos ricamente decorados era uma característica de todos os povos que fizeram parte da civilização muçulmana, desde os Árabes e Persas aos Turcos e Mongóis, característica esta herdada da sua condição de povos nómadas, obrigados que eram a transportar todos os objetos consigo. As técnicas deste povo nómada aliadas às novas formas e materiais dos povos do Egito, Próximo Oriente, Grécia e Roma, deram origem a uma vasta e riquíssima arte decorativa. Grande parte destes objetos encontram-se em igrejas e palácios, devido à ação "de rapina" dos Cruzados. É o caso do manto bordado da coroação dos imperadores germânicos, feito por artistas muçulmanos.

Sem a espetacularidade da arquitetura, a pintura e as artes decorativas muçulmanas não deixaram de conhecer, todavia, um assinalável desenvolvimento, sobretudo a partir do século XII.
Uma vez rejeitada a herança clássica e abandonada a representação figurativa (exceto nos palácios), a arte islâmica desenvolveu a caligrafia e aperfeiçoou as técnicas, sobretudo na cerâmica, como é o caso dos reflexos metálicos que fazem realçar os ornamentos dos objetos. Assim surgiu a pintura do vidro.

Porém, foi na arte de trabalhar o metal e no livro que se produziram as modificações mais significativas. À falta de prata em quantidades suficientes para maiores trabalhos, os artífices muçulmanos trabalharam o bronze incrustando a prata, o que tornou mais visíveis os ornamentos.
Na caligrafia desenvolveram a iluminura, começando a surgir obras de grande luxo.

Na cerâmica existiam dois grupos principais: o do Egito, desde o século XI, onde se distinguem os pratos com reflexos, decorados com temas de dançarinos, músicos, letrados, animais, bebedores de vinho, entre outros, onde é de notar uma mistura entre o realismo dos pormenores e a simplificação das composições; e o grupo do Irão (antiga Pérsia), onde a produção cerâmica apresenta uma técnica mais apurada tanto no estilo como na iconografia utilizada. Foi aqui que, no século XIII, se criaram os painéis ou azulejos de cerâmica. Os temas são mais variados: procissões de animais ou construções geométricas de flores e plantas, símbolos astrológicos, entre outros de menor importância.

Porém, um pequeno grupo de objetos revela temas mais complexos, como é o caso de um prato que comemora a tomada de uma cidade por cavaleiros identificados pelos seus nomes.
A arte do metal também se desenvolveu em dois centros principais: no Nordeste do Irão, a partir do século XII, e na escola siro-mesopotâmica, no século XIII.
Os motivos são variados e mais fáceis de trabalhar, conseguindo-se definir uma tipologia: cenas da vida palaciana, temas astrológicos, cenas da vida quotidiana e cenas religiosas.
Todos estes objetos são ornamentados por uma decoração vegetalista e geométrica.

Alguns bronzes provenientes do Irão apresentam decoração em relevo. Na maior parte dos bronzes incrustados existem inscrições a louvar os senhores, dando-nos a possibilidade de reconhecer os nomes e os títulos.

Quanto às miniaturas, é no final do século XII e inícios do século XIII que esta arte se desenvolve no Iraque e no Norte da Mesopotâmia.
A ilustração servia, antes de mais, como suporte de comentário e explicação do texto e para valorização do livro, transformando alguns exemplares em autênticos objetos de arte e luxo, onde cenas da vida dos camponeses, burgueses e príncipes são representadas desde a sua nascença até à morte. Aí são representadas as mesquitas, as casas, as aldeias e os animais.
Estas imagens, condenadas na época pelo poder muçulmano, explicam-se pelo crescimento dos contactos internacionais que a classe mercantil e manufatureira árabe (é a eles que se deve esta proliferação das imagens) foi tendo, inventando uma arte luxuosa que, graças à qualidade dos seus artesãos, se transformou numa grande arte, envolvendo todo o Mediterrâneo ocidental.

É de notar que em todas as artes decorativas e na pintura os temas religiosos são raros, estando reservados às ilustrações cerâmicas. Assim, enquanto a arquitetura testemunhava a piedade oficial do Islão, os objetos eram o testemunho da vida privada, não servindo como mensageiros, mas melhorando as condições materiais e estéticas da vida de cada um.

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Como referenciar
Arte Muçulmana na Infopédia [em linha]. Porto Editora. Disponível em https://www.infopedia.pt/artigos/$arte-muculmana [visualizado em 2025-06-21 21:38:35].
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