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Técnicas Bélicas no Antigo Egito
Apesar de não existir, tanto quanto se sabe, um termo egípcio para definir guerra (apenas kheruit, de kherui, "inimigo", por aproximação), a guerra foi um conceito omnipresente e até tutelar na antiga civilização egípcia, embora sem dominar mental ou culturalmente o povo e seus governantes. Se compararmos a civilização egípcia com outras do Crescente Fértil, ou seja, do Mediterrâneo Oriental e Médio Oriente na época pré-clássica (como os Assírios ou os Persas, por exemplo), podemos classificá-la como uma civilização pacifista ou pouco belicosa. Todavia, as infraestruturas burocráticas e militares ligadas à defesa e segurança, logo à capacidade de guerra, existiram sempre no Antigo Egito, ou por questões de ambição imperial, de expansão territorial na Núbia e no Corredor Siro-Palestinense (do Sinai até ao Líbano e Síria), ou então de defesa contra eventuais agressores externos, não esquecendo as punições aos Beduínos e outros nómadas nos desertos. As principais causas que concorreram para que o país não dedicasse à guerra um valor primordial e absoluto, fazendo-o apenas em ocasiões em que fosse imperativo assumir a sua inevitabilidade, foram as seguintes: isolamento do território, conferido pelo quase intransponível Delta, traiçoeiro e pantanoso, pelos desertos absolutos a Este e a Oeste; uma quase constante diplomacia e preponderância egípcia em relação às suas "portas do Sul" (a Núbia, ou Kuch), principal área de expansão territorial; autossuficiência alimentar e económica do país, que lhe valeu o título de "celeiro do mundo antigo"; um território tipo oásis, voltado para um único curso e de água; nação voltada mais para a sua história e primores civilizacionais; coesão nacional em torno do faraó, figura incontestada.
Todavia, como se disse, o Egito Antigo foi a expressão máxima de uma ideia geopolítica basilar: quem quer evitar a guerra, deve estar preparado para ela. E o Egito esteve sempre preparado, sem dúvida. Recorde-se que os Egípcios conseguiram manter-se autónomos e poucas vezes ameaçados como nação ao longo de mais de 2500 anos, o que se deve essencialmente à sua preparação militar, a mesma que permitiu a unificação e consolidação do país nos seus primórdios, nas épocas Pré-Dinástica (c. 4500-3000 a. C.) e Arcaica ou Tinita (c. 3000-c. 2660 a. C.).
Até mais ou menos ao começo do II milénio a. C., por alturas do Império Médio (c. 2040-c. 1780 a. C.), as fontes acerca da guerra são pobres ou escassas, incompletas mesmo. Depois aparecem apenas algumas fontes indiretas, pontualmente na XIV dinastia (Segundo Período Intermédio, c. 1780-1560 a. C.), para questões de diplomacia e "direito internacional" egípcio. As Cartas de Amarna, de onde se podem aferir ideias acerca das guerras entre Egípcios e povos vizinhos, são exemplo dessas fontes. A partir de então, começaram a aparecer referências à vida castrense egípcia em textos e expressões artísticas várias, com cenas de recrutas em preparação militar, aspetos da frente núbia ou até do aspeto físico dos soldados. As fortificações egípcias na Núbia, como forma de criar uma zona de segurança abaixo da primeira catarata do Nilo (junto a Assuão) durante o Império Médio, revelam as preocupações guerreiras do Egito faraónico, bem como as suas incursões na Palestina, Sinai, Síria. Estas incursões tinham como objetivo manter em respeito os povos em circulação na região ou os vizinhos mais poderosos, como Hititas, por exemplo. Esses esforços revelam ainda uma certa ideia expansionista e imperial do Egito, a partir da crença de que o faraó deveria ser – e consideravam que era – senhor de toda a criação, crença essa que legitimava a maneira egípcia de se ver o mundo, como algo que se lhe deveria submeter. Mesmo sem uma expressão idiomática precisa para guerra, como vimos, os Egípcios não a negligenciaram. Qualquer ação militar na Núbia ou na Síria-Palestina era encarada como um desígnio faraónico dos Egípcios manterem a maet ("ordem") do mundo, por forma a evitar o isefet ("caos"), uma ordem natural das coisas, uma incumbência divina ao povo egípcio. A guerra não era uma aptidão ou um objetivo, não era o quotidiano, mas apenas um meio para consolidar esse desígnio dos deuses, um recurso quase ritual, dir-se-ia.
