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Guerra Civil em Portugal (1832-1834)
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Após a revolta de 1820, que implantou o liberalismo em Portugal, o país conheceu um longo período de instabilidade política, ditado pela oposição entre as fações liberais e as absolutistas e conservadoras. A monarquia constitucional teve dificuldades em se implantar, em parte devido às mentalidades enraizadas, que se opunham vivamente às mudanças jurídicas necessárias à instituição de uma nova ordem social, política e económica. Apesar de se verificarem mudanças nas posições sociais, a mentalidade continuava presa aos antigos moldes.

Mesmo enfraquecida, a nobreza era regenerada a partir do exterior, através dos burgueses recém-titulados que perpetuavam a velha ordem. As camadas populares, em particular as rurais, em nome das quais havia sido feita a revolução, continuavam empobrecidas e fracas, conformadas com o seu destino. Este estado de coisas ajuda a esclarecer o tipo de reações às medidas impostas pela legislação liberal, como a obrigatoriedade dos enterramentos em cemitérios ou a abolição dos dízimos, e também o eco que o ideário absolutista monárquico tinha numa grande parte da população portuguesa.

Assim se explica o golpe de D. Miguel, em 1823 (Vila-Francada), reprimido de forma pouco decidida por D. João VI (1767-1826). Tal facto levou a uma nova conspiração em abril de 1824 (Abrilada), em que o príncipe D. Miguel, apoiado na rainha D. Carlota Joaquina, sua mãe, pretendeu restaurar a monarquia absolutista. O golpe terminou com o exílio do príncipe, mas as sementes da discórdia estavam lançadas. A atitude pouco enérgica do rei, por um lado, e as contradições políticas e sociais do liberalismo, por outro, deixam espaço para dúvidas que vão resultar numa guerra civil após a morte do monarca, em 1826.

D. Miguel, regressado do exílio, decide assumir o poder em nome de D. Maria da Glória (futura D. Maria II), filha de D. Pedro IV, chegando ao país em 1828, sendo entusiasticamente recebido pela população. Poucos meses depois faz-se proclamar rei absoluto, desrespeitando o que havia prometido ao imperador brasileiro.

A guerra civil iniciou-se em julho de 1832, com o desembarque das tropas liberais de D. Pedro IV em Matosinhos (atual praia da Memória), às quais se juntaram muitos liberais, que conspiravam no país e no estrangeiro. Após dois anos de lutas intensas, em que as tropas miguelistas revelam as suas fraquezas, a guerra civil termina no Alentejo com a assinatura da Convenção de Évora Monte (26/5/1834). D. Miguel foi afastado de cena mas o seu fantasma permanecerá através dos partidários do absolutismo e da velha ordem.

O liberalismo português não conseguia vencer as suas próprias contradições internas autogerando crises políticas, como a de setembro de 1836 (pelos Setembristas, liberais radicais de esquerda), que voltou a adotar a Constituição de 1822. O texto constitucional que a veio substituir, jurado em 1838, avançava na direção de um maior liberalismo, pondo de lado o poder da realeza e alargando o direito de voto a um maior número de pessoas. Contudo, o Partido Setembrista acabou por se diluir nas forças moderadas, levando a que em 1848 Costa Cabral restaurasse a Carta Constitucional. Apenas os mais extremistas levantaram a voz contra este processo, como foi o caso do conde de Bonfim, líder da revolta militar de Torres Novas, em 1844, que falha por falta de apoio militar e popular, mas que é sintomática do estado da nação.

A tensão recrudesce com o autoritarismo da política cabralista, com a ação intervencionista do Estado, ainda que num sentido moderno. Leis como a da saúde pública, de 18 de setembro de 1844, dão origem a uma série de sublevações populares que ficaram conhecidas por Revolta da Maria da Fonte (1846). Na sua origem está a obrigatoriedade de enterrar dentro dos cemitérios, bem como o pagamento de taxas pelos serviços prestados, que levaram ao levantamento da população de Fonte Arcada, na Póvoa de Lanhoso, que se sentia atingida nas suas mais profundas crenças religiosas.

Perturbados por uma conjuntura de crise de subsistência, provocada por maus anos agrícolas, pelo aumento dos preços dos cereais e pela baixa dos salários, os populares da Região Norte do país, aos quais se juntaram membros do clero, revoltaram-se de forma tumultuosa, pilhando e queimando as repartições à sua passagem, atitude compreensiva tendo em conta que ainda vigoravam os direitos senhoriais e que as novas leis punham em causa os direitos comunitários. A intervenção das tropas levou à organização do movimento popular em juntas, politicamente aproveitadas pelas forças setembristas, cartistas e miguelistas. O governo de Costa Cabral acabou por se demitir e a lei da saúde pública revogada.

No entanto, a instabilidade dos novos governos não apaziguou os ânimos dos revoltosos, em particular dos miguelistas. A Emboscada, nome dado ao golpe da rainha D. Maria II, que, orquestrado por Costa Cabral, no exílio, assume o poder nas suas mãos revogando a lei eleitoral, exaltando ainda mais os ânimos, levou a que a junta do Porto se revoltasse. Esta junta era liderada por Passos Manuel e apoiava-se na Guarda Nacional, na Infantaria 6 e na Artilharia 3. Outras juntas seguiram o seu caminho, eclodindo uma nova guerra civil conhecida por Patuleia. Durante seis meses foram travados duros combates por todo o país, terminados apenas com a intervenção de tropas inglesas, no âmbito da Quádrupla Aliança, que dão a vitória à rainha.

A Convenção de Gramido (30 de junho de 1847) marca o fim da guerra e, após algumas hesitações, marca o advento de uma nova era para o liberalismo português, com a subida ao poder do Duque de Saldanha, que propõe uma política de regeneração para o país.
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Como referenciar
Porto Editora – Guerra Civil em Portugal (1832-1834) na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-03-21 20:29:30]. Disponível em
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