A partir da XVIII dinastia (c. 1550-1295 a. C.), no Império Novo, é que se poderá detetar uma ambiência guerreira maior entre os Egípcios, mas nunca considerá-lo uma nação belicosa ou militarista. Era apenas um país de camponeses e funcionários, além de pedreiros e sacerdotes, preparado para as contingências de defesa e salvaguarda da maet universal, que dependia da unidade e manutenção da civilização, centrada no faraó, seu símbolo máximo e fator de coesão interna. O aludido recrudescer da ideia de guerra no Império Novo apareceu também pelo facto de que tiveram que expulsar os hekau-khasut, ou Hicsos, invasores do Egito no Segundo Período Intermédio (c. 1780-1560 a. C.) e seus governantes nas XV e XVI dinastias. A sua expulsão na última dinastia daquele período, a XVII (c. 1650-c. 1560 a. C.), e subsequentes esforços militares de completo afastamento do perigo asiático (Hicsos e povos do Crescente Fértil) nos inícios do Império Novo, na XVIII dinastia (principalmente no reinado de Tutmés III, c. 1504-1450 a. C.), tornaram o Egito numa potência internacional e num adversário temível. Fizeram do país uma nação conquistadora e imperial, recolhendo despojos e tributos de guerra importantes para a monarquia faraónica, seu prestígio e para o tesouro nacional. Tutmés III encetou mesmo dezassete campanhas militares, uma das quais a célebre batalha de Meggido (em 1456 a. C., na Palestina). O auge da ideia de máximo esforço e prestígio militar egípcios decorreu no reinado de Ramsés II (1289-1224 a. C.), na XIX dinastia do Império Novo, o grande conquistador egípcio e defensor do Reino, temido dentro e fora do país.
O país possuía várias guarnições militares, ao longo do Nilo como no Delta, nos desertos, no Sinai, na Núbia, nos oásis e mesmo na Palestina. Não existiam efetivos militares tão grandes como nas outras civilizações guerreiras pré-clássicas (Persas, Hititas, Assírios, etc.), pois os agricultores (felah's) e canteiros eram sem dúvida mais importantes. O povo egípcio estava destinado mais ao máximo aproveitamento dos recursos do seu único rio ao longo de todo o ano ou às construções faraónicas do que a empresas bélicas. Mas os soldados estavam bem organizados e treinados, atuavam em operações planeadas, de surpresa, punitivas, com estudo e avaliação do inimigo, quase cirúrgicas, dir-se-ia. O apoio dos carros puxados por cavalo (que nos surgem amiúde em relevos de templos ou outros edifícios), infantaria bem armada e arqueiros, além de inúmeros mercenários estrangeiros, era também importante. O exército faraónico era assim muito móvel, rápido, com poder de choque mas não em operações envolvendo numerosos efetivos. Arcos de vários tipos com aljavas e setas, espadas não muito grandes, maças, maças cortantes, machados e lanças eram o armamento principal do exército egípcio, evoluindo do cobre e do bronze para o ferro paralelamente às outras civilizações pré-clássicas. As proteções corporais não eram muitas nem pesadas (eram em couro no tronco, ou metal leve no caso dos elmos), muito pelo tipo de guerra repentina e rápida como também pelo elevado calor que se sente no Egito e territórios circundantes. Depois das operações, os soldados regressavam organizadamente às suas anteriores guarnições ou eram colocados noutras. Faziam parte de um corpo social importante mas à parte, embora do ponto de vista civilizacional não tivessem o destaque dos grupos anteriormente referidos.
Todavia, como se disse, o Egito Antigo foi a expressão máxima de uma ideia geopolítica basilar: quem quer evitar a guerra, deve estar preparado para ela. E o Egito esteve sempre preparado, sem dúvida. Recorde-se que os Egípcios conseguiram manter-se autónomos e poucas vezes ameaçados como nação ao longo de mais de 2500 anos, o que se deve essencialmente à sua preparação militar, a mesma que permitiu a unificação e consolidação do país nos seus primórdios, nas épocas Pré-Dinástica (c. 4500-3000 a. C.) e Arcaica ou Tinita (c. 3000-c. 2660 a. C.).
Até mais ou menos ao começo do II milénio a. C., por alturas do Império Médio (c. 2040-c. 1780 a. C.), as fontes acerca da guerra são pobres ou escassas, incompletas mesmo. Depois aparecem apenas algumas fontes indiretas, pontualmente na XIV dinastia (Segundo Período Intermédio, c. 1780-1560 a. C.), para questões de diplomacia e "direito internacional" egípcio. As Cartas de Amarna, de onde se podem aferir ideias acerca das guerras entre Egípcios e povos vizinhos, são exemplo dessas fontes. A partir de então, começaram a aparecer referências à vida castrense egípcia em textos e expressões artísticas várias, com cenas de recrutas em preparação militar, aspetos da frente núbia ou até do aspeto físico dos soldados. As fortificações egípcias na Núbia, como forma de criar uma zona de segurança abaixo da primeira catarata do Nilo (junto a Assuão) durante o Império Médio, revelam as preocupações guerreiras do Egito faraónico, bem como as suas incursões na Palestina, Sinai, Síria. Estas incursões tinham como objetivo manter em respeito os povos em circulação na região ou os vizinhos mais poderosos, como Hititas, por exemplo. Esses esforços revelam ainda uma certa ideia expansionista e imperial do Egito, a partir da crença de que o faraó deveria ser – e consideravam que era – senhor de toda a criação, crença essa que legitimava a maneira egípcia de se ver o mundo, como algo que se lhe deveria submeter. Mesmo sem uma expressão idiomática precisa para guerra, como vimos, os Egípcios não a negligenciaram. Qualquer ação militar na Núbia ou na Síria-Palestina era encarada como um desígnio faraónico dos Egípcios manterem a maet ("ordem") do mundo, por forma a evitar o isefet ("caos"), uma ordem natural das coisas, uma incumbência divina ao povo egípcio. A guerra não era uma aptidão ou um objetivo, não era o quotidiano, mas apenas um meio para consolidar esse desígnio dos deuses, um recurso quase ritual, dir-se-ia.
A partir da XVIII dinastia (c. 1550-1295 a. C.), no Império Novo, é que se poderá detetar uma ambiência guerreira maior entre os Egípcios, mas nunca considerá-lo uma nação belicosa ou militarista. Era apenas um país de camponeses e funcionários, além de pedreiros e sacerdotes, preparado para as contingências de defesa e salvaguarda da maet universal, que dependia da unidade e manutenção da civilização, centrada no faraó, seu símbolo máximo e fator de coesão interna. O aludido recrudescer da ideia de guerra no Império Novo apareceu também pelo facto de que tiveram que expulsar os hekau-khasut, ou Hicsos, invasores do Egito no Segundo Período Intermédio (c. 1780-1560 a. C.) e seus governantes nas XV e XVI dinastias. A sua expulsão na última dinastia daquele período, a XVII (c. 1650-c. 1560 a. C.), e subsequentes esforços militares de completo afastamento do perigo asiático (Hicsos e povos do Crescente Fértil) nos inícios do Império Novo, na XVIII dinastia (principalmente no reinado de Tutmés III, c. 1504-1450 a. C.), tornaram o Egito numa potência internacional e num adversário temível. Fizeram do país uma nação conquistadora e imperial, recolhendo despojos e tributos de guerra importantes para a monarquia faraónica, seu prestígio e para o tesouro nacional. Tutmés III encetou mesmo dezassete campanhas militares, uma das quais a célebre batalha de Meggido (em 1456 a. C., na Palestina). O auge da ideia de máximo esforço e prestígio militar egípcios decorreu no reinado de Ramsés II (1289-1224 a. C.), na XIX dinastia do Império Novo, o grande conquistador egípcio e defensor do Reino, temido dentro e fora do país.
O país possuía várias guarnições militares, ao longo do Nilo como no Delta, nos desertos, no Sinai, na Núbia, nos oásis e mesmo na Palestina. Não existiam efetivos militares tão grandes como nas outras civilizações guerreiras pré-clássicas (Persas, Hititas, Assírios, etc.), pois os agricultores (felah's) e canteiros eram sem dúvida mais importantes. O povo egípcio estava destinado mais ao máximo aproveitamento dos recursos do seu único rio ao longo de todo o ano ou às construções faraónicas do que a empresas bélicas. Mas os soldados estavam bem organizados e treinados, atuavam em operações planeadas, de surpresa, punitivas, com estudo e avaliação do inimigo, quase cirúrgicas, dir-se-ia. O apoio dos carros puxados por cavalo (que nos surgem amiúde em relevos de templos ou outros edifícios), infantaria bem armada e arqueiros, além de inúmeros mercenários estrangeiros, era também importante. O exército faraónico era assim muito móvel, rápido, com poder de choque mas não em operações envolvendo numerosos efetivos. Arcos de vários tipos com aljavas e setas, espadas não muito grandes, maças, maças cortantes, machados e lanças eram o armamento principal do exército egípcio, evoluindo do cobre e do bronze para o ferro paralelamente às outras civilizações pré-clássicas. As proteções corporais não eram muitas nem pesadas (eram em couro no tronco, ou metal leve no caso dos elmos), muito pelo tipo de guerra repentina e rápida como também pelo elevado calor que se sente no Egito e territórios circundantes. Depois das operações, os soldados regressavam organizadamente às suas anteriores guarnições ou eram colocados noutras. Faziam parte de um corpo social importante mas à parte, embora do ponto de vista civilizacional não tivessem o destaque dos grupos anteriormente referidos.
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Como referenciar
Porto Editora – Técnicas Bélicas no Antigo Egito na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2024-12-13 15:21:26]. Disponível em
